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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

A temível Marta e o Coronavirus.


Confesso, para grande vergonha minha, que não sou especialista em Saúde Pública nem o passei a ser com a crise do Coronavirus. Vou lendo as notícias, tentando acompanhar o que se passa, mas mesmo assim continuo sem saber qual a verdadeira proporção do problema, quais a medidas que devem ser tomadas, e qual o grau de risco a que estamos sujeitos.
Por outro lado, sou apenas um mero cidadão privado, sem qualquer ligação à medicina, pelo que o meu desconhecimento não traz grande mal ao mundo. Se eu desconhecer as indicações da Direcção Geral de Saúde não vem daí mal ao mundo. Grave mesmo é que a Ministra da Saúde pareça perceber tanto do assunto como eu. Grave é a Ministra da Saúde aparentemente não saber o que anda a Direcção Geral de Saúde a fazer relativamente a esta doença.

Ao sabermos que a Ministra da Saúde recomenda que quem vier de zonas de perigo de contágio deve isolar-se em casa ao mesmo tempo que a DGS diz que não há indicações para isso, ficamos sem saber em quem devemos confiar. É a Ministra que não sabe? É a DGS que está a ser pouco zelosa? Afinal quem manda?

Bem sei que Marta Temido não está no seu posto para ser realmente Ministra da Saúde. Todos sabemos que o seu papel é ser marioneta de Mário Centeno, assistir com ar sorridente ao enterro do Serviço Nacional de Saúde, e largar trivialidades boçais de tempos a tempos, como dizer com ar orgulhosos que 70% dos doentes que morreram à espera de uma operação estavam dentro dos tempos de resposta.

Não é por isso de esperar que Marta Temido esteja pronta para responder a uma pandemia, caso se venha a verificar. Não foi para isso que a contrataram. Pandemias ultrapassam claramente os conhecimentos de Mário Centeno e a escassa competência daquela que é provavelmente a pior ministra deste governo, já de si bastante mau.

Ao pensar em Marta Temido não consigo deixar de me lembrar de Constança Urbano de Sousa, Ministra de Administração Interna aquando dos incêndios de Pedrógão e que sobreviveu, ao contrário de mais de cem portugueses, até depois dos incêndios de Outubro. Lembro-me bem de ouvir a então ministra, dois ou três dias depois dos começos do incêndio de Pedrógão, ser questionada sobre uma das frentes do fogo. E lembro-me perfeitamente, porque era uma frente que estava próxima da casa de um parente meu, de ouvir com atenção a Ministra a explicar que não tinha qualquer informação sobre esse incêndio. A verdade é que Constança Urbano de Sousa sabia menos sobre o assunto que os jornalistas.

A resposta do Governo a esses incêndios destruiu a confiança da população nas autoridades em caso de incêndio. Pergunto-me o que acontecerá caso o pior se venha a verificar e haja de facto uma pandemia de Coronavirus. Alguém vai confiar nesta Ministra? Pior, alguém deverá fazê-lo quando já demonstrou tão claramente a sua incompetência e irresponsabilidade? 

Bem sei que António Costa gosta pouco de mudar ministros. Mas não seria razoável não esperar pela contagem de corpos para “aceitar” o “pedido de demissão” da Ministra da Saúde? Talvez não o seja para o Primeiro-Ministro, mas penso que o país lhe ficaria muito agradecido se, diante da possibilidade de uma pandemia, trocasse a marioneta que ocupa a pasta da Saúde por alguém que saiba o que está a fazer.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Votação da eutanásia: algumas notas.




1 – O resultado da primeira votação da legalização da morte a pedido no Parlamento, embora triste, não é inesperado. O destino desta votação estava traçado desde as eleições legislativas. A subida do PS, a descida do PSD (ainda por cima com uma lista de deputadas escolhida por um militante pró-eutanásia), a queda do CDS e do PC, tornavam o resultado inevitável. Ganhar esta votação estava no campo do milagre. Do ponto vista político a questão não era se os projectos de lei eram aprovadas, mas por quantos iam ser aprovados.

2 – O veto presidencial tem apenas efeito moral. Para ultrapassa-lo basta uma maioria dos deputados em efectividade de funções, ou seja 116 votos favoráveis. Como ficou ontem claro, até para aos mais distraídos, eles têm votos suficientes para o ultrapassar.

3 – Aquilo a que assistimos no Parlamento foi um puro exercício de poder. Ontem ficou provado como é preciso uma grande reforma do nosso sistema político. Não é possível um sistema onde uma lei é aprovada contra o parecer de todos os especialistas, sem nunca se ter ouvido o povo, com tão grande contestação social e popular. Infelizmente os deputados não respondem ao povo, nem sequer à constituição, mas apenas aos aparelhos do partido. Tivessem os deputados que ir pessoalmente justificar aos seus eleitores a decisão que ontem tomaram e estes projectos nunca teriam sido aprovados. Quem ignora a sociedade desta maneira não pode ficar espantado com os níveis de abstenção nem com o surgimento de novos partidos.

4 – Ontem tornou-se claro, mesmo para os mais optimistas ou mais desatentos à composição parlamentar, que o referendo é de facto a única possibilidade de parar esta lei. Sobretudo ficou claro que se não houvesse pedido de referendo este assunto tinha sido aprovado sem qualquer debate real. A Iniciativa Popular de Referendo #SIMAVIDA permitiu retirar o debate de dentro do Parlamento e trazê-lo para a sociedade. Trouxe o sobressalto cívico que dominou a agenda nos últimos dez dias. Isto permitiu trazer ao debate os especialistas e abriu a porta à intervenção popular contra esta lei. 

5 – Os deputados já provaram que não conhecem outra linguagem que não a do poder. Ignoram os especialistas, o exemplo do estrangeiro, a contestação social. Só temem as urnas, razão pela qual não discutiram isto na campanha eleitoral e querem despachar o assunto rapidamente, que daqui a um ano há eleições autárquicas. Por isso a única coisa que há a fazer para resistir a esta lei é dar força à Iniciativa Popular de Referendo. Tenho poucas dúvidas que neste momento já tenhamos mais do que as 60 mil assinaturas necessárias para pedir o referendo. Mas não é suficiente. É preciso entregar muitas dezenas de milhares de assinaturas no parlamento para que fique claro que o povo se está a mexer contra esta lei. A rejeição popular à eutanásia tem que ser inequívoca. 

6 – Evidentemente que depois de todo o nosso esforço podemos perder. Podemos entregar milhares de assinaturas e o referendo ser rejeitado. Podemos ir a referendo e perder. Mas não me parece que isso mude nada. Não luto contra a morte a pedido por ser fácil, ou porque será uma vitória. Luto porque a legalização da morte a pedido é um erro, é injusto e é iníquo. E por isso luto porque mais do que a vitória ou a derrota, há uma coisa que desejo. Que no dia do Juízo, quando o meu Criador me perguntar o que fiz para deter esta injustiça eu possa responder: tudo o que me foi possível. Essa é a única e verdadeira vitória.



segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A eutanásia e os pequenos Luís XIV

Quando falamos da eutanásia, convém lembrar como começou este processo e como chegamos a este ponto de votar cinco projectos de lei nunca discutidos em campanha eleitoral, tão pouco tempo depois do início da legislatura.

Tudo começou com uma Petição aos deputados que foi promovida por… deputados! Não havendo qualquer movimento na sociedade civil, não querendo os partidos colocar o tema nos seus programas, alguns deputados, encabeçados por José Manuel Pureza, desencantaram uma Petição Pública para levar o assunto à Assembleia da República. Após quatro ou cinco meses de intensa publicidade nos órgãos de comunicação social lá conseguiram oito mil assinaturas (enquanto escrevo a Iniciativa Popular de Referendo sobre a Morte a Pedido já reuniu, só no on-line e em apenas seis dias, mais de 11500). Assim se deu início a este debate, gerado artificialmente por alguns deputados.

Foram então ouvidos sobre o tema os especialistas. Para além dos convidados dos partidos, regra geral alinhados com a posição de quem os convidou, foram pedidos pareceres a órgãos públicos. O resultado: a Ordem dos Psicólogos não tem opinião, mas tem reservas, a Ordem dos Advogados, o mesmo, o Conselho Superior de Magistratura, igual. A Ordem dos Médicos, a Ordem dos Enfermeiros e a Comissão Nacional de Éticas para Ciências da Vida opuseram-se aos projectos de lei. Resumindo: os deputados ouviram os especialistas e eles disseram que não.

Claro que esta oposição não foi suficiente para travar os defensores da eutanásia que levaram a votos quatro projectos de lei a pedir a sua legalização. O resultado é conhecido: após uma grande campanha pública, com debates, vigílias e manifestações por todo o país (incluindo duas que encheram o Largo de São Bento) todos os projectos foram chumbados no dia 29 de Maio de 2018.

Seguiu-se a campanha eleitoral, onde o tema, embora constasse do programa do Bloco, do Livre e do PAN, nunca foi abordado. Qualquer pessoa mais desatenta poderia julgar que os defensores da eutanásia tinham desistido, tal foi o silêncio sobre o assunto durante a campanha eleitoral.

Contudo, o silêncio não foi por falta de interesse, mas por puro tacticismo eleitoral de quem não quis explicar ao povo uma lei onde o Estado, que se tem demonstrado incapaz de cuidar de quem precisa, permite a morte.

A ausência de debate não impediu o Bloco de Esquerda de apresentar, logo no primeiro dia da legislatura, um projecto de lei a pedir a legalização da morte a pedido. Um assunto que não achou que merecesse ser debatido em campanha, mas que achou suficientemente importante para ser o primeiro projecto de lei a ser apresentado ao novo Parlamento! Logo se seguiram os do Partido Socialista, do PAN, dos Verdes e, à última hora, da Iniciativa Liberal. Depois de um simulacro de debate na Iª Comissão (nem esperaram pelo parecer do CNECV), marcaram o debate e votação para dia 20 de Fevereiro, decorridos apenas quatro meses do começo da legislatura.

O que mudou desde 29 de Maio de 2018? Os especialistas continuam contra, largos movimentos da sociedade continuam contra, dois dos três antigos Presidentes vivos estão contra, até o seleccionador nacional está contra! A única coisa que mudou desde o chumbo da morte a pedido foi que agora têm os votos. Claramente, já ficou provado que não têm a força da razão, apenas têm a razão da força.
O debate e provável aprovação desta lei não são um exercício de democracia representativa, são um mero exercício de poder! Vão aprovar a eutanásia, contra todos os avisos e pareceres, pelo simples facto que têm poder para o fazer. Já não temos um Luís XIV a dizer “l’etat c’est moi”, temos 135 ou 150 reis-sol a afirmá-lo!

Por isso é necessário o pedido de referendo. Não porque este tema deva ser referendado, mas porque infelizmente os defensores da eutanásia só percebem a linguagem do poder. Não vale a pena falar do direito à Vida, de que o Estado não tem poder para matar, de que na Holanda, só no ano passado, houve mil eutanásias sem expressão da vontade do doente, que as barreiras colocadas nos projectos-lei são frágeis. Não vale a pena, porque eles sabem e recusam-se a ouvir. Por isso pedimos o referendo. Já que os deputados não ouvem os especialistas ao menos que oiçam o povo!

O Direito à Vida é o primeiro e o fundamento de todos os Direitos Fundamentais. Não está ao dispor do Estado, mas antecede o próprio Estado. A partir do momento em que o Estado se arroga no direito de decidir sobre a Vida, está aberta a porta para a violação de todos os outros Direitos Fundamentais. Por isso o referendo à eutanásia não é apenas a última linha de defesa dos cidadãos contra esta lei iníqua, é a última linha de defesa contra o exercício de poder gratuito dos deputados que se consideram acima dos Direitos Fundamentais.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Eutanásia: primeiro têm que explicar ao que vêm - Público, 10/02/20

Bruno Maia, conhecido quadro do Bloco de Esquerda e activista da legalização da morte a pedido, publicou recentemente um artigo no PÚBLICO sobre o tema. O artigo é o exemplo perfeito da falácia do espantalho: o activista da eutanásia defende a sua posição através da refutação de argumentos contra a eutanásia que só existem na sua cabeça. O truque é antigo: agita um papão que não existe para tentar tornar defensável a sua própria posição.
A utilização, infelizmente bastante constante, da falácia do espantalho para defender a eutanásia, para além de ser pouco honesta, é também perigosa, porque introduz confusão num debate cuja única utilidade é esclarecer conceitos. Eu confesso que prefiro explicar bem a razão pela qual me oponho à eutanásia do que perder tempo a debater falácias. Infelizmente, há dois pontos do artigo de Bruno Maia que são demasiado importantes para não desmontar a falácia.
O primeiro é quando se tenta equiparar a recusa de tratamento com eutanásia. Esta equiparação é perigosa e introduz confusão onde devia haver clareza. Já há demasiadas pessoas que confundem eutanásia com “desligar as máquinas”, não é preciso que um activista da eutanásia, ainda por cima um médico, venha aprofundar essa confusão. Não acredito que um médico não perceba a diferença entre não insistir num tratamento que não trará qualquer melhoria ou conforto ao doente e administrar-lhe uma substância que tem como única finalidade provocar-lhe a morte. No primeiro caso, o médico reconhece os limites da medicina, no segundo arroga-se em senhor da vida, decidindo que pedidos de morte são atendidos e quais não.



O segundo ponto que me parece especialmente perigoso é quando tenta negar o efeito de rampa deslizante agarrando-se ao facto de que desde que a morte a pedido foi aprovada da Holanda nunca foi alterada a lei. Antes de mais esquece-se de referir a Bélgica, pela razão evidente de que lá a lei já foi alterada para permitir a eutanásia de crianças. Mas também se esquece de referir que o âmbito de aplicação da lei tem vindo a ser alargado. Como a decisão sobre qual o nível de sofrimento a partir do qual é admitida a morte a pedido cabe aos médicos, a não alteração da lei não significa que a sua aplicação não tenha sido alargada. Para além disso, os próprios tribunais têm sido chamados a intervir sobre este assunto, alargando assim o âmbito de aplicação da lei. Por exemplo, embora a lei continue sem prever a morte a pedido para menores de idade, esta tem vindo a ser aplicada com autorização judicial.
Mas não é apenas no alargamento do âmbito da aplicação da lei que se verifica o efeito da rampa deslizante da eutanásia; também no crescimento do número de pessoas que a ela recorre. Assim como, de forma ainda mais grave, o aumento do número de eutanásia a pessoas que não o pediram de forma expressa. Todos estes números e factos são públicos e inegáveis. Escolher um facto fora do contexto para tentar negar o efeito de rampa deslizante não é intelectualmente honesto. Bruno Maia pode prometer que tudo será diferente em Portugal (o que me parece pouco razoável), não pode é fingir que o efeito rampa deslizante não se verificou em todos os países que legalizaram a morte a pedido.
Eu não tenho qualquer interesse em debater a eutanásia. Tenho interesse em debater os cuidados paliativos, a que 70% da população não tem acesso, os cuidados continuados, o apoio aos idosos cada vez mais sós, o estado do Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, tudo aquilo que o Bloco tem ignorado nos últimos anos. Quem tem interesse em debater a eutanásia é quem a propõe. Por isso convém que explique ao que vem e não que agite espantalhos.
Eu terei todo o gosto em explicar as razões de quem se opõe à morte a pedido, no dia em que quem a propõe explique as suas. Não entro no jogo dos espantalhos e papões em que Bruno Maia e seus colegas de luta têm tentado transformar esta questão.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Eutanásia: "O bem e o mal não mudaram do ano passado para este"




Está a começar novo debate sobre a eutanásia. Isto significa que haverá nos próximos meses muita campanha sobre o assunto, muitos argumentos a ser usados, muitos factos. E a verdade é que estas campanhas são sobretudo políticas, e por isso os argumentos mais eficazes nem sempre são os mais importantes. Não o digo como critica: são as regras do jogo.

Mas não quero começar esta campanha sem apontar o ponto central do que estamos a discutir: a Vida humana é sempre digna e ninguém, nem o Estado, tem legitimidade para dispor dela.

O valor da Vida é objectivo, ou seja, não depende de qualquer circunstância. Qualquer Ser Humano, pequeno ou grande, saudável ou doente, novo ou velho, tem igual dignidade. Não há nada na doença ou no sofrimento que tornem a vida indigna.
Ao Estado não cabe dispor sobre a Vida, cabe respeitá-la e protegê-la em qualquer circunstância. O Estado não é Senhor da Vida, não tem poder sobre ela, não a define. A Vida Humana é inviolável, não por estar assim disposto na Constituição, mas por ser uma realidade que antecede a Constituição e o Estado. A regra constitucional não concede qualquer direito à Vida, apenas o reconhece como Direito Fundamental.

A Assembleia da República não tem legitimidade para legalizar a eutanásia, não porque falte debate ou porque o assunto não esteja nos programas da maior parte dos partidos, mas porque a Assembleia da República não tem legitimidade para decidir que vidas são dignas e que vidas não o são. Mesmo que todos os portugueses fossem favoráveis à eutanásia, o Estado continuaria sem legitimidade para tornar legal matar alguém.

Porque é preciso ser claro: a eutanásia é matar. Eu sei que há uma tentativa de romantizar o problema, usando eufemismos e baralhando propositadamente conceitos. Mas o que está a ser discutido é se um médico, mandatado pelo Estado, pode administrar a um doente, a pedido desde e autorizado pelo Estado, uma substância para o matar. Ou, em alternativa, se lhe pode dar uma substância para que o doente se mate. E nenhum poder tem legitimidade para legalizar isto.

O mandato “não matarás” que atravesse 2500 anos até ao nosso tempo, permanece hoje tão verdadeiro como no primeiro dia em que foi escrito no Sinai. Alguns dirão que os mandamentos são religiosos. Com certeza. Mas não são menos verdade por isso. E o facto é que foi sobre este valor, da Dignidade Humana que proíbe que se mate, que a nossa civilização foi construída. Não matar não é apenas uma questão de fé, é o alicerce da sociedade ocidental.

Legalizar a eutanásia, ou em linguagem jurídica, legalizar o homicídio a pedido da vítima, é retroceder aos tempos bárbaros onde os velhos e doente eram mortos para não serem um estorvo. Não é um progresso, é um regresso ao passado.

Deveria bastar para rejeitar a eutanásia a simples constatação de que não se mata. Infelizmente não basta. Serão precisos outros argumentos. Vai ser preciso falar do papel da sociedade, de como esta lei não tem qualquer relação com a autonomia pessoal. Vai ser preciso falar da rampa deslizante na Holanda e na Bélgica. Falar do papel do Estado e da Sociedade no acompanhamento das pessoas em fim de vida. Vai ser preciso combater desinformação, explicar o que é a distanásia e o encarniçamento terapêutico. Vai ser preciso explicar, pela milionésima vez que não se trata de desligar máquinas, que os doentes já têm poder para rejeitar tratamentos. E haverá provavelmente momento no debate onde nos iremos perder nestes argumentos, e agarrar-nos a coisas menores, mas que são eficazes na batalha política. Que seja, faremos o que for preciso para ganhar esta luta.

Mas não quero começar esta batalha sem relembrar o óbvio, por muito que isso não seja eficaz politicamente: a Vida Humana é sempre digna, e nenhum poder pode dispor sobre ela. Uma lei que permita matar, mesmo que a pedido da vítima, será sempre iníqua e ilegítima. E isto será sempre verdade, mesmo que a eutanásia passe a ser lei. Diz Aragorn, personagem d’O Senhor dos Anéis: “O bem e o mal não mudaram do ano passado para este, e tão-pouco são uma coisa entre elfos e anões e outra entre homens. Compete ao homem saber discerni-los, tanto na Floresta Dourada, como em sua própria casa.”