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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Uma lei desequilibrada - Público, 16/02/18



O Bloco de Esquerda apresentou finalmente este sábado, dois anos depois de ter lançado uma petição, um ano depois de apresentar um ante projecto de lei, o seu projecto de lei de despenalização do homicídio a pedido da vítima e do suicídio assistido (a que eufemisticamente chama antecipação da morte).
Na operação mediática conduzida pelo BE para apresentação da sua proposta, publicou José Manuel Pureza um artigo no PÚBLICO sobre o tema. Segundo o peticionário, relator da petição e redactor do projecto de Lei, esta proposta tem dois grande princípios:

1. O equilíbrio e o rigor. Esta lei é só para casos muitos específicos, que serão rigorosamente apurados. Segundo diz são preciso quatro elementos, que têm de ser comprovados por três médicos (aquele a quem é feito o pedido, um médico especialista na patologia e um psiquiatra). Só reunidos os quatro elementos exigidos pelo BE, comprovados devidamente pelos médicos, é que então um pessoa tem acesso à morte.

2. O respeito pelos patamares de dignidade que cada um fixou para si mesmo durante a sua vida. Ou seja, que a dignidade da vida humana não é objectiva, mas estabelecida por cada um.

Ora, não é preciso ser especialista em lógica para vislumbrar qual é o problema da proposta do Bloco: Por um lado diz que respeita os patamares de dignidade que cada um fixou para si, por outro lado estabelece que só tem acesso à morte a pedido quem preenche os elementos escolhidos pelo Bloco, elementos esses que têm que ser comprovados por três médicos diferentes.

Peço desculpa, mas não se pode afirmar que "é de autoritarismo que se trata quando ao doente que livre e conscientemente pede a antecipação da morte porque os patamares de dignidade que se fixou para si mesmo em toda a sua vida estão irreversivelmente afastados, se responde com um claro não" e ao mesmo tempo afirmar que "soluções equilibradas são as que assentam, em primeiro lugar, numa definição muito rigorosa das condições e requisitos a preencher pelo doente que peça a antecipação da morte." Afinal, quem define os patamares de dignidade que quer para si, cada pessoa ou o Bloco de Esquerda?

É evidente, e isso vê-se na preocupação do BE nas limitações que coloca no acesso à morte a pedido, que o que está em causa não é a autonomia pessoal. Assim fora e bastava simplesmente despenalizar o homicídio a pedido da vítima e o suicídio assistido. O deputado José Manuel Pureza chama autoritário a quem é contra a eutanásia de doentes terminais, mas pelos vistos ele próprio é o primeiro a querer limitar o "direito" a definir os tais patamares de dignidade.

O que está em causa é que resposta dá o Estado aos doentes terminais que pedem a morte. O Bloco já deixou claro que a sua posição é que o Estado deve limitar-se a dar-lhes uma morte rápida e indolor.

Eu confesso que não partilho desta visão liberal da sociedade, onde o sofrimento de uma pessoa é um problema apenas seu, sem que a sociedade procure encontrar uma resposta a esse sofrimento. Não considero que a protecção jurídica que o Estado concede a todos os cidadãos magicamente desapareça com a doença.

Eu acredito no Estado Social, num Estado que protege os mais fracos e os mais frágeis, num Estado que na hora de maior sofrimento não se limita a uma injecção, antes cria condições e mecanismos para aliviar e acompanhar essas pessoas.

Tem sido marca deste debate, desde a primeira hora, a tentativa por parte dos políticos que defendem a eutanásia de demonizar quem deles discorda. Autoritários, extremistas religiosos, totalitários, foram apenas alguns dos termos com que os deputados a favor da morte assistida têm vindo a publicamente a descrever quem deles discorda. O artigo do deputado José Manuel Pureza segue por esse caminho: nós temos esta proposta, quem dela discorda só pode ser porque é autoritário e quer impor a sua vontade a todos. Esta visão maniqueísta da realidade empobrece o debate. Agitar papões como a prisão dos médicos (sendo que para o deputado Pureza, a prisão de um médico que mate um paciente fora das condições por si rigorosamente estabelecidas pareça não lhe causar a mesma comoção) é simplesmente demagógico e contribui para a desinformação sobre o tema.

Uma lei que permite ao Estado estabelecer condições em que é legítimo matar uma pessoa porque esta o pede nunca é equilibrada. Não o é quando o prevê que isso seja possível a pessoas saudáveis. Não o passa a ser por ser restringida apenas a pessoas doentes. Equilibrada é a lei que protege a vida de todos os cidadão, a lei que não abandona os doentes, que não esquece os que sofrem, que não descarta os moribundos. Equilibrada é a lei que respeita o principio constitucional de que "a vida humana é inviolável".

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Viva o Patriarca de Lisboa!





Rebentou ontem um escândalo nos jornais sobre o Patriarca de Lisboa. Descobriram os jornalistas que o Senhor Dom Manuel propunha aos recasados absterem-se de ter relações sexuais. A “descoberta” deu direito a notícias, reportagens com “especialistas” (os de sempre, claro), e artigos de opinião. Hoje a Visão e o Público dedicam os seus editoriais a atacar o Patriarca.

É evidente que os senhores jornalistas, tão rápidas a emitir juízos e opiniões, nunca leram uma linha da doutrina da Igreja sobre a sexualidade. Sobre o assunto conhecem apenas o “toda a gente sabe”,  a forma suprema de ignorância contemporânea.

Não vou aqui fazer a defesa daquilo que escreveu o nosso Patriarca. Não vale a pena. Quem quer perceber, lê o que ele escreveu e percebe logo. Quem não quer, também não será com a minha explicação que passará a perceber.

Mas aproveito a oportunidade para agradecer ao Senhor Patriarca. Agradecer o seu pontificado. Agradecer a sua paternidade. Agradecer a forma como tem ganho o cheiro das ovelhas, de tanto estar ao lado delas.

Parte do fel que tem sido destilado sobre o Patriarca nada tem a ver com a nota sobre a aplicação da Alegria do Amor. E isso fica claro em alguns dos artigos que têm sido publicados desde ontem. O que o “mundo” não perdoa ao Senhor Dom Manuel é o facto de ele se recusar a ficar na sacristia. É o de não ter medo de publicamente defender a Verdade e de instar os católicos a fazer o mesmo.

O “mundo” não se importa com uma Igreja silenciosa, que faz o papel de ONG e que reza dentro de quatro paredes fechadas. Mas não suporta uma Igreja que intervém na sociedade.
Desde o primeiro instante do seu pontificado o Senhor Patriarca tem deixado claro que se recusa a ser uma figura decorativa do regime. Tem erguido publicamente a sua voz  na defesa da Verdade. Basta pensar que sem a intervenção pública do Senhor Dom Manuel muito provavelmente a eutanásia já seria lei. E é isso que o “mundo” não perdoa.

Mas o Patriarca não se limita a ser um voz incomoda. É antes de tudo um pastor. Um pai que continuamente acompanha os seus filhos. É impressionantes ver o empenho pessoal do Senhor Dom Manuel junto de tantas realidades da Igreja de Lisboa. O modo como incentiva e acompanha os movimentos de jovens, os movimentos de Defesa da Vida, as associações de profissionais católicos, etc.

E depois é sempre bonito ver a simplicidade do Patriarca, a sua discrição. Como está, sem alarido, sem cerimónias, mas sempre presente, como um pai. Relembro na última missa de Natal da Federação Portuguesa pela Vida. Tínhamos tudo preparado para o receber, com toda a honra que é devida a um príncipe da Igreja. E quando chegamos à Igreja, já lá estava o Senhor Patriarca, sentado no meio da Igreja, como qualquer cristão, em oração diante do Sacrário. E aí ficou quando começou o terço da paróquia, sentado a rezar, com o resto do povo cristão até ir celebrar a missa. A única honra que conhece e que necessita é a de servir a Deus.

O pontificado do Senhor Dom Manuel tem sido para mim, e penso que para todos os católicos do patriarcado, fonte de graça e de gratidão. Comove-me sempre a paternidade com que tantas vezes me acolheu, sobretudo nas questões relacionadas com a defesa da vida, nas quais o seu apoio tem sido fundamental.

Por isso agradeço a Deus por nos ter dado este grande bispo. E rezo para que o Senhor no-lo conserve por muitos e bons anos. Saibamos nós estar à altura do nosso Patriarca.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Legalizar o Harvey Weinstein nacional - Observador, 02/02/17

Pelos vistos, é um abuso alguém pedir sexo em troca de favores, mas já não o é se for em troca de dinheiro. Defender a legalização da prostituição é defender os Harvey Weinstein nacionais. 

1. O escândalo dos abusos sexuais em Hollywood trouxe à luz do dia uma realidade conhecida mas que o mundo teimava em ignorar: que no cinema, como em outras indústrias onde jovens bonitos se cruzam com homens poderosos, havia um sensação de impunidade por parte de quem tem poder para solicitar sexo em troca de favores.

Se olharmos bem para as histórias que agora vêm a público veremos que, tirando os casos de Woody Allen e de Roman Polanski (casos que durante anos foram ignorados pelas mesmas estrelas que agora veementemente se manifestam), os abusos não incluíram coerção ou ameaças físicas. Simplesmente a mera sugestão: fazes o que eu quero e tens uma carreira, negas e nunca mais trabalhas nesta área.

E não vale a pena dizer que as pessoas abusadas, sobretudo mulheres, sabiam ao que iam, que eram livres para não aceitar, ou ainda pior, que depois de aceitarem não têm nada que se queixar. Usar o poder sobre alguém mais fraco para ter relações sexuais é um abuso e não pode ser aceite. Trocar sexo por favores é objectivar o outro, é reduzir o outro a um bem comerciável.

Todos temos o direito de viver a nossa sexualidade em liberdade e consciência. Se alguém tenta coagir a nossa liberdade ou aproveitar-se da falta de consciência para obter sexo então é abusador. Mesmo que não o seja a nível criminal.

Por isso, apesar de todo a alarido à volta do assunto, apesar da caça às bruxas exigida pela histeria dos media, apesar da hipocrisia de todos aqueles que durante anos conviveram com aqueles a quem agora chama monstros indiferentes à sua fama de abusadores, ainda bem que Hollywood deu este passo de acabar com a impunidade dos abusos sexuais por parte dos seus mais poderosos.

2. Em Portugal tem surgido de tempos em tempos propostas sobre a legalização da prostituição. Regra geral os apoiantes deste tipo de legislação têm sido os mesmo que muito se manifestam contra os abusos sexuais como os revelados agora pelo escândalo em Hollywood.

Eu confesso que esta posição me causa alguma perplexidade. Pelos vistos, é um abuso alguém pedir sexo em troca de favores, mas já não o é se for em troca de dinheiro.

Um produtor de cinema não pode fazer avanços em troca de um papel num filme, mas pode dispor sexualmente de uma mulher se lhe pagar.

E não colhe o argumento de que quem se prostitui o faz em liberdade. Esse é o mesmo argumento repetido em tantas caixas de comentários de que Harvey Weinstein não abusou de ninguém, simplesmente fez propostas que as mulheres podiam ou não aceitar.

Defender a legalização da prostituição é defender a comercialização da mulher (a prostituição ainda é um negócio sobretudo feminino). É defender que os homens com dinheiro podem comprar as mulheres pobres. É defender que quem tem poder pode dispor de quem não o tem.

Defender a legalização da prostituição é defender os Harvey Weinstein nacionais, que pensam que o poder e o dinheiro lhes dá o direito a dispor do corpo das mulheres.

Por isso, lutemos pelos direitos das actrizes de Hollywood a não serem abusadas. Mas lutemos também pelos direitos das mulheres anónimas que em Portugal podem vir a ser legalmente abusadas pelo simples facto de precisarem de dinheiro e alguém estar disposto a dar-lhes o que precisam em troca do seu corpo.