1. A resposta de Jesus sobre a quem se devia pagar
imposto, se ao Templo se a César, é provavelmente uma das suas frases mais
conhecidas. Quando questionado Jesus respondeu: de quem é a face que aparece na
moeda? Respondem-lhe que é de César. Então o Messias diz, dai pois a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus.
Jesus estabelece um princípio claro até então
desconhecido: o de que a religião era independente do poder. Cristo é o
primeiro a separar a Igreja do Estado.
E essa luta será uma constante da história da
Igreja. A historiografia moderna, profundamente anti-católica, faz questão de
confundir a Igreja e o poder durante parte da história da Europa. Esta versão
da história ignora por completo a luta da Igreja pela sua liberdade contra o
Poder Temporal, que tentou utilizar a Igreja como sua extensão. Os momentos em
que a Igreja e o Poder estiveram juntos, foram em regra por escolha do Poder,
com a Igreja submetida.
Em Portugal foi a resistência dos bispos portugueses
que conseguiu a separação entre a Igreja e o Estado, e assim garantir a
liberdade da Igreja. A recusa dos bispos em aceitar a submissão à Lei da
Separação (que não separava coisa nenhuma, antes regulava de maneira estrita a
vida da Igreja) fez a verdadeira separação da Igreja do Estado. O preço pago
foi alto (todos os bispos foram desterrados, perderam-se os Paços, Igrejas,
seminários, etc.) mas foi assim que a Igreja em Portugal se libertou do jugo do
Estado: desobedecendo à Lei, resistindo ao Governo.
A Igreja sempre reconheceu que cabe ao Poder
legítimo governar a sociedade. E que os cristão tem obrigação de lhe obedecer:
dai a César o que é de César. Mas também sempre foi clara que “a Deus o que é
de Deus”: não cabe ao Estado governar a Igreja. A separação da Igreja e do
Estado não significa apenas que a Igreja não se mete no governo, significa
também que o Estado não se mete na Igreja.
2. A Constituição da República Portuguesa no
número 1 do seu artigo 41º estatui: A
liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável. E no número
4 acrescenta: As igrejas e outras
comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua
organização e no exercício das suas funções e do culto.
Ou seja, a liberdade religiosa pode-se declinar em
duas vertentes: o direito pessoal de cada um a praticar a sua religião e o
direito social das religiões de se organizarem livremente. Quer a minha
liberdade de praticar uma religião, quer a liberdade de cada religião se organizar, são direitos fundamentais consagrados pela Constituição.
A mesma Constituição também prevê, no seu artigo
19º, a possibilidade de alguns direitos serem suspensos em caso de declaração
de Estado de Emergência, mas exclui dessa possibilidade o direito à liberdade
de religião.
É assim bastante discutível que a proibição de
celebrações religiosas públicas fosse possível tal como foi declarada no Estado
de Emergência das últimas semanas. De facto o Governo podia proibir eventos
públicos em geral, ou ajuntamentos de pessoas, mas é duvidoso que pudesse de
facto proibir celebrações religiosas.
Mas se durante o Estado de Emergência a questão
ainda era discutível, chegando agora (enquanto escrevia este artigo acabou o
Estado de Emergência) a declaração de calamidade, não há qualquer discussão
possível. Um acto administrativo, baseado numa lei ordinária, não pode
evidentemente restringir um Direito constitucionalmente garantido.
Por isso quando António Costa anunciou que as
celebrações religiosas só voltariam no fim do mês, fez uma declaração para a
qual não tinha poder. Como diz a Constituição, as igrejas são separadas do
Estado e são livres na sua organização. Não estando a Constituição suspensa,
sendo Portugal um Estado de Direito, o Primeiro-Ministro tem tanto poder para
declarar quando começam as celebrações religiosas como para dizer o que vai ser
o jantar cá em casa!
3. Dirão alguns que isto é um pormenor, que assim
como assim os bispos estão de acordo com a data, que não vale a pena perder
tempo com bagatelas diante da crise em que estamos.
Mas é precisamente porque vivemos uma crise que é
essencial garantir o respeito pelo Estado de Direito. A teoria de que o bem
maior tudo justifica, até o atropelo da Constituição e dos Direitos
Fundamentais, abre a porta a que o poder do Estado não tenha limites. Se a
crise justifica que se ignore a Constituição quanto ao direito à religião, o
que impede que mais tarde o Estado venha a ignorar outros direitos? Se o limite
ao poder já não é a Lei nem a Constituição (já nem falo da Moral) mas apenas as
eventuais repercussões eleitorais, o que impede o Governo de fazer o que bem
entende? Os cidadãos não são obrigado a confiar na boa fé do Governo. Não temos
de estar dependentes dos caprichos do executivo.
4. Eu obedeço ao meu bispo. E confio que a data
que o meu bispo escolher para o regresso das Missas públicas será a melhor
decisão. Posso não concordar com essa decisão, posso não a perceber, mas sigo e
obedeço. E assim procuro dar a Deus o que é de Deus.
Mas recuso-me a dar a César o que é de Deus. O
Governo pode decidir sobre eventos públicos ou sobre a quantidade de pessoas
por m2, mas não pode decidir quando voltam as Missas públicas. Esse poder só os
bispos é que têm. Não por um direito seu, mas pelo direito que o seu povo tem a
viver a sua Fé em liberdade. Por isso, mesmo com a concordância dos bispos, a
decisão do Governo permanece como um grave ataque (e ilegal) à liberdade de
religião de cada português.
Isto é uma parte de algo mais vasto. As pessoas não estão bem a perceber (ou não querem perceber) o que se está a passar.
ResponderEliminarAcima de tudo não relacionam as diferentes medidas que, no seu conjunto, tornam inequívoco que estamos perante uma agenda política. Quando acordarem será tarde demais.
A posição da Igreja também é lamentável. Se a celebração não é essencial agora, é porque não é nunca. Ou seja, não serve para nada.