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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Eutanásia: Que Estado desejamos? Que sociedade queremos construir?




O tema da eutanásia, que tem vindo a ser cada vez mais debatido em Portugal, chegou à Assembleia da República. Neste momento encontram-se no Parlamento duas petições, uma a favor e outra contra (esta com quase o dobro das assinaturas da primeira). Para além disso o Bloco de Esquerda e o PAN já anunciaram a sua intenção de apresentar propostas de lei sobre o tema.

Por isso, queiramos ou não, é hora de reflectirmos sobre que Sociedade e que Estado desejamos. É talvez a única vantagem deste debate é obrigar-nos a ajuizar claramente sobre a posição que nós, enquanto país, enquanto sociedade, temos diante da Vida Humana.

Porque, ao contrário do que tem vindo a ser afirmado, não se está a discutir a autonomia pessoal, não estamos a debater a possibilidade de as pessoas decidirem o que fazer com a sua vida. Na eutanásia é a pessoa que pede para morrer mas sãos os médicos que decidem se ela pode ou não. Não há autonomia pessoal quando são precisos três médicos (como é proposto pelo PAN) para decidir se uma pessoa pode ou não ser morta.

O que está em discussão é saber que resposta tem a sociedade a oferecer aos doentes, aos idosos, aos que sofrem. Oferecemos cuidados médicos, cuidados sociais, oferecemos o nosso amor e a nossa compaixão ou a morte?

A sociedade em que vivemos está baseado no valor da Vida Humana. A Democracia assenta na ideia de que cada pessoa tem um tal valor que não pode haver, aos olhos da lei, cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Esta conquista do reconhecimento que toda a Vida é digna, que toda a Vida tem igual importância para a Sociedade, demorou séculos e é um bem que tem que ser protegido.

Com a eutanásia a sociedade afirma que há Vidas que valem menos. Que há Vidas menos dignas. Que há circunstâncias onde o Estado já não protege a Vida mas antes a elimina. A legalização da Eutanásia seria a vitória da cultura do descarte. De uma cultura individualista e egoísta, onde o outro não me interessa, onde o outro só tem valor enquanto é saudável e capaz de produzir.

A morte termina não o sofrimento, mas a Vida. Ou seja, acaba o sofrimento, mas acaba também a felicidade, o amor e toda a beleza que existe na Vida de cada homem, até daqueles que estão doentes ou envelhecidos.

"Só uma palavra nos liberta de todo o peso e da dor da vida: essa palavra é o Amor." dizia Sófocles. Uma sociedade que oferece a morte aos que sofrem é uma sociedade que desistiu de amar o próximo. Que se rendeu a uma mentalidade utilitarista, onde o valor do outro depende daquilo que ele tem para nos oferecer!

A questão da morte a pedido é por isso uma batalha civilizacional. Uma batalha que cada um que acredita que Toda a Vida Tem Dignidade deve travar! E pode fazê-lo de maneira muito simples: escrevendo aos deputados do seus distrito, escrevendo às estruturas partidárias da sua região, pedindo-lhes para que, no Parlamento, recusem esta sociedade da morte e do descarte e promovam antes uma sociedade solidária, onde cada Vida Humana tem valor, independentemente das suas circunstâncias. Nenhum daqueles que acredita no Valor da Vida está dispensado de, nesta hora fulcral, dar o seu contributo, por mais modesto que seja, para (re)construir uma sociedade assente no Valor e na Dignidade da Vida Humana.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

No enterro de Mário Soares onde andava o Povo?



Na morte de Mário Soares muitas coisas haveria a dizer. Antes de mais como é impressionante que diante da morte haja sempre a necessidade ou de "endeusar" ou de "demonizar". Não existe, aparentemente, a opção intermédia de olhar para aquele que morreu como aquilo que foi: um homem, com qualidade e defeitos, virtudes e pecados, pelos quais agora responde.

Outra das coisas que me impressionou muitíssimo na morte do Dr. Soares foi voltar perceber como, mesmo passado mais de quarente anos, não é possível falar com tranquilidade e distanciamento sobre o 25 de Abril e os anos que se lhe seguiram. Mais uma vez, ou se está de um lado ou do outro. Como se a história não fosse complexa e não fosse possível ser da democracia mas contra o modo com esta foi implementada. Ou a favor da descolonização, mas contra descolonização como esta foi feita.

Também me impressionou a memória curta de muitos dos notáveis que falaram e escreveram sobre o antigo Presidente. Aparentemente a democracia em Portugal teve um único pai! Mas a verdade é que, não desprezando o enorme contributo de Mário Soares, que com coragem enfrentou várias vezes a esquerda radical, é preciso não esquecer tantos outros que também lutaram, alguns ao lado dele, para que Portugal fosse livre e democrático. Antes de mais é preciso não esquecer Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, dois dos mártires da democracia no nosso país. Mas sobretudo todo o povo que com coragem lutou, sobretudo a norte do Tejo, para que Portugal não fosse comunista. Esse povo não era de Mário Soares: eram trabalhadores, pequenos proprietários, pequenos empresários, agricultores, gente cristã que bem sabia que não queria o comunismo em Portugal. A todos esses, e não apenas ao Dr. Soares, devemos a democracia.

Contudo, aquilo que realmente me impressionou na morte do Dr. Mário Soares foi a ausência do povo. O Estado, os senadores do regime, os políticos, os notáveis, os escribas, os artistas, os desportistas, todo e qualquer um que se ache importante neste país, estiveram presentes nas exéquias de Mário Soares. O Governo declarou três dias de luto nacional, preparou um funeral de Estado com pompa e circunstância. Veio a GNR a cavalo, a charrete, tirou-se o pó a algumas bugigangas da monarquia para adornar o evento. Vieram as forças armadas, a força área fez voar os seus jactos. E contudo o povo permaneceu serenamente ausente. Apesar dos apelos do Governo, apesar das campanhas televisivas, apesar de todas as explicações pormenorizadas sobre as cerimónias fúnebres, o seu horário e trajecto, o povo não veio.

O mesmo povo que em dia de semana recebeu em euforia os campões nacionais. O mesmo povo que acorreu em massa a homenagear Eusébio. O povo que saiu à rua para chorar Amália. O povo que enche o Rock in Rio e os concertos do Tony Carreira. Esse mesmo povo foi trabalhar, ou ficou nas suas casas.

Sobre este facto cada um é livre para fazer as teorias que quiser. Pode-se dizer que era dia de semana, embora também a chegada dos campeões europeus tenha sido a um dia de semana. Ou então que o povo não gosta de enterros, mas a verdade é que os de Eusébio e Amália estiveram cheios. Ou mesmo que foi por questões partidárias, mas é preciso lembrar que todos os partidos, uns mais convictos que outros, homenagearam o Dr. Soares. Pode-se até dizer que o povo não gostava do "Bochechas", embora fosse uma figura que sempre suscitou simpatia junto do público.

Para mim a razão pela qual o povo faltou ao luto decretado pelo Estado foi precisamente por ter sido o Estado a decretar o luto. O problema não é o Dr. Soares, mas o facto de o povo não ter interesse no que a elite diz. A ausência do povo é, para mim, sinal do enorme divórcio que existe entre o poder e o povo.

O povo adere ao que é seu, ao que sente seu. Por isso vai à rua receber a selecção, por isso vai à rua chorar Eusébio e Amália. Mas o Pai da Democracia, desta democracia e desta política em que já não acredita, para isso não vai. Mais depressa se teria enchido as ruas para chorar o "Bochechas", que montava tartarugas, do que o herói desta República ao qual o povo não liga.

Infelizmente, as nossa elites parecem querer à viva força ignorar este divórcio. Preferem não reparar que o mesmo povo que há quarenta anos acompanhou Soares à Fonte Luminosa, se recusou a acompanha-lo à sua última morada e só volta a Alameda para receber a Selecção.