As últimas eleições legislativas provocaram uma grande e
grave mudança para o país. A esquerda reforçou a sua maioria, o PSD tem um
grupo parlamentar inexperiente criado à imagem de Rui Rio e o CDS quase foi
varrido do mapa.
Estas mudanças terão várias consequências, sendo o
escancarara-se da porta à legalização da morte a pedido uma das principais.
O chumbo desta medida na última legislatura foi por uma
unha negra. Foi fruto de muito trabalho e do cruzamento de várias
circunstâncias. A oposição do PC, a posição firme do CDS, a intervenção de
Cavaco Silva e Passos Coelho. Foi a única vez que se conseguiu o chumbo de uma
medida fracturante com uma maioria de esquerda no Parlamento.
Infelizmente as circunstâncias mudaram. O PSD ficou
reduzido a 79 deputados, o PC a 10 e o CDS a 5. Dos partidos novos só o Chega é
contra a eutanásia. No PS, só ficou um dos dois deputados que votou contra. Na
melhor das hipóteses são 95 votos contra a eutanásia. Provavelmente, considerando
que Rui Rio é a favor da legalização da morte a pedido, 65 ou 70. Ou seja, a
eutanásia será aprovada no Parlamento por uma maioria de 20 a 50 votos. Há
votos suficientes não apenas para aprovar a eutanásia, mas também para
ultrapassar um veto presidencial.
Evidentemente que o Bloco de Esquerda conhece estes
números, por isso fez da legalização da eutanásia a sua primeira medida nesta
legislatura. Podemos lutar o que quisermos, fazer as campanhas que quisermos,
que o resultado em São Bento já está decidido. Haverá um simulacro de debate e
depois uma aprovação sem espinhas.
Por isso temos duas opções: esperar a aprovação da lei ou
tentar tirar a decisão de São Bento. E retirar a decisão do Parlamento
significa pedir um referendo. O referendo é a única alternativa à legalização
da eutanásia. Ou pelo menos, a única alternativa de lutarmos realmente contra
tal injustiça.
Foi por isso que, na última Caminhada pela Vida, foi
anunciada uma Iniciativa Popular de Referendo sobre o projecto-lei do Bloco.
Isto significa apresentar ao Parlamento uma proposta de referendo sobre esse
projecto, acompanhada por 60 mil assinaturas. Caberá depois ao Parlamento
aprovar ou chumbar essa proposta.
Não se trata, como alguns dizem, de referendar a Vida. A
Vida humana é inviolável, por isso nem a Assembleia da República, nem o povo têm
legitimidade para legislar sobre ela. A Vida é um direito sobre o qual a lei
não pode dispor.
Infelizmente é mesmo isso que os deputados se propõem
fazer: aprovar uma lei que legaliza a morte de um doente quando este o pede. E
o referendo é por isso apenas um instrumento para travar esta lei.
A posição de que não se pode fazer
um referendo para travar a legalização da eutanásia lembra a posição dos
pacifistas que dizem que a guerra é sempre injusta. A guerra é má, mas se um exército
invade um país e começa a trucidar inocentes, então a guerra não só é um meio legítimo,
como é também uma obrigação para a defesa destes.
Negar o referendo poderá dar superioridade moral. Mas é a
superioridade moral de quem está disposto a pagar com a vida dos outros a sua
perfeição ideológica. É o farisaísmo do levita a caminho do templo, que não pára
para ajudar um ferido na estrada para não ficar impuro.
Também há quem tema o referendo por temer as consequências
da derrota. Sobretudo por temer que depois se torne mais difícil revogar uma
lei que foi aprovada pelo povo. Mas a verdade é que nenhuma lei fracturante foi
revogada no Parlamento português por uma maioria de direita. Aliás, não conheço
nenhuma lei fracturante que tenha sido revogada por um Parlamento por esse
mundo fora. Independentemente de ser uma lei aprovada por um tribunal, por um parlamento
ou em referendo, a verdade é que a experiência demonstra que as leis
fracturantes, uma vez aprovadas, dificilmente são revogadas. Por isso, este
argumento, por muito lícito que seja, baseia-se numa premissa nunca verificada:
que uma maioria conservadora há-de revogar essa lei. Basta olhar para Portugal,
para Espanha, para a Bélgica ou para a Holanda, para verificar que tal nunca
acontece.
Evidentemente, o referendo tem riscos. Mas não é apenas a
única possibilidade de travar esta lei, é também a única possibilidade de
retirar o debate da Assembleia da República e trazê-lo para a rua. A única
possibilidade de fazer uma campanha para esclarecer as consciências sobre o que
é a morte a pedido e as suas consequências. É a grande possibilidade de gritar
a verdade diante da mentira da “morte digna”.
E é essencial uma verdadeira campanha contra a eutanásia, não uma luta
táctica no Parlamento, com argumentos mais ou menos formais.
É fundamental voltar a afirmar sem rodeios que aquilo que
está em discussão na eutanásia é se a doença torna legal matar uma pessoa. É
essencial voltar a colocar a dignidade da Vida Humana no centro do debate público.
A grande probabilidade de a morte a pedido se tornar legal torna ainda mais
urgente que a sociedade participe neste processo.
Neste tema da morte a pedido não há uma escolha
inteiramente boa ou fácil. Podemos escolher entre deixar passar a lei na
Assembleia da República, com qualquer oposição a ser ignorada na comunicação
social, ou tentar trazer a luta para a rua com o referendo. Resumido: podemos
desistir ou continuar a lutar, mesmo que com baixa probabilidade de vitória. Eu
quero continuar a lutar, porque acredito que a Vida de cada um dos que for
vitima desta lei é um bem precioso pelo qual vale a pena ir à batalha. E por
isso apoio o referendo.