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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

A crise na Venezuela, Bolsonaro, o PT e o perigo para a Democracia.




1 – Em Maio de 2017, após perder poder na Assembleia Nacional, Nicolas Maduro fez eleger uma Assembleia Constituinte com o único fim de retirar poder aos deputados e fortalecer os seus próprios poderes. Essa Constituinte não tinha qualquer justificação, a sua eleição foi boicotada pela oposição e não foi reconhecida pela maioria da comunidade internacional. Foi essa Assembleia, ilegítima, que marcou as eleições presidenciais de 2018. Essas eleições, mais uma vez, foram boicotadas pela oposição e não foram reconhecidas pela comunidade internacional, uma vez que a Constituinte não tinha legitimidade.

Maduro, indiferente a estes pormenores da legalidade, como já se tinha demonstrado indiferente ao pormenor do povo a morrer de fome, usurpou assim pela força a presidência da Venezuela. A Assembleia Nacional, único órgão legitimamente eleito, recusou-se aceitar a usurpação e, cumprindo a Constituição aprovada no tempo de Hugo Chavez, proclamou o seu presidente como Presidente Interino.

Na Venezuela não houve qualquer golpe de estado quando Juan Guiadó reclamou a presidência. Houve sim quando Maduro se fez eleger pela força presidente. Guaidó limitou-se a repor a normalidade constitucional.

Se durante anos, mesmo perante o desastre humanitário a que Chavez conduziu a Venezuela, mesmo diante das prisões políticas, mesmo com toda as evidências de que Nicola Maduro governava como um ditador, era possível a argumentação jurídica formal de que ele era o presidente legítimo da Venezuela, a verdade é que essa desculpa acabou em Dezembro de 2019. Maduro ocupa ilegalmente a presidência e usa o seu poder despoticamente para manter os seus privilégios e os dos seus comparsas a quem recompensa regiamente.

Acabaram-se assim as desculpas para os partidos que têm pretensões democráticas. A escolha agora, quer de facto quer formal, é entre um ditador e  o presidente constitucionalmente legítimo da Venezuela. Quem apoia Maduro, ou quem se mantém neutro demonstra que a ideologia fala mais alto do que a democracia.

2 – Em Outubro de 2018, sobre as eleições no Brasil, escrevi:

Bolsonaro, com todos os seus defeitos, tem sempre mostrado preferir as democracias às ditaduras. Já o PT prefere qualquer ditadura socialista às democracias capitalistas.

Resumindo, não estamos diante de um embate entre um fascista e um democrata corrupto. Estamos num embate entre um conservador autoritário e um corrupto autoritário. Nenhum me enche as medidas. Mas se tivesse que escolher, provavelmente escolhias o autoritário conservador que faz campanha em favor da ordem e da honestidade ao autoritário corrupto, que é pouco mais do que uma marioneta de um homem que continuamente procura dominar o poder para fugir à justiça.

A reacção do Brasil provou aquilo que disse em Outubro.

De um lado temos o presidente Bolsonaro, que foi dos primeiros a apoiar o presidente interino da Venezuela. Mais ainda, não o fez unilateralmente mas em conjuntos com vários estados americanos. Ou seja, o Brasil juntou-se as democracias americanas para apoiar a democracia na Venezuela.

Já o PT continua teimosamente a apoiar Maduro e a atacar Bolsonaro por este não o fazer. Nem o facto de o ditador venezuelano ter mandado incendiar ajuda humanitária enviada para ajudar os seus conterrâneos que morrem sem comida e sem remédios comoveu o PT.

Fica claro que se Haddad tivesse derrotado Bolsonaro o Brasil nunca se teria juntado às democracias ocidentais no apoio à Assembleia Nacional venezuelana. Pelo contrário, continuaria o seu apoio a Maduro. Ora sem o apoio do Brasil, que é maior potência regional, dificilmente Guiadó se teria arriscado a desafiar Maduro e os venezuelanos não teriam hoje a esperança de voltar a ver o seu país livre.

A verdade é que todos os nossos media explicaram que Bolsonaro era um perigo para a democracia e Haddad, por muito corrupto que fosse, o seu garante. Até agora só tivemos ocasião de ver o contrário.

Tal como em Outubro, continuo sem ser fã de Bolsonaro. Mas entre ele, que tem trabalhado para o regresso da democracia na Venezuela e o PT que não hesita em apoiar um ditador que usurpou o poder, não tenho dúvida sobre quem prefiro.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Li com atenção o especial do Observador sobre os abusos sexuais de menores por sacerdotes. Embora nenhuma história fosse nova ou desconhecida, relembra-las não pode deixar de nos causar uma sensação de dor e angustia.

Como é possível um adulto abusar de uma criança? Como é possível um sacerdote trair de tal maneira a sua vocação, que usa o seu ministério, a autoridade que ele lhe dá, para abusar de alguém de quem era suposto cuidar?

E aqui não há números ou estatísticas que valham: um só caso já era gravíssimo. Aquelas nove crianças não são um número, cada um é uma pessoa cuja vida foi ferida no que tem de mais íntimo. Diante disto a Igreja só tem uma coisa a fazer: pedir perdão e, sobretudo, fazer tudo para garantir que estes casos não se repetem.

O especial do Observador teve o mérito de demonstrar a verdadeira dimensão do abuso sexual de menores por sacerdotes em Portugal. Ao fim de três meses de investigação, de milhares de quilómetros percorridos, depois de ouvir dezenas de testemunhos, depois de uma semana a pedir denúncias sobre o assunto no fim de todas as notícias e artigos, ficamos a saber que desde 2001 são conhecidos quatro casos de abusos de menores em Portugal por parte de sacerdotes.

Não há por isso indícios que esta praga seja sistémica em Portugal. Estes casos, sendo cada um uma tragédia e uma vergonha, são, aparentemente, casos isolados. Isto não deve evidentemente eximir a nossa hierarquia da responsabilidade de garantir que casos destes não voltam a acontecer.

Contudo, também não justifica a suspeita levantada quando se afirma “A estes dados juntar-se-ão ainda casos que acabaram arquivados sem provas. E os outros números que nunca serão totalmente conhecidos: os daquelas vítimas que não ousaram partilhar com alguém aquilo que sofreram, ou que partilharam e viram os seus casos encobertos, sendo aconselhadas a manterem-se em silêncio.”. Se ao fim de três meses de investigação não foi encontrado nem um caso desses, então levantar a suspeita de que haverá por aí sacerdotes abusadores que nunca foram denunciados é alimentar uma calúnia que os factos revelados pela reportagem não sustentam. No fundo o que o jornalista está a afirmar é que tem a certeza que os casos existem, mesmo que ele não seja capaz de os descobrir.

Por outro lado a reportagem do Observador também demonstra que não há indícios de que a hierarquia portuguesa tenha tentado branquear estes acontecimentos.

Evidentemente que é possível apontar falhas ao comportamento da hierarquia, sobretudo com o dom dos profetas que escrevem depois das investigações terem sido feitas. Por exemplo no caso do sacerdote da diocese da Guarda que não avisou imediatamente o seu bispo das acusações dos jovens do seminário. Ou quando o bispo de Santarém, para cumprir a vontade da família, não avisou as autoridades civis. Contudo, nos quatro casos relatados, a hierarquia colaborou com as autoridades e tomou medidas internas contra os abusadores. Mas daí a afirmar que os bispos esconderam estes casos, e sobretudo, daí a insinuar que haverá mais casos que a Igreja escondeu, como faz a reportagem final deste especial, é mais uma vez substituir os factos narrados pela calúnia.

O abuso sexual de menores é um tema gravíssimo, mais grave ainda quando os abusadores são sacerdotes. Os abusos devem ser denunciados e a única preocupação de quem tenha conhecimento de tais casos deve ser as vítimas. Por isso, quando tratado pelos jornalistas deve-o ser com especial cuidado e atenção, para garantir que a tentação do escândalo não substituiu o bom propósito de dar voz às vítimas. E deve-se garantir que a dor das vítimas não é usado para fins de propaganda. Infelizmente, foi o que aconteceu.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Os abusos de menores e a campanha do Observador.




O especial publicado pelo Observador esta semana, sobre o abuso sexual de menores por sacerdotes, não pode, antes de qualquer outra consideração, deixar de causar dor e repulsa. Dor por aquelas crianças cuja infância foi violentada por um adulto. E por um adulto que era sacerdote, que devia ser como um pai, que devia ser a imagem de Jesus nas suas vidas. Pensar naquilo pelo qual aquelas crianças passaram às mãos de um padre só nos pode fazer chorar de vergonha. E repulsa, repulsa por um adulto que abusa assim de um menor, por um cristão que se entrega de tal modo à luxúria que é capaz de usar uma criança, repulsa por um sacerdote que trai desta maneira as suas promessas e a sua vocação. Um sacerdote que tem como vocação servir a Cristo, mas que faz a obra do diabo.

E nenhum número, nenhuma estatística atenua ou apaga a vergonha e a dor destes abusos. Porque cada caso significa uma criança cuja vida foi ferida em duas das dimensões mais intimas do homem: a sexualidade e a fé. Pior, o abusador usa a fé daquela criança para o abusar! Um caso já seria demais.

Dito isto, é inaceitável aquilo que o Observador fez. Anunciou uma grande investigação sobre abusos sexuais a menores por sacerdotes, esteve uma semana a pedir denúncias no fim de todas as páginas do site, insinuou que havia muitos casos por contar, comparou-se ao Boston Globe e aos jornalistas que denunciaram grandes casos de abusos em vários países, para depois de facto publicar quatro casos que já eram públicos e que já tinham sido todos noticiados!

Ou seja, o resumo de quatro meses e meio de investigação dos jornalistas do Observador é contar casos que já eram públicos. Mas o pior foi que, não tendo sido capaz de facto de encontrar nenhum caso para além deste os jornalistas, decidem então declarar:

“A estes dados juntar-se-ão ainda casos que acabaram arquivados sem provas. E os outros números que nunca serão totalmente conhecidos: os daquelas vítimas que não ousaram partilhar com alguém aquilo que sofreram, ou que partilharam e viram os seus casos encobertos, sendo aconselhadas a manterem-se em silêncio.”

Ou seja, não há factos, mas o jornalista tem a convicção que há mais casos e por isso afirma-o, sem qualquer problema em lançar a calúnia (uma vez que não apresenta nada que substancie tal afirmação) que há casos de encobrimento de abuso de menores!!

Ficamos por isso a saber que o Observador dedicou quatro meses a uma investigação, que só conseguiu descobrir o que era público, mas mesmo assim afirma que há mais casos. Sem qualquer necessidade de provar tão graves alegações.

É preciso não confundir. O Boston Globe, quando denunciou os casos de abusos de menores nos EUA trouxe à luz uma teia de padres abusadores que foram protegidos pelos seus bispos. Foi doloroso para a Igreja, mas a culpa não é dos jornalistas, mas dos padres e bispos que traíram os seus votos. O Boston Globe prestou um serviço à Igreja, ao trazer tal porcaria para a luz, permitindo assim que a Igreja americana se purificasse.

Comparar isto a quatro histórias requentadas, maquilhadas com grafismo inovador, seguido de insinuações e calúnias é uma ofensa ao jornalismo. Mas é sobretudo uma ofensa às vítimas dos abusos que vêm assim as suas histórias novamente nos jornais sem nenhum outro fim que não seja o de ganhar audiências.

Se o Observador conhece casos de abusos de menores por parte de sacerdotes que não sejam públicos tem a obrigação de os revelar. Se o Observador conhece casos onde a hierarquia da Igreja tentou encobrir abusos de menores tem a obrigação de os revelar. Agora, se ao fim de quatro meses de investigação não encontrou nenhum caso para além daqueles que são públicos, então também tem a obrigação de reconhecer que tudo indica que em Portugal não é sistémico o abuso de menores por sacerdotes nem há uma conspiração da hierarquia para abafar tais casos.

Infelizmente o especial do Observador pareceu ser imune aos factos que relata. Aparentemente o drama daquelas nove crianças serviu apenas como pano de fundo para poder lançar insinuações e calúnias. Por muito grafismo bonito, por muitas cronologias, por muitos mapas que o Observador use, a verdade é que tudo espremido o grande especial do jornal limita-se a juntar histórias públicas de abusos de menores com insinuações numa tentativa de fabricar uma polémica viral. O estratagema até pode funcionar a curto prazo. A longo prazo, significa apenas mais um prego no caixão do jornalismo de referência.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Mário Machado e Mamadou Ba: a mesma luta contra a história de Portugal!




A Península Ibérica é habitada há milhares de anos. Antes de surgir Portugal passaram por cá iberos, celtas, gregos, fenícios, cartagineses, romanos (que sendo um império culturalmente homogéneo eram etnicamente bastante heterogéneos), vândalos, suevos, alanos, visigodos e por fim árabes.

Quando Dom Afonso Henriques, uma mistura de borgonhês e leonês, se lançou na reconquista, fê-lo na companhia de galegos, dos senhores de entre Douro e Minho, dos cavaleiros vilões de Coimbra, dos cruzados flamencos, ingleses, normandos e templários de toda a Europa. O reino de Portugal foi construído com moçárabes, judeus e muçulmanos e com o grande auxílio dos monges de Cister, também eles provenientes de vários pontos da Europa.

E se nos séculos seguintes Portugal foi sempre porto para toda a Europa, fazendo a ligação entre o Mediterrâneo e o norte do continente, com os descobrimentos o nosso país espalhou-se pelo mundo.

O Império foi construído não apenas pela força das armas, mas muito também graças à envagelização, à diplomacia e ao comércio. E assim Portugal iniciou uma relação de cinco séculos com África, com a Índia, com o extremo Oriente e com o Brasil. Ainda hoje podemos visitar os nossos monumentos um pouco por todo o mundo. 

Mas a relação com o resto do mundo não se resume à pedra morta, mas vive ainda hoje na cultura de vários países. Antes de mais na língua portuguesa, falada em cinco continentes. Mas também em tantos outros pormenores, da gastronomia ao futebol (basta relembrar as celebrações pela conquista do Euro 16 em Timor).

Assim como Portugal se espalhou pelo mundo, também o mundo veio até Portugal. Por isso nos podemos orgulhar de Coluna ou de Eusébio. Por isso cantamos com Caetano e Cesária Évora. Por isso lemos com comoção Mia Couto e Vinícius.

Evidentemente esta nossa relação com o mundo nem sempre foi pacífica. Muitas vezes errámos, usámos violência quando não devíamos, roubámos o que não era nosso. Como qualquer outro povo, também nós temos a nossa quota-parte de misérias. Mas a verdade é que a nossa história é fruto de um cruzamento de povos e culturas. Portugal partilha a sua história com Angola, Brasil, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor, Índia e China, assim como com tantos outros países onde a presença portuguesa se fez sentir, como a Tailândia, o Japão ou o Sri Lanka. 

Por tudo isto é absurdo qualquer tentativa de fazer do racismo um valor do patriotismo. Se o racismo é sempre absurdo, é-o ainda mais quando se tenta basear na defesa da cultura portuguesa. Porque o racismo é a antítese da nossa cultura, é o contrário daquela cultura que permitiu a um pequeno país como o nosso ter um império mundial. Não foi só com europeus branquinhos que Portugal manteve a sua presença no mundo. Foi também com portugueses africanos, índios, goeses, chineses e de tantos outros povos asiáticos, unidos a Portugal pela Fé. 

Dizer a um negro em Portugal “volta para a tua terra” é absurdo. Não apenas pela grande probabilidade de ele ser nado e criado em Portugal, mas porque mesmo que não seja, é muito provável que pertença a um desses povos que partilham connosco 500 anos de história. Por isso Portugal também é terra de tantos negros que habitam os bairros sociais e que nos últimos dias têm sido alvo de insultos torpes por causa de meia dúzia de bandidos. Eu tenho mais em comum com um cabo-verdiano do que com um alemão!

Por outro lado, tentar fazer passar Portugal como um país racista é absurdo. Por tudo o que já foi dito acima, é evidente que o nosso país não é racista. Aliás, o nosso país tornou-se grande precisamente por não o ser! Quer isto dizer que não há racismo em Portugal? Claro que há! Cá temos tudo, do bom e do mau. Incluindo racistas. Mas tentar reduzir problemas sociais graves, como a integração dos habitantes de bairros sociais, a uma luta racial versão marxista é falso e perigoso. Perigoso porque, à custa de tanto repetir a cassete do racismo, acaba mesmo por gerar problemas raciais.

Aliás, o racismo de Mário Machado e o anti-racismo de Mamadou Ba são duas faces da mesma moeda. Quando um negro é apanhado num crime ambos dizem a mesma coisa “é porque é negro”. No caso de Mário Machado diz para acusar os negros de serem criminosos, no Caso de Mamadou Ba para explicar que os negros são oprimidos. Mas no fundo ambos reduzem as pessoas à sua etnia.

Portugal tem problemas graves de pobreza e, sobretudo, tem problemas graves de integração social. Somos dos países da Europa onde é mais difícil aos pobres ascender socialmente. Na área metropolitana de Lisboa continuam a abundar bairros pobres, onde o crime impera, com escolas degradadas e onde os habitantes vivem em condições desumanas. Isto nada tem de racismo, é apenas sinal do falhanço do Estado relativamente aos mais pobres. Reduzir este problema a polícias vs habitantes dos bairros sociais ou brancos vs negros é passar ao lado do grande problema. 

Não temos um problema racial, temos um grave problema social. Em vez de perdermos tempo com debates imaginários, ou com personagens pouco recomendáveis, seria melhor começar de facto a tentar encontrar soluções para os problemas reais.

domingo, 3 de fevereiro de 2019

“Toda a Vida tem Dignidade”: finalmente o debate. - Observador, 3/2/19

No dia 25 de Janeiro de 2017 deu entrada na Assembleia da República a petição “Toda a Vida tem Dignidade” (TVTD), assinada por 14.196 eleitores portugueses (mais de três vezes o número necessário para ser debatida em plenário da AR). Para o leitor mais esquecido, e uma vez que já se passaram dois anos desde a entrega da mesma, esta petição pedia aos deputados que rejeitassem a eutanásia, tomassem medidas para apoiar os idosos e incapacitados, recomendassem ao governo o aumento da rede de cuidados paliativos e continuados e que legislassem no sentido de proteger a inviolabilidade da vida humana.

Hoje, passados dois anos e 5 dias, quase um ano depois da última audição, 7 meses e 1 dias depois do chumbo da eutanásia no parlamento, a petição TVTD vai finalmente ser debatida no plenário da AR.
Só para termo de comparação convém relembrar que a petição que pedia a legalização da morte a pedido, com pouco mais de oito mil assinaturas, demorou apenas dez meses desde que foi entregue até ser debatida em plenário.

Bem sei que a petição TVTD, ao contrário da tal outra petição, não foi organizada por nenhum partido, não contava com a assinatura de vários deputados (que sem se perceber porquê pediam a si mesmos para legislar o que mais tarde vieram a propor), nem tinha entre os seus primeiros signatários apresentadores de televisão, comentadores desportivos, cantores vários nem supostos jornalistas que no fundo são politiqueiros profissionais. De facto, a petição TVTD era realmente uma petição da sociedade civil, promovida por um grupo cívico e que contou “apenas” com o apoio de muitos médicos, enfermeiros, juristas, assim como milhares de cidadãos comuns.

Se é compreensível que a comunicação social dê mais atenção a uma petição recheada de famosos, já não se compreende que o parlamento trate de maneira tão díspar duas petições sobre o mesmo tema. Sobretudo quanto trata pior aquela que recolheu mais apoio popular.

Pergunto-me se esta diferença de tratamento se deve ao facto de, no grupo de trabalho que analisou as petições estarem vários signatários da petição a favor da eutanásia. Espero que não, porque não acredito que deputados dêem tratamento diferente aos cidadãos peticionários conforme concordem ou não com eles!

Mas passando à frente este pequeno pormenor (infelizmente o desrespeito do parlamento pelas petições não é novo, especialmente quando se trata de movimentos cívicos de defesa da vida) fica a pergunta: ainda vale a pena debater esta petição, sete meses após o debate e chumbo das propostas de legalização da eutanásia? E a resposta é claramente sim.

Sim antes de mais porque a petição não se esgotava no pedido de rejeição da eutanásia. Pedia mais: pedia respeito pela inviolabilidade da vida humana, pedia apoio aos idosos e incapacitados, pedia mais e melhores cuidados paliativos. E se é verdade que a proposta do CDS sobre os direitos dos doentes em fim de vida já veio ao encontro de alguns destes pedidos, ainda falta fazer muito mais.
Não podemos continuar a afirmar que a vida humana é inviolável quando há idosos e doentes incapacitados que morrem sozinhos em suas casas. Não é possível proclamar que o nosso país está baseado na dignidade da pessoa humana quando não temos uma rede de cuidados paliativos e continuados capaz de responder às necessidades da população. Não vale a pena continuar a falar de Estado Social quando as famílias não têm qualquer apoio para cuidar dos seus que mais precisam. Todos estes temas estiveram na ribalta enquanto se debateu a eutanásia, mas infelizmente voltaram ao esquecimento assim que as propostas de legalização da mesma foram chumbadas. Só por isto já era essencial o debate desta petição.

Mas convém também relembrar que, infelizmente, o tema da eutanásia não acabou. Aliás, no mesmo dia em que a sua legalização foi chumbada os deputados que a propuseram afirmavam que haviam de levar o assunto ao parlamento tantas vezes quantas as necessárias para a sua aprovação, demonstrado assim o seu respeito pela democracia.

Infelizmente nada que cause espanto uma vez que tem sido o método da esquerda em todas as causas fracturantes: votar, votar, votar até que o resultado seja do seu agrado. A seguir a causa passa a direito adquirido e nunca mais ninguém pode ousar debatê-lo.

Por isso é importante relembrar aos deputados que há um povo que rejeita a eutanásia. Relembrar esta petição que deu origem a dezenas de conferências e encontros por todo o país; que deu origem a dezenas e dezenas de artigos; que deu origem a milhares e milhares de mensagens electrónicas enviadas aos deputados; que deu origem a vigílias em Portugal e no estrangeiro; que deu origem à grande manifestação de 29 de Maio de 2018; que deu origem ao grito popular que levou os deputados a escolherem a vida e a rejeitar a eutanásia.

Haverá sem dúvida quem pergunte que sentido faz debater esta petição depois dos projectos de legalização da morte a pedido terem sido chumbados. E a resposta é clara: para que não nos esqueçamos de todos aqueles que em Portugal sofrem sem ter quem os apoie, para pedir à Assembleia da República que oiça a voz daqueles que querem uma sociedade que cuida, não mata.
Porta-voz da petição “Toda a Vida tem Dignidade”