O parlamento português prepara-se para debater
quatro projectos de lei que pedem a despenalização da morte a pedido. A
legalização da eutanásia, como neste momento qualquer pessoa minimamente atenta
a este debate já saberá, não constava do programa eleitoral de nenhum dos
partidos, excepto do PAN, onde apenas se fazia referência a promover o debate
sobre o tema.
Contudo, se já todos sabemos que este tema não
constava do programa eleitoral dos partidos, falta fazer a pergunta seguinte:
como chegámos aqui? Porque razão vêm agora quatro partidos, à pressa, um ano
antes das eleições legislativas, tentar legalizar a morte a pedido? O que está
na origem desta iniciativa? O que mudou desde que os partidos não consideraram
o assunto suficiente relevante para ser colocado nos seus programas, até hoje,
quando consideram que tem de ser votado ainda mal os projectos chegaram ao
parlamento?
Houve alguma onda de médicos julgados por matarem
doentes a pedido? Ergueu-se uma multidão de doentes terminais a pedir a
eutanásia? Aconteceu algum grande levantamento popular a pedir que as pessoas
possam ser mortas quando estão doentes? Não. Não se conhece nem um caso de um
médico julgado por homicídio a pedido da vítima, não se conhecem casos públicos
de pessoas a pedir para morrer, não se conhece nenhum movimento popular de
relevo que reivindique tal medida.
Aparentemente tudo começou com uma petição popular
que reuniu oito mil assinaturas. O que merecendo todo o respeito sem qualquer
dúvida não é algo invulgar. Muito pelo contrário, invulgar é a Assembleia da
República dar tanta importância a uma petição e que daí nasçam quatro projectos
de lei. Pensemos por exemplo que a petição Toda a Vida tem Dignidade está no
parlamento há um ano e cinco meses e ainda não há data para ser debatida em
plenário, mesmo sabendo que o tema vai ser votado no dia 29 e que tem quase o
dobro das assinaturas da anteriormente referida!
Por isso a pergunta é: que tem de especial a
petição que pede a despenalização da morte a pedido para que justifique este
afã legislativo? Basta olharmos para o nome dos primeiros subscritores e
encontraremos a resposta. Para além das figuras públicas escolhidas para
publicitar a coisa, encontraremos lá o nome de várias personalidades políticas
(como Rui Rio e João Semedo) e vários deputados, como por exemplo José Manuel
Pureza, Isabel Moreira, Maria Antónia Almeida Santos, Alexandre Quintanilha ou
Paula Teixeira da Cruz.
Ou seja, na origem da petição cívica dirigida aos
deputados que deu origem ao processo legislativo estão deputados que sobre este
tema não só nada tinham nos seus programas eleitorais, como, sobre ele, nem uma
palavra disseram na campanha eleitoral. E contudo, passado um mês das eleições
legislativas, criaram um movimento "cívico" sobre a eutanásia.
Não se trata por isso apenas de uma falta de
legitimidade para legislar por o tema não ter sido discutido em campanha
eleitora. Estamos diante de um fraude aos eleitores: um grupo de deputados que usa
um meio de participação cívica para levantar o debate parlamentar sobre um tema
que não tiveram coragem de debater em campanha eleitoral.
Fica por isso a pergunta se o Partido Socialista e
o Partido Social Democrata estão dispostos a alinhar nesta fraude? Se estão
disposto a aprovar projectos de lei que nasceram de um "ardil" do
Bloco de Esquerda e da ala fracturante do PS, para poder aprovar a eutanásia
sem ter realmente que a debater publicamente?
Independente da posição de fundo de cada um sobre
a eutanásia (e a minha é de que a morte a pedido é um retrocesso civilizacional
que deve ser chumbada no parlamento) a rejeição dos projectos de lei que serão
votados dia 29 é antes de mais uma exigência do respeito pela Democracia
Parlamentar que não pode compactuar com truques políticos. Quem tudo fez para
não levar este tema aos eleitores não pode ser recompensado pelos dois partidos
que mais eleitores representam em Portugal.