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sexta-feira, 1 de maio de 2020

O novo Costa da IIIª República





Li um pouco por todo o lado as medidas anunciadas por António Costa para o deconfinamento e fiquei bastante impressionado. Aparentemente todos consideram normal que o Primeiro-Ministro, ao abrigo da Lei de Bases da Protecção Civil, anuncie quando é que os portugueses podem fazer isto ou aquilo. O Primeiro-Ministro já tinha dito que independentemente da Constituição, o confinamento era para manter, e assim o fez. E pelos vistos os jornalistas todos consideram normal, que um Governo democrático aja ao arrepio da Constituição.

Se várias das medidas anunciadas ontem são de duvidosa legalidade, para dizer o mínimo, há uma delas que é ilegal, inconstitucional e gravíssima: o anúncio de que as celebrações religiosas só voltariam no fim de Maio.

O Estado de Emergência está previsto na Constituição e permite a suspensão, em condições muito apertadas, de alguns direitos fundamentais. Evidentemente a Lei de Bases da Protecção Civil não tem “poder” sobre a Constituição. Pelo que aquilo que é permitido no Estado de Emergência, não é permitido com a declaração de Calamidade. Seria absurdo que uma lei ordinária pudesse suspender a Constituição!

Já em Estado de Emergência é discutível a possibilidade de limitação da liberdade de religião. Contudo, como a Conferência Episcopal já tinha suspenso as missa públicas, a decisão do Governo de o fazer estava bastante esvaziada. Mesmo assim, o facto do decreto que regulava o EE suspender a possibilidade de celebrações públicas deu azo a alguns abusos, com as autoridades policiais a interromperem missas, o que me parece digno de um Estado anti-democrático. A autoridade dentro da Igreja é o padre ou o bispo, não é a policia.

Mas a decisão de António Costa de só abrir as Igrejas em Maio é simplesmente ilegal. O Primeiro-Ministro pode proibir ajuntamentos, eventos públicos, abertura de edifícios públicos, mas não tem qualquer poder para regular as celebrações religiosas.  A Liberdade Religiosa é um Direito Fundamental, garantido pela Constituição da República Portuguesa. E por muito que o Primeiro-Ministro queira agir independentemente do que ela diz, a verdade é que não o pode fazer.

Ao Estado cabe, quanto muito, declarar em que condições podem acontecer eventos públicos. Decidir quanto haverá missas públicas cabe aos bispos. Diante das regras para eventos públicos os bispos até podem decidir que só há missas públicas dia 30 de Maio, mas essa decisão é dos bispos, não é do novo Costa, que considera ter poder sobre a Igreja.

Impressiona-me que isto se passe e toda a gente pareça considerar normal. Nenhum jornalista pergunta ao PM com que poder regular o culto religioso, nenhum partido questiona, o Presidente da República não intervem. Há uma violação claríssima da Constituição, mas como estamos numa crise sanitária, parece que tudo é normal. Mas a crise sanitária, ao contrário do que alguns parecem achar, não suspende a Constituição nem dá poderes plenos ao Governo.

E para os que dizem que não é grave, que assim como assim as missas públicas se calhar também só iam começar dia 30, independentemente do governo, digo apenas que é essa a diferença entre o escravo e o homem livre. De facto, talvez pouco mudasse, a não ser esse pequeno pormenor do respeito pela liberdade e pela dignidade humana.

Em 1911 outro Costa também pensou que podia regular a prática religiosa. Todos sabemos como isso acabou: a Igreja ainda cá está, a Iª República desapareceu sem que alguém considerasse  que valia a pena disparar um tiro por ela. Talvez não fosse pior para todos aprender com essa história.

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