Todos as mensagens anteriores a 7 de Janeiro de 2015 foram originalmente publicadas em www.samuraisdecristo.blogspot.com

terça-feira, 25 de novembro de 2025

25 de Novembro: o erro da Direita

 


Confesso que não partilho do mesmo entusiasmo dos partidos da Direita com o 25 de Novembro. Parece-me que, na ânsia de encontrar uma data política só sua, atribuem ao dia um significado que os factos não sustentam.

Afirmar que foi a 25 de Novembro que passámos a ter realmente uma democracia é esticar a realidade. É evidente que nesse dia se pôs travão ao PREC, e que isso foi essencial. Mas não podemos esquecer que continuámos a ter o Conselho da Revolução, que os saneamentos, as ocupações e as nacionalizações não foram revertidos, e que ainda demoraria pelo menos uma década até termos uma democracia europeia.

Não quero com isto desmerecer o heróico esforço dos militares que nesse dia travaram a extrema-esquerda e conseguiram devolver alguma normalidade ao país. Nem a coragem dos políticos que, mesmo apesar das ameaças de morte, se bateram pela democracia. Mas, também por justiça para com eles, não vale a pena transformar o 25 de Novembro no que ele não foi.

A verdade, por muito chocante que isso possa ser, é que o grande vencedor do 25 de Novembro não foi a direita, nem o centro-esquerda, mas o Partido Comunista. Claro que Cunhal sonhou com a conquista do poder, e, tendo falhado a via eleitoral, não se importaria de o alcançar pela força. Mas percebeu rapidamente que não tinha as “espingardas” para tal. Portanto, deixou a extrema-esquerda sair à rua – que o preocupava mais do que a direita – e ser presa, permanecendo sossegado, garantindo que nada perdia do que já tinha alcançado.

Em Novembro de 1975, Cunhal já tinha tudo aquilo que o PC queria, excepto o poder absoluto, que não tinha forças para conquistar. Internacionalmente, tinha garantido que as províncias do Ultramar se tornariam satélites da União Soviética — uma política que conduziu a novas guerras e a milhares de mortos.

Internamente, tinha conseguido sanear inimigos políticos, garantir um património considerável para o partido, dominar os sindicatos, lançar, através da Reforma Agrária, bases profundas no Alentejo, dominar boa parte da comunicação social e infiltrar militantes comunistas nos ministérios e nos órgãos de justiça. Tudo isto permitiu que o PC garantisse uma influência social muitíssimo superior ao seu peso político — influência essa que ainda vai resistindo passados cinquenta anos, como se prova pelo facto de, apesar de ter apenas três deputados na Assembleia da República, se preparar para paralisar um país com uma greve geral em Dezembro.

Ou seja, Cunhal sonhou com um golpe de Estado – e não nos enganemos –, o facto de estar em minoria não significava que isso não fosse possível; afinal, 500 soldados em Lisboa tinham imposto a República a um país de seis milhões de pessoas. Mas garantiu que não perdia nada do que tinha ganho e ainda viu eliminada toda a concorrência à esquerda.

É evidente que as concessões feitas ao Partido Comunista, assim como aos militares, foram o que permitiu que, com o tempo, viessemos a ter uma democracia. E que a alternativa seria, se não uma guerra civil, pelo menos um período de enorme violência. Por isso, a paz, ainda que podre, alcançada a 25 de Novembro deve ser festejada — mas não deve ser transformada no que não é.

2. É possível afirmar que, mesmo assim, celebrar o 25 de Novembro com solenidade é útil para contrapor a narrativa da esquerda de que foram eles que construíram a democracia. No fundo, celebrar a data serviria como lembrete das loucuras do PREC e do preço que pagámos para conseguir ser uma verdadeira democracia. Compreendo o argumento, mas considero-o um erro, porque reforça a falsa narrativa da esquerda sobre o 25 de Abril.

Aquilo que começou por ser um golpe militar, motivado por razões internas de organização do exército, tornou-se, pela adesão do povo, numa revolução. No 25 de Abril participaram militares e populares de todos os quadrantes. A Revolução não foi de esquerda nem de direita, mas o grito de um povo que estava farto da guerra e do Estado Novo.

Na normal confusão que se seguiu, o Partido Comunista — de longe a realidade política mais bem organizada, e contando com o apoio da União Soviética — procurou tomar o poder. E entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro foram cometidas barbaridades, desde prisões políticas a saneamentos de pessoas sem qualquer ligação ao Estado Novo, que deixaram marcas no atraso social e económico do país até aos dias de hoje.

A esquerda, autora da esmagadora maioria desses actos, para justificar as suas acções, construiu uma narrativa que une o 25 de Abril à tentativa que se seguiu de construir uma ditadura de esquerda. Isto não só justifica o que fizeram, como torna qualquer ataque ao PREC num ataque ao 25 de Abril. A verdade é que a esquerda tomou de assalto a memória daquele dia, e a direita deixou.

Deixou porque teve medo de que, ao denunciar os abusos da esquerda, fosse colada ao anterior regime. Deixou porque receou que o povo que se tinha revoltado contra o PREC, sobretudo do Tejo para cima, visse o seu apoio ao 25 de Abril como um apoio ao processo revolucionário.

E isto foi um erro. Porque quem construiu a democracia não foi a extrema-esquerda, mas o centro, a esquerda e a direita. A democracia nada deve a Álvaro Cunhal, mas deve muito a Mário Soares, a Salgado Zenha, a Francisco Sá Carneiro, a Adelino Amaro da Costa, a Freitas do Amaral e a tantos outros. Foram eles que, partindo da revolução, construíram um país democrático, contra os que se queriam munir de uma qualquer legitimidade revolucionária para impor uma nova ditadura ao país.

E por isso a direita, mais do que insistir numa data própria — o 25 de Novembro —, deveria reclamar para si a memória histórica do 25 de Abril. Deveria recordar os homens e mulheres que resistiram à extrema-esquerda e, sendo fiéis ao espírito da revolução, construíram uma democracia.

Celebrar o 25 de Novembro como se fosse, de alguma forma, uma espécie de Revolução de Outubro da democracia, é não só uma mentira como também o reforço do mito da esquerda como herói da democracia.

Por isso, gostaria que a Direita parasse de cair na narrativa da Esquerda e reclamasse para si — e para o Partido Socialista, que tem demasiada vergonha da sua história — o papel essencial que tiveram na construção da democracia, não apenas no 25 de Novembro, mas desde o 25 de Abril.

 

domingo, 19 de outubro de 2025

Regressemos às origens da Europa

 




1. A islamização da Europa é, sem dúvida, uma ameaça. Hoje, vários países da Europa sentem já os perigos da islamização: bairros inteiros onde a autoridade do Estado não entra, onde reina a Sharia, ou seja, onde os direitos das mulheres não existem, nem as mais básicas liberdades.

É evidente que o Islão tem variadíssimas correntes, algumas das quais vivem em paz com a sociedade ocidental. Mas não é menos verdade de que há uma grande corrente do Islão que tem uma visão da sociedade, onde a lei civil está submetida à lei religiosa. E também não são poucos os que consideram a civilização ocidental como um inimigo, e que defendem o uso da violência para submeter os infiéis.

A Europa tem muita culpa neste crescendo da islamização. Não apenas pela evidentemente desastrosa política de portas abertas na imigração, mas também porque durante décadas, no seu desejo suicida de se livrar do cristianismo, escolheu o islamismo como aliado. Pensemos em coisas tão simples como a necessidade de assinalar publicamente qualquer festejo islâmico, enquanto se ignoram as festividades cristãs.

Em Portugal não temos o mesmo problema que o resto da Europa. Durante décadas a nossa comunidade islâmica era constituída maioritariamente por moçambicanos e guineenses. Ao contrário do que acontece, por exemplo, em França, por cá a nossa comunidade esteve sempre cultural e socialmente integrada.

Nos últimos anos, devido à política de portas abertas da imigração, esta realidade começou a mudar. Entraram em Portugal milhares de imigrantes muçulmanos de países que não têm qualquer relação connosco, e com uma visão muito mais extremista do Islão, que nada tem a ver com a comunidade islâmica que até então havia em Portugal.

É verdade que ainda não vivemos os mesmos problemas que vemos no resto da Europa, mas seria loucura ignorar os riscos que esta nova vaga de imigração coloca. Seria seguir o caminho da Alemanha, de França, da Bélgica, de Espanha e de vários outros países europeus.

2. Se é verdade que a islamização é um risco para a Europa, não é o único, nem sequer o mais grave. Porque a islamização não é a causa da decadência da nossa civilização, mas apenas uma das suas consequências.

O suicídio da Europa é fruto da negação do cristianismo, que é a sua origem. A Europa não é, geograficamente falando, um continente, mas apenas uma continuação da Ásia. O que separa a Europa da Ásia não são os Urais, nem o Bósforo, mas o cristianismo.

Foi o cristianismo que criou a cultura que uniu a Europa. O personalismo cristão está na origem dos Direitos Humanos, a Fé num Deus razoável está na origem da revolução científica.

Desde a Revolução Francesa, a Europa vive em guerra consigo mesma, procurando apagar qualquer traço da presença cristã. Este impulso já teve várias correntes, algumas vezes conflitantes entre si: liberalismo, marxismo, republicanismo laicista, nazismo, etc. Hoje revela-se, sobretudo, naquilo a que chamamos o wokismo.

O maior perigo que hoje enfrentamos na Europa é o ataque à liberdade que esta cultura procura impor. Esta mentalidade laicista, na sua actual versão, procura declarar que a sua ideologia é a Verdade, e que por isso qualquer tentativa de a negar é uma heresia.

Assistimos por toda a Europa a ataques constantes à Liberdade da Igreja, à liberdade de religião, de pensamento, de educação. Hoje, em boa parte da Europa, afirmar que um homem vestido de mulher é um homem, ou que a vida começa na concepção, ou até mesmo que nem todas as culturas são igualmente válidas, é visto como extremista, e, portanto, tendencialmente ilegal.

3. Quem criou o problema, não pode ser a solução. Por esse motivo é que, mesmo conhecendo os perigos do islamismo, recuso a utilização dos métodos do laicismo para enfrentar o problema.

A solução para a islamização da Europa não estará seguramente em dar ao Estado poder para declarar o que cada um pode vestir. Porque o Estado que declara que o uso da burca é uma submissão degradante da mulher à religião, é o mesmo que afirma que tem poder para decidir o que é um Homem e o que é uma Mulher.

Nós temos pouca memória, mas convinha lembrar que os mesmos ataques que foram ouvidos na Assembleia da República por causa da burca, são os que foram usados pelos políticos liberais para perseguir as congregações religiosas no século XIX.

Dirão que não há comparação entre o uso do hábito religioso e a burca, e eu concordo em absoluto. O problema é que o mesmo poder com que agora tantos cristãos se alinham para combater o extremismo islâmico, não concorda. E eu não estou disposto a entregar a Liberdade da Igreja ao bom senso desse poder. Seria saltar da frigideira para o fogo.

Significa isto que não devemos fazer nada quanto à ameaça do extremismo islâmico? Claro que não, há muitas coisas que podemos e devemos fazer. Restringir a imigração, fiscalizar mesquitas e madraças suspeitas de incentivar ao extremismo islâmico, expulsão dos estrangeiros que defendam o uso da violência contra os infiéis, proibir o financiamento de países conhecidos por apoiar o extremismo e o terrorismo islâmico, entre várias outras medidas.

Mas aquilo que não devemos, nem podemos fazer, é combater o extremismo islâmico usando a mesma mentalidade daqueles que hoje, por toda a Europa e no Ocidente em geral, procuram impor uma ditadura do pensamento único. Não estou disposto a sacrificar a minha liberdade de viver a Fé para combater este fenómeno.

4. Então qual é a solução? Como afirmei, na raiz do problema está a descristianização da Europa, pelo que a resposta é bastante evidente. O extremismo islâmico na Europa cresce no vazio cultural e espiritual em que vivemos.

O drama maior é que a Europa não tem nada a propor hoje que seja mais atraente que o fanatismo religioso. O que sobra hoje da cultura europeia? O consumismo, o hedonismo, o egoísmo e meia dúzia de frases feitas. Não é só o Islão que está mais extremista, é também a política. Os jovens procuram hoje desesperadamente algo que dê sentido à vida, para além do vazio da cultura moderna.

E a única resposta, a única resposta verdadeiramente Justa, verdadeiramente Bela, é Cristo.

Nos últimos dias, tenho visto um pouco por todo o lado a lista de países europeus que proibiram o uso da burca. E não posso deixar de me perguntar: e funcionou? Em algum desses países se travou a ascensão do islamismo radical? A resposta é bastante evidente: não.

Por isso, opor-me a leis tontas não significa não considerar a islamização da Europa uma ameaça. Significa simplesmente que não acredito que leis injustas e ineficazes resolvam o problema. Recuso-me a fazer o papel de idiota útil, que enche os pulmões contra o perigo islâmico, contra a cultura woke, e que depois abre caminho para outro qualquer tipo de opressão, que deseja, cheia de boa vontade, impor a sua visão do mundo a todos.

A única solução para a islamização da Europa, assim como para a cultura woke, é a recristianização. Isso não se faz através de projectos políticos e de poder, que no fundo acabam sempre vítimas da mesma mentalidade ideológica em que vivemos desde a queda da Bastilha.

O ponto fundamental para a recristianização da Europa é testemunhar Cristo vivo. Fazê-lo na sua vida pessoal, na sua vida social, na sua vida política. Não como projecto político, mas como desejo missionário. Foi assim há 1600 anos, quando Roma caiu, e um pequeno punhado de monges reconstruiu a Europa. Só poderá ser assim hoje, quando o novo império rui diante dos nossos olhos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Proibição da burca: uma lei inútil, perigosa e cobarde


 

Quem hoje andasse pelas redes sociais pensaria que havia em Portugal uma epidemia de mulheres de burca a assaltar bancos. Aparentemente, mulheres muçulmanas de rosto coberto são um enorme risco para a segurança, apesar de não haver qualquer dado que assim o indique.
A mim, por norma, incomoda-me que o Estado limite a liberdade pessoal, incluindo a liberdade de cada um se vestir como bem lhe apetece. Claro que percebo que todos os direitos têm os seus limites, e a liberdade de se vestir pode ceder diante do direito à segurança. Mas, para que isso aconteça, é preciso realmente estabelecer um grau sério de ameaça à segurança.


Há imensos comportamentos sociais que são potencialmente perigosos. E alguns são, de facto, origem de vários actos de violência — basta pensar no álcool, por exemplo, responsável por tantos actos de violência. Contudo, ninguém defende que se proíba o álcool. Nem o automóvel, uma das principais causas de morte em Portugal, nem as comidas gordurosas ou açucaradas. Então, por que razão o potencial risco da burca é suficiente para a sua proibição?

Claro que a segurança é apenas uma das desculpas — e a mais fácil de vender — para esta proibição. A outra é a defesa da dignidade das mulheres. Ainda hoje Rui Rocha, no Parlamento, ao bom estilo de um Abranhos ou de um Gouvarinho, explicou a missão civilizadora do Estado. A sagrada liberdade dita que tudo o que Rui Rocha acha indigno da condição feminina deve ser proibido.

Não falo, como é evidente, dos casos em que as mulheres são obrigadas pelos homens a usar burca. Isso já era ilegal (e acho encantadora a candura destas pessoas que não percebem que o homem que impede a mulher de sair de casa de cara descoberta irá simplesmente passar a impedir que ela saia de casa, agora que isso é proibido). Mas, para quem hoje aprovou esta lei, mesmo que a mulher escolha livremente esconder a cara, isso significa uma submissão inqualificável à religião, que um Estado civilizado não pode aceitar.

Pelos vistos, não viola a dignidade da mulher vender o seu corpo na internet. O corpo da mulher ser tratado como um qualquer pedaço de mercadoria é, para os nossos deputados, uma expressão da sua liberdade. Insuportável mesmo é que queiram andar de cara tapada! Espero pelo dia em que um grupo de homens, tão magnânimo como os que hoje defenderam a dignidade da mulher submetida à religião, decrete o fim do uso do soutien ou a obrigação do biquíni na praia — tudo, evidentemente, em nome da dignidade das mulheres!

Tudo isto seria cómico, se não fosse perigoso. Basta ler a exposição de motivos do projecto de lei, ou ouvir o discurso de Rui Rocha hoje no Parlamento, para perceber a ameaça que esta lei pode representar. Num tempo em que o valor mais ameaçado no Ocidente é a Liberdade, acho sempre perigoso que um Parlamento invoque o poder do Estado para restringir a Liberdade Religiosa. “Libertar as mulheres da religião” é uma frase que devia ser bem conhecida dos católicos portugueses — afinal, foi essa uma das justificações dos liberais para acabar com as congregações, e dos republicanos para acabar com a liberdade da Igreja.

Por fim, bem conheço o argumento da ameaça islâmica. E reparem que não tenho dúvida sobre ela. Ainda André Ventura andava a fazer teses sobre a ameaça que o securitarismo representava para a liberdade dos islâmicos, já eu escrevia sobre o tema (foi, aliás, o tema do meu primeiro artigo no meu primeiro blogue). O problema é que a maior ameaça do islamismo é a ameaça que representa às liberdades pessoais, sobretudo à liberdade religiosa. Imitar o pior do extremismo islâmico para o combater não me parece bom exemplo. Sim, o extremismo islâmico é uma ameaça, mas o extremismo laicista também o é, como o comprovam a República Espanhola, a URSS ou a Revolução Francesa.

Por tudo isso, esta lei hoje aprovada na Assembleia da República (e foi aprovada por toda a direita, pelo que a malta que gosta de dizer que eu só embirro com o Chega pode ficar sossegada) é ridícula e perigosa. Ridícula, porque trata um problema que não existe — ou seja, a suposta ameaça da burca. Perigosa, porque concede ao Estado o direito de decidir o que as mulheres podem ou não vestir, e decide como podem ou não as pessoas praticar a sua religião.

Por fim, é uma lei cobarde: forte com os fracos e fraca com os fortes — quem promove o extremismo islâmico. Cortar relações com o Catar ou a Arábia Saudita, dois dos maiores patrocinadores do terrorismo islâmico, nem pensar. Oprimir ainda mais mulheres oprimidas, não há problema. É uma lei que serve para mostrar serviço, para fingir que alguma coisa está a ser feita, para alimentar a populaça. Uma lei feita à medida, que irá afectar mulheres especialmente fragilizadas, não libertará nenhuma, não trará mais segurança, mas permitirá aos partidos de direita fingir que estão a fazer alguma coisa.


terça-feira, 16 de setembro de 2025

Dia 12: ou Moedas ou Leitão



Uma das coisas que me surpreendeu no debate entre os candidatos à Câmara Municipal de Lisboa foi a Alexandra Leitão pensar convictamente que os lisboetas não têm memória. A candidata da burguesia de esquerda parece achar que ninguém sabe que o PS governou Lisboa durante catorze anos.

Fala do Alojamento Local, como se não tivesse sido com Medina que este passou de 500 licenças para 9.500 (com Moedas diminuíram), fala da limpeza da cidade, como se a divisão de competências entre juntas e câmara (o maior entrave a uma solução camarária para a limpeza da cidade), não tivesse sido decidida pelo PS. Fala de equilíbrio entre carro e transportes públicos, como se o PS não tivesse seguido durante catorze anos a estratégia de perseguição aos carros privados, sem contudo melhorar os transportes públicos. Para Alexandra Leitão todos os problemas da cidade nasceram nos últimos quatro anos, mesmo sabendo que as medidas que Moedas conseguiu aprovar tiveram de contar com o apoio do PS, dado que este governava em minoria.
Mas o momento mais espantoso da noite foi mesmo ouvir Alexandra Leitão explicar que era preciso incluir os privados na resposta ao problema da habitação. Tal afirmação seria sempre assombrosa na boca de uma candidata que se apresenta pelo Bloco e pelo Livre. Mas na boca de Alexandra Leitão, parece apenas que está a gozar connosco.
Para quem não tem memória, a grande obra de Leitão enquanto secretária de Estado da Educação foi acabar com vários dos contratos de associação. Isto significou que centenas de crianças tiveram de ir estudar para escolas mais longe, com piores condições, e que vários colégios (alguns com décadas de serviço público) fecharam. Uma solução mais cara, menos eficaz, e prejudicial para as crianças, tudo isto por pura birra ideológica.
Por isso, ver Alexandra Leitão, cujo o maior feito político foi dar uma machadada na cooperação entre o Estado e escolas privadas, defender a necessidade de incluir os privados na resposta à crise de habitação, deixa claro que está disposta a dizer o que for preciso para ganhar a Câmara.
Dia 12 de Outubro é preciso ter claro uma coisa: na Câmara ganha quem tem mais um voto. Não há geringonças, coligações nem acordos, por um se ganha, por um se perde. Por isso, a escolha é entre a candidatura da esquerda burguesa, liderada pela orgulhosa estatista Alexandra Leitão, ou Carlos Moedas.
Eu votarei Moedas com convicção de que é a melhor escolha para a cidade, e que dificilmente encontraria uma melhor. Mas aqueles que não querem votar Moedas por uma qualquer embirração, tenham consciência que um voto no Chega é um voto em Alexandra Leitão. Um voto no ADN é um voto no Bloco. Um voto na Nova Direita é um voto no Livre.
Dia 12 a escolha em Lisboa é entre Carlos Moedas ou entregar Lisboa à extrema-esquerda. Cada um vote em consciência e depois viva com a consequência da escolha que fizer.

terça-feira, 26 de agosto de 2025

O Padre Gabriel e seus companheiros: luz na escuridão da Terra Santa

 


Gabriel Romanelli é um argentino de 64 anos, nascido em Rio Cuarto, na província de Córdoba. Em 1989 foi ordenado padre e desde então é missionário no Próximo Oriente. Calhou-lhe em sorte ser pároco da Igreja da Sagrada Família em Gaza durante esta sangrenta guerra.

O Padre Gabriel não é palestiniano, nem israelita, não é do Hamas, não é um político, nem sequer um soldado, é apenas um pároco, como centenas de milhares pelo mundo fora.

Em conjunto com outros padres do Instituto do Verbo Encarnado, quatro freiras da mesma congregação, e umas poucas Missionárias da Caridade (três a cinco, não se sabe bem), asseguram a presença católica na Faixa de Gaza. A eles juntam-se os padres e as freiras ortodoxos da Igreja de São Porfírio.

De há quase dois anos a esta parte a sua missão é acolher centenas de pessoas que não têm quem cuide delas. Crianças, idosos, mulheres, doentes, vítimas da guerra. Os mais pobres numa sociedade já de si pobre. Os últimos dos últimos, a quem o único socorro é destes missionários (há um padre e uma freira palestiniana, de resto, são todos estrangeiros).

Nos últimos dias o Governo de Israel anunciou a ocupação da cidade de Gaza, e mandou evacuar os civis, explicando, citando o Ministro da Defesa de Israel, que as portas do inferno iriam ser abertas. Claro que fugir da cidade de Gaza seria sempre complicado, dado que não há muito lado para onde fugir. Mas para os refugiados na Igreja da Sagrada Família, é simplesmente impossível.

Como afirmam o Patriarca Ortodoxo e o Patriarca Latino de Jerusalém, num comunicado conjunto, para estes “deixar a cidade de Gaza e procurar fugir para o Sul é o equivalente à pena de morte”. Por isso o Padre Gabriel, os seus irmãos padres, as freiras da sua congregação, assim como os padres e as freiras da Igreja de São Porfírio, decidiram ficar em Gaza. Irão ficar no meio das bombas, dos tiros, da morte e da destruição. Não abandonam o seu pequeno rebanho, de cristãos e muçulmanos, os seus doentes, as suas crianças, as suas mulheres e os seus velhinhos.

Dizem, pessoas mais sapientes que eu, que é inevitável que assim seja. Que Israel, que controla todas as fronteiras de Gaza, que controla cerca de três quartos do território, que controla a energia, a água, a comida, que já eliminou centenas de altas patentes do Hamas, precisa mesmo de bombardear e invadir uma cidade com centenas de milhares de civis para estar seguro. O sangue derramado não é suficiente para controlar os carniceiros do Hamas. E por isso, segundo essas pessoas tão sapientes, a morte daqueles miseráveis em São Porfírio e na Sagrada Família é o preço a pagar pelo 7 de Outubro. Claro que aquelas pessoas não têm qualquer culpa, mas o mundo, pelos vistos, é assim. E quem não concorda é, na melhor das hipóteses, um sonhador, na pior, antissemita.

E no meio dos carniceiros Hamas, nos seus exílios dourados no Kuwait, e do Governo Israelita nos seus bunkers em Telavive, dos activistas nos seus luxuosos veleiros que nunca chegarão a Gaza, ou em viagens pagas a Israel para verem essa grande democracia, está o Padre Gabriel, da Argentina, e os seus companheiros. Sem soldados, sem armas, sem bunkers, sem jornalistas. Ali ficam, dispostos, não a matar, mas a morrer, pelos que lhes foram confiados.

Por isso desculpem-me se me falta a paciência para retórica da treta, dos que me querem convencer que os terroristas do Hamas são um movimento de libertação, ou de que o Governo de Israel está só a defender-se. Ao ouvir falar do sofrimento daquela gente, só me vem à mente Clóvis: “se ao menos eu estivesse lá com os meus francos”. Mas já não há Clóvis, nem francos, nem ninguém que pareça realmente interessado em defender os inocentes. E sobretudo, já nenhuma nação se interessa pelo destino daqueles pobres cristãos de Gaza, perseguidos entre os perseguidos. Muitas vezes, nem os seus próprios irmãos na fé se importam, tão empenhados que estão a defender Israel.

Mas sei bem que se oferecessem ao Padre Gabriel todo um exército para atacar os seus inimigos, ele provavelmente recusaria. Provavelmente responderia como no Salmo: “o meu auxílio vem do Senhor que fez o Céu e a Terra. Não permitirá que vacilem os teus passos, não há de adormecer O que guarda Israel”. Nesta hora de trevas e dor, o testemunho daquele punhado de padres e freiras, que diante da morte, escolhem a Vida Eterna, é o raio de luz que pode vir a iluminar a escuridão que desce sobre a Terra de Jesus.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Dos castelos na areia e das marés


 

Chegámos à praia e a miúda, do alto dos seus quatro anos, declara que vai fazer um castelo. Indiferente à maré que vai subindo, pega na pá e no balde e lá vai tentando, com sucesso relativo. Por fim, lá me deixa ajudar, e lá sai um castelo. Mas agora, como é evidente, falta protegê-lo. Escava-se o fosso, um dos manos faz o muro e o pai dedica-se à tarefa impossível de tentar deter a maré.

De pá em punho, escavo trincheiras, levanto muros, faço canais, poços, tudo o que me lembro para deter o avanço inexorável da maré. A pequena cidade, com um castelo e um muro, conta já com duas trincheiras e vários bastiões, como qualquer cidade que se prepara para receber o invasor.

A luta é desigual, mas o muro e o castelo, assim como as torres exteriores, lá se vão aguentando, comigo a escavar de cada vez que o mar galga as trincheiras, para grande felicidade e orgulho dos meus filhos. Mas eu bem sei que nada mais há a fazer pela salvação da cidade, do que esperar que a maré pare de subir.

Claro que, inevitavelmente, nos cansámos da brincadeira, e o apelo das bolas de Berlim fala mais alto. Da minha cadeira, observo a maré a invadir, ligeiramente atrasada pelo que sobra das defesas arduamente construídas, aquela pequena cidade — um castelo e um muro — construída pelos miúdos. E tudo acaba com uma qualquer criança mimada, que, ao passar pelas ruínas da nossa orgulhosa civilização, destrói com gozo evidente aquilo que nós construímos, enquanto o pai lhe ralha de forma impotente.

Devo confessar que, enquanto cavava vezes sem conta nesse esforço inglório de tentar travar a maré, não pude deixar de pensar que havia algo de alegórico naquela pequena cidade, à mercê do mar, que, apesar de todos os meus esforços, só podia esperar a salvação com o mudar da maré.

Nós, cristãos, vivemos também hoje tempos assim, onde vamos fazendo o que é possível para salvar a cidade no alto da montanha, enquanto vemos uma maré inexorável a avançar. E também nós temos consciência de que os nossos esforços, por muito grandes que sejam, para pouco mais servem do que para atrasar a maré. Mas, embora saibamos que a salvação não depende de nós, temos a consolação de não depender do arbítrio da natureza, mas da Misericórdia d’Aquele que é Senhor do Tempo e da História. E, por isso, temos bastante mais esperança do que a que eu senti enquanto via o mar a avançar em direcção ao castelo de areia, enquanto saboreava a minha bola de Berlim, sentado numa velha cadeira de praia.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

A barbaridade tornou Israel no agressor



Que uma bomba caísse na Paróquia da Sagrada Família em Gaza era inevitável. Quando se faz chover bombas durante quase dois anos num território com o tamanho do Alentejo, era bastante expectável que uma lá fosse cair.

Mas a Igreja da Sagrada Família é apenas mais um dos alvos civis que Israel atingiu nestes quase dois anos de guerra. Mesmo descontando todo o exagero e mentiras do Hamas, a verdade é que o contínuo ataque a Gaza tem provocado milhares de vítimas inocentes. Pessoas pobres, desesperadas, reféns do Hamas, abandonadas pelos países árabes, bombardeadas por Israel.

Há muito tempo que qualquer proporcionalidade entre o horrendo ataque de 7 de Outubro e a resposta de Israel se perdeu. E não colhe o argumento de que o Hamas, podendo, faria pior. Porque o Hamas é um grupo terrorista e Israel é, supostamente, um Estado civilizado.

Não coloco em causa o direito de Israel a existir, nem o direito a defender-se. Não há qualquer dúvida de que o ataque de 7 de Outubro pode ser equiparado a um acto de guerra, pelo que era razoável uma resposta de Israel. Mas não existe um direito a ocupar território que não é seu, não há direito a terraplanar Gaza.

É evidente que o Hamas não tem qualquer problema em usar a população civil como escudo humano. Em usar caves de hospitais como bases, ou escolas como paióis. São um grupo terrorista. Cabe a Israel responder como um Estado que respeita o Direito Internacional. Não o faz. Responde como uma nação poderosa, capaz de punir todo um povo para impor a sua vontade.

O ataque à Paróquia da Sagrada Família, a única presença cristã em Gaza, que acolhe 600 pessoas, não é apenas um azar. É um símbolo da barbaridade da acção de Israel. Não alinho com a esquerda, que finge que Israel é uma potência imperialista e que, mais ou menos envergonhadamente, defende a sua destruição. Não acredito que haja um genocídio em Gaza. Não nego a selvajaria do 7 de Outubro, e não tenho dúvida de que o Hamas é um grupo terrorista que deve ser destruído.

Mas neste momento, o governo de Netanyahu tornou Israel numa potência militar agressora, que, para seguir a sua visão de um Grande Israel — do rio ao mar (a inversão do sonho esquerdista para a Palestina) —, não hesita em chacinar inocentes (o que é diferente de um genocídio). E, por isso, tem de ser travado.