1- A guerra do Afeganistão, a guerra do Iraque, a
Primavera Árabe, a guerra na Síria, a guerra da Líbia e o desaparecimento total
de qualquer espécie de governo, a guerra do Iémen, a ascensão do Estado
Islâmico que por sua vez levou ao recrudescimento do extremismo islâmico, mergulhou boa parte do norte de África e do Próximo Oriente no caos.
Essa
caos levou à deslocação de centenas de milhares de pessoas. Algumas são
refugiados de guerra, outra migrantes que fogem de uma vida miserável. O sonho
da grande maioria dessas pessoas é chegar à Europa.
2 -
Sempre houve migrantes a tentar atravessa o Mediterrâneo para entrar
ilegalmente na Europa. Sempre houve redes de tráfico que exploraram essas
pessoas. Contudo o drama actual fez aumentar muitíssimo a procura da Europa, o
que, evidentemente, fez crescer muitíssimo as redes de tráfico.
Falamos
de gente que explora miseravelmente pessoas que não têm nada, que os enfia em
barcos miseráveis e os atira ao mar, pouco lhes importando se sobrevivem ou
não. O único interesse destes redes é mesmo o dinheiro.
3 - O
aumento de migrantes no Mediterrâneo tem levado a uma catástrofe humanitária.
Nas costas da Europa têm morrido milhares de pessoas afogadas pelo crime de
procurarem uma vida melhor.
E a
resposta europeia tem sido fraca e insuficiente. A questão dos migrantes tem
sido usada como arma de arremesso político.
De um lado temos os que defendem que a União Europeia deve estar aberta a todos, que se
mostram indiferentes ao justo receio de alguns países pelo número de migrantes,
que se mostram indiferentes ao facto de a integração destes migrantes estar a
falhar, sobretudo que se mostram indiferentes ao facto de ser Itália quem de
facto enfrenta a maior parte do problema.
Por
outro lado temos aqueles que demonizam os migrantes e que exploram o medo das
populações do terrorismo e do extremismo islâmico. Para estes a Europa corre o risco de ver a sua
cultura destruída por uma invasão vinda de África e do Próximo Oriente.
Esta
divisão da questão dos migrante em duas trincheiras tem tornado impossível
resolver o problema. A discussão, com acusações de parte a parte, é estéril.
Ambas as partes invocam razões justas, mas são incapazes de qualquer abertura.
4 - Este problema é complexo. Por um lado existem refugiados que têm um
estatuto jurídico próprio. Mas a grande maioria dos que entram na Europa pelo
Mediterrâneo, mesmo vindo de países desfeitos, não são refugiados, mas sim
migrantes económicos.
Se é
de justiça que a Europa acolha refugiados de guerra, também é justo que não
aceite migrantes económicos para lá do que é a sua capacidade. Não pode contudo simplesmente
deixar morrer pessoas na sua costa só porque são imigrantes ilegais. A Europa
está construída precisamente sobre a Dignidade Humana. Esse principio impede
que sejamos indiferentes aqueles que morrem "ilegalmente" no
"nosso" mar.
Por
outro lado, não basta resgatar os que atravessam o Mediterrâneo (embora isto
seja urgente) também é preciso acabar com as redes de tráfico que exploram
aquela pobre gente. É preciso criar condições nos seus países para que possam
regressar. É preciso combater este problema em toda a sua complexidade e não
continuar apenas nas grandes declarações de princípios, sem qualquer efeito
prático.
5 - A
tragédia do Mediterrâneo fez aparecer uma conjunto de ONG's que tentam salvar
as pessoas que fazem a travessia. Algumas delas têm barcos que patrulham o mar
à procura de embarcações para acolher os migrantes e transporta-los para
Itália.
O
objectivo é nobre e, para além disso, necessário. Claro que a acção destas
organizações, embora resolva uma urgência, acaba por agravar o problema geral.
A sua existência é um incentivo não apenas aos migrantes, mas às próprias redes
de tráfico.
A
juntar a isto, nem todas as ONG's são iguais. Algumas tem uma agenda política,
algumas provavelmente pouco mais são do que fachadas para negócios escuros com
os traficantes.
Isto
não retira o mérito de tantos voluntários que vão para o Mediterrâneo com o
único propósito de ajudar gente desesperada. E se é verdade que ao salvar os
migrantes de morrerem afogadas, ao tornar mais segura a travessia, incentivam a
mesma, também não é menos verdade que a alternativa é simplesmente continuar a
deixar morrer pessoas no mar até as redes de tráfico ficarem sem clientes (o
que não parece que resulte).
O
problema dos migrantes envolve muita política, muito dinheiro e muitos
interesses. Mas sobretudo, envolve muitas vítimas que não podem ser deixadas ao
abandono apenas porque são "ilegais".
6 - Não
conheço Miguel Duarte de lado nenhum. Nem conheço ninguém que seja realmente
amigo da mãe dele. Sei que não é verdade que ele esteja a ser acusado por ter
salvo pessoas no Mediterrâneo. Está a ser acusado por as ter levado para
Itália. E isso é de facto um crime. Um
crime necessário uma vez que a alternativa é provavelmente deixar morrer muitas daquelas pessoas afogadas.
Vi em
diversas partes escrito que ele os deveria levar de volta para a Líbia, porque aparentemente muitos dos salvamentos são feitos próximos do lado de lá do
Mediterrâneo. Isso é pouco melhor do que os deixar morrer afogados. Levá-los de
volta para a Líbia é levá-lo para um país sem lei, sem governo, dominado por
senhores da guerra. É entrega-los de novos às redes de tráfico humano. É de
facto matá-los mais lentamente. A alternativa é leva-los para Itália é deixa-los à morte, no mar ou em terra.
Miguel
Duarte não é vítima do Estado Italiano, é vítima de uma Europa que deixou o
problema dos migrantes transformar-se num jogo político e de interesses, que
ninguém está realmente empenhado em resolver. O jovem português entrou num jogo
que está muito acima dele.
Se é
justo que Itália se tente defender da imigração ilegal, não é menos justo que o
Estado Português e a sociedade portuguesa se empenhem em defender um jovem que
se arriscou para salvar pessoas da morte. As acções de Miguel são um crime, mas
são justas e necessárias. Necessárias pela inépcia da Europa em resolver esta
tragédia.
7 -
Tenho visto muitas vezes repetido nas redes sociais que Miguel aos salvar
pessoas no Mediterrâneo estaria a compactuar e a incentivar redes de tráfico
humano.
E é
verdade. É verdade que essas redes de gente sem escrúpulos se aproveita desta
fraqueza da Europa, herança do cristianismo, que é a misericórdia. Esta fraqueza
de amar o próximo, mesmo que isso nos prejudique. A fraqueza de amar aqueles
que nos odeiam.
Percebo
que para alguns seja mais lógico que para combater as redes de tráfico, para
combater o fluxo migratório, se deixe morrer pessoas afogadas. Assim como assim
foram elas que decidiram correr esse risco e nós estamos apenas a defender a
nossa terra. Aliás, esta teoria não é nova, já há dois mil anos Caifás dizia
que mais valia morrer um só homem pelo povo.
Não
percebo é que alguém o faça com a desculpa de defender o cristianismo, ou os
valores cristãos. Deixar morrer pessoas afogadas pode ser até uma boa decisão
política, mas é completamente contrária às palavras de Cristo. Jesus não nos mandou amar os bons, os justos, os que nos amam,
mandou amar o próximo, mandou amar os inimigos, mandou amar os que nos odeiam.
Pode-se justificar deixar morrer alguns no mar por questões políticas, mas
poupem-me à conversa de que estão a defender o cristianismo. O cristianismo não
se defender desobedecendo a Cristo.
8 - O
problema dos migrantes é um problema complexo. A Europa não pode de facto estar
de portas totalmente abertas à imigração. Tem mesmo que que ter uma política
clara de combate à imigração ilegal, tem que combater o tráfico humano, tem que trabalhar com os países de origem destes migrantes para evitar que
ele saiam de lá. Tudo isto é verdade.
Mas
enquanto o faz e não o faz, enquanto o problemas se resolve e não se resolve,
não pode continuar a deixar morrer pessoas no Mediterrâneo. A mim não me choca
nada que um imigrante seja repatriado, desde que seja tirado do mar, agasalhado e alimentado.