Todos as mensagens anteriores a 7 de Janeiro de 2015 foram originalmente publicadas em www.samuraisdecristo.blogspot.com

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Intervenção no Faith's Night Out 2023 - Centro Congressos Lisboa, 25/02



Na minha pertença a Cristo e à Igreja, o encontro com o Padre João Seabra, que morreu em Junho do ano passado, foi o mais decisivo da minha vida.

No dia 12 de Novembro de 1978, em Santa-Isabel, na sua missa nova, o Padre João Seabra disse “O bom gosto do nosso mundo perguntará, escandalizado, se eu me considero então detentor da única verdade. E eu respondo que não. Não sou detentor da verdade. Mas sou detido por Ela. Não sou senhor da verdade, mas sou servo da Verdade”.

Este parece me um bom ponto de partida para a minha intervenção desta noite. Porque quando pedimos para levar a Verdade onde houver o erro, não estamos a pedir para nos afirmar-mos a nós mesmo, as nossa ideias, a nossa opinião.

Quando pedimos para levar a Verdade onde houver o erro, aquilo que pedimos é para levar Cristo, a Verdade feita carne, onde houver erro. E o primeiro lugar onde é preciso que a Verdade vença o erro é no meu coração.

Levar a Verdade onde houver o erro não é por isso um pretensão, ou uma arrogância. Pelo contrário, precisa de uma humilhação: a de me fazer servo dela! A de submeter as minhas pretensões, os meus impulsos, as minhas tentações, de submeter toda a minha pessoa ao serviço da Verdade.

Lembro-me quando fui ter com o padre João para lhe dizer que estava a pensar empenhar-me na política. Lembro-me bem de onde ele estava sentado, na cabeceira de uma mesa comprida na Sacristia Velha da Igreja da Encarnação (isto há mais de quinze anos)! Ele disse-me três coisas.

A primeira foi “lembra-te sempre que és cidadão dos céus e concidadãos do Santos”. Ao princípio estranhei, mas com o tempo tenho percebido que esta consciência é essencial para se estar na política. Porque sem o horizonte do céu é fácil ou ceder ao desespero, ou ceder ao poder.

Porque afirmar a Verdade diante do erro, sobretudo na política, não nos garante qualquer vitória, pelo contrário. E se é verdade que de vez enquanto lá conseguimos ganhar, não é menos verdade que os tempos não nos são favoráveis.

Acontece-me várias vezes, quando falo com alguém sobre as minha lutas políticas, perguntaram-me com ar desconfiado “mas tu achas que vão ganhar?” e a minha resposta, para algum choque do meus amigos, é sempre a mesma “tenho a certeza que vamos perder”.

Meu caros, eu sou católico, monárquico, miguelista, democrata-cristão, pró-vida e sportinguista! A derrota é quase inata em mim!

Mas a mim Deus não me pede que ganhe nada, nem sequer o céu, porque esse é Ele que o oferece. A única coisa que que Deus pede é que sejamos fiéis à Verdade que encontrámos. A vitória é Ele que a dá, quando e como entender. Como Nosso Senhor afirma: não digo estas coisas para vos atribular, Eu venci o mundo!

A consciência do céu é por isso essencial para nos mantermos fiéis à Verdade, diante da tentação do desespero ou do poder.

A seguir o Padre João perguntou-me se eu sabia qual era o dever de um católico na política. E eu, cheio de boa doutrina, respondi: servir bem comum. Ao que ele que me disse que eu estava errado. O dever de um católico na política é dar testemunho de Cristo. Como o dever de um católico que seja professor, ou advogado, ou médico. E explicou-me que a política era a forma mais elevada de caridade porque, se um professor é chamado a dar testemunho de Cristo diante dos seus alunos, e um médico diante dos seus doentes, um político é chamado a dar testemunho de Cristo diante de toda a sociedade.

Muitas vezes ouvimos falar da falta que fazem políticos católicos. Confesso que não concordo. Católico não é uma categoria política: temos os deputados LGBT, os deputados antirracismo, os deputados católicos! Não, a fé não é uma bandeira política.

O que falta é católicos que estejam empenhados na política. Ou seja, mulheres e homens para quem o encontro com Cristo é e tal forma totalizante, que estão dispostos a servi-lo na vida pública! Não com umas bandeiras ideológicas convenientes para capturar um nicho eleitoral, mas dispostos a empenhar-se seriamente na política, em todos os assuntos, tendo como critério a Verdade.

A última coisa que o Padre João me disse foi “tu na política segues a Isilda Pegado e o António Maria Pinheiro Torres”. Para quem não conhece estes meus dois amigos, são dois dos maiores protagonistas na defesa da Igreja e sobretudo da causa da Vida na política.

Ao princípio pensei que era apenas uma indicação prática, para alguém que estava a começar uma vida política. Com o tempo percebi que era muito mais do que isso.

É como Jesus nos ensina no Horto da Oliveiras: Pai, que eles sejam um só, como Tu e Eu somos um só, para que o mundo creia. Cristo faz-se presente na comunhão de um povo que é a Igreja. Na Ascensão Jesus não diz, onde tu estiveres, eu estarei também. Mas sim, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio vós.

É na comunhão entre os católicos que Jesus se faz presente. E isto é igualmente verdade na política. O meu esforço, mesmo que esteja certo e os outros errados, por si só é estéril. Porque em última instância é sinal apenas de mim mesmo.

A unidade com este amigos, não apenas o António e a Isilda, mas tantos outros que fui conhecendo, é sinal para o mundo da presença entre nós de Jesus, o único que torna possível vencer diferenças, zangas e irritações. Não é possível dar testemunho da verdade, sem a unidade.

E é assim, nesta amizade com estes meus amigos da Federação pela Vida, que há anos que a luta pela defesa da vida se mantém. A luta contra o aborto, pela família, pela liberdade de educação, contra eutanásia, é sustentada por esta amizade construída em Jesus. Não hesito em dizer que o povo da vida, que tanto tem feito nestes anos, nasce desta unidade!

O testemunho mais visível do povo da vida é sem dúvida a Caminhada pela Vida. Em dez cidades do país, são milhares os que saímos à rua para num tempo que afirma a cultura do descarte e da morte, dar testemunho público de que a Vida Humana é sagrada desde o momento da concepção até à morte natural. Quando falamos em levar a verdade onde houver o erro, a Caminhada pela Vida é um momento concreto para fazer carne este pedido.

Na vossa cadeira encontraram um flyers a convidar-vos para a Caminhada pela Vida, já no dia 18 de Março às 15h, no Largo Camões. Venham, convidem as vossas famílias, convidem os vossos amigos, avisem nas vossas paróquias, nos vossos movimentos!

Senhor fazei de mim um instrumento da Vossa paz, para que onde houver erro que eu leve a Verdade, pedimos nós na oração que serve de mote a esta noite. Dia 18 de Março às 15h no Largo Camões, cada um de nós tem a oportunidade para fazer esta oração com os nossos pés, caminhando em defesa da Vida. Estão todos convidados! Muito obrigado a todos, que Deus vos guarde!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Sobre o relatório dos abusos sexuais: algumas notas

 


 

1. As primeiras palavras sobre o relatório dos abusos de menores na Igreja não podem deixar de ser dor e vergonha. Independentemente das opiniões e até críticas que o relatório possa merecer, não é possível ficar indiferente aos relatos que ali estão. A verdade é que houve menores abusados na Igreja. E esses menores cresceram, para se tornar homens e mulheres profundamente marcados por esses abusos. E durante anos, às vezes décadas, carregaram sozinhos essa dor, não sentido da parte da Igreja o apoio necessário para enfrentar o crime de que eram vítimas.

E essa é talvez a culpa mais terrível da Igreja em tudo isto. Os sacerdotes da Igreja, assim como os seus colaboradores, são homens como todo os outros, e por isso pecadores como todos os outros. Também entre os católicos há criminosos horrendos. Pode-se fazer tudo o que for possível para prevenir os crimes na Igreja, mas não é possível controlar a liberdade humana que pode sempre escolher o mal. Mas a culpa terrível é que as crianças que foram abusadas não encontram na Igreja quem as apoiasse. Ou pelo menos, não acreditaram que pudessem ser ajudadas por quem pertencia à Igreja. E se assim é, alguma coisa teremos feito, para que aquelas pessoas abusadas e feridas no seu mais íntimo, não se sentissem acolhidas e protegidas. E isso não é apenas culpa dos abusadores, mas de todos os que pertencem à Igreja.

2. Quanto ao relatório em si, confesso que tenho alguma dificuldade com o método usado. A denúncia, sem investigação séria, sem contraditório, é muito facilmente manipulável. Por muito que nos pareça improvável que alguém invente um situação destas, a verdade é que não é impossível, nem sequer especialmente difícil fazê-lo. Para além disso, falamos muitas vezes de acontecimento com 40 ou 50 anos, sendo também fácil as confusões. Penso especialmente nos caos de insinuação, referidos no relatório, que a esta distância me parecem difíceis de avaliar.

Dito isto, percebo também que este era o único método possível de dar voz às vítimas. E este é talvez o maior mérito deste relatório: permitir a quem foi abusado na Igreja e nunca se sentiu escutado ou acompanhado, sê-lo. Na maior parte dos casos era impossível uma investigação judicial (veja-se que a maior parte dos casos enviados ao Ministério Público não chegou a ser investigado). E a verdade é que a comissão não revelou nomes, enviou-os à CEP que poderá agora investigar devidamente, seguindo as devidas regras processuais. A alternativa a este método era criar um sistema de tal forma rígido que se tornaria inviável. Por isso, continuando a não gostar do método, percebo que era o possível para permitir às vitimas de abusos na Igreja denunciar o que lhes aconteceu.

3. Os números apresentados pelo relatório são talvez a parte mais problemática. O relatório é de facto útil para compreender melhor o fenómeno dos abusos na Igreja, mas o método usado torna os número pouco fiáveis. Não digo que sejam poucos ou muitos. Por um lado, estimativas baseadas nos relatos das denúncias (que dão os quase cinco mil casos falados), não me parece fiável. Por outro, com certeza que nestes cinquenta anos houve pessoas abusadas que morreram sem que se soubesse do horror que tinham sido vítimas, haverá vitimas que não quiserem voltar a reviver o abuso, ou simplesmente que não acreditasse que valesse a pena denunciar. Por isso o número avançado pode pecar por defeito ou por excesso e dificilmente haverá forma de o confirmar.

Tenho ouvido muitas pessoas declarar que isto é apenas a ponta do iceberg, que haverá muito mais casos do que aqueles que foram revelados. É um palpite como outro qualquer. Eu não me arrisco a dizer se são mais ou menos: os que foram, foram demais e tudo temos que fazer para que não se repitam.

4. Enquadrar os abusos na Igreja no seu contexto histórico e social, não é apenas justo, é também importante para conseguir compreender melhor como evitá-los. Não se trata de desculpabilizar, nem de menorizar o problema, mas sim de entender melhor. Mas é fácil passar desta contextualização para uma comparação: aconteceu em todo o lado, na Igreja até acontece menos, é um problema transversal. E se todas estas afirmações são verdadeiras, a mim não me confortam nada. Sim é verdade que os abusos de menores não são um exclusivo na Igreja, nem há uma especial incidência destes comportamentos na Igreja. Também é verdade que muitos destes casos “encaixam” na mesma dinâmica de outros casos de abusos de menores. Mas a Igreja tem o dever de ser melhor. Sim, somos todos pecadores, mas isso não nos desobriga da obrigação de procurar ser santos. Por isso para mim um abuso na Igreja é bastante mais grave do que noutras realidades.

5. Por fim, um último apontamento: uma das informações mais interessantes do relatório é o facto de a grande maioria dos denunciantes nunca ter feito qualquer queixa do abuso de que foi vítima. Para muitos, este relatório foi a primeira vez que falaram do tema. Evidentemente que isto não impede que tenha havido em alguns casos negligência da parte dos responsáveis da Igreja. Mas não encontramos qualquer indicação da suposta teia de encobrimento que tantos apregoam. A hierarquia podia e devia ter feito mais e melhor, mas a teoria de um grupo de criminosos a abafar crimes continua sem encontrar qualquer sustento factual.

 

 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

No país esquecido, sobra a igreja


 

Portugal é um país cada vez mais deserto. Por todo o país existem vilas e aldeias onde já quase nada há, a não ser um conjunto de pessoas que vão envelhecendo. Os centros de saúde e os hospitais, as esquadras, os tribunais, as escolas, os correios, os bancos, os serviços públicos em geral, vão se tornando cada vez mais distantes, deixando, para quem vive fora das cidades, uma qualquer máquina automática e uma suposta digitalização, que a população envelhecida dessas terras não compreende.

A única realidade que se mantém presente em todo o país, muitas vezes com dificuldades e recorrendo a alguma originalidade, é a Igreja. Em quase todas as aldeias de Portugal, por muito longínquas e desertas que estejam, lá está a Paróquia. E sabe Deus quantas vezes essa paróquia é acompanhada pelos únicos serviços sociais que a população têm acesso: um centro de dia, um agrupamento de escuteiros, os Vicentinos, e tantas outras realidades que se tornam a única vida social no país profundo.

Uma vez visitei um sacerdote amigo meu, de Trás-os-Montes, que tinha ao seu cuidado nada menos do que catorze paróquias. Lembro-me bem de o acompanhar a uma missa que celebrava semanalmente ás 7h ou às 8h da manhã: uma Igreja escura, gelada, mas lá estava ele a celebrar para meia dúzia de velhotes.

Mas não é apenas nesse Portugal esquecido que a Igreja é a única presença social. Em quantos bairros das grandes cidades, esquecidos pelo poder (assim como assim é quase tudo pessoas sem direito a voto), a Igreja está presente? Penso nas Missionárias da Caridade em Chela, nos meus amigos de Comunhão e Libertação no Casalinho da Ajuda, nos Franciscanos do Bairro Padre Cruz, e tantos outras realidade em tantos outros bairros.

A obra educativa e social da Igreja em Portugal não tem qualquer paralelo. São milhares de escolas, de lares, de centros sociais, de obras de caridade, que diariamente acolhem, educam, alimentam, vestem, cuidam daqueles a quem o Estado a e sociedade não chegam. Obras que vivem da vida oferecida de consagrados e leigos, e também da generosidade do Povo de Deus. Porque mesmo aquelas obras que são IPSS só conseguem sobreviver com a generosidade desse povo.

A Igreja permanece hoje, como desde o princípio da nacionalidade, como a única realidade social presente em todos os recantos do país. Também por isso é tantas vezes guardiã da cultura e da arte do nosso povo. As nossas festas populares estão sempre ligadas à devoção. E por isso de norte a sul a fé do povo vai mantendo vivas as nossas tradições.

E o fruto dessa devoção, das tradições seculares, vê-se no património religioso. Desde as catedrais às humildes capelas perdidas no meio do nada, são milhares de obras de arte que espelham uma vida de fé milenar. Num país onde o património do Estado vai ruindo, a fé do povo vai mantendo vivo um património de valor incalculável.

Todo este esforço da Igreja, se fazer presente, de servir o próximo, de conservar as tradições, de cuidar do património, tem como fim a salvação das almas. A missão da Igreja não é ser uma ONG, ou animador cultural, nem restauradora de património, mas anunciar Cristo. Mas o fruto deste trabalho é que a Igreja tem em Portugal um papel social incomparável.

Imagine-se o que seria o nosso país sem as obras sociais da Igreja, sem a suas escolas, sem as festas religiosas, sem os cruzeiros, as capelas, os santuários, as igrejas, as basílicas e as catedrais. Quantos ficariam sem tecto? Quando passariam fome? Quantos ficariam sozinhos na sua doença?  Quantas famílias não teriam quem cuidasse das suas crianças, dos seus deficientes, dos seus idosos? Quantas terras ficariam sem as suas festas? Quantas cidades perderiam o seu património mais valioso?

Muitas vezes se fala do suposto apoio do Estado à Igreja, tantas vezes mentido e deturpando. Mas era bom termos a consciência de que o Estado precisa bastante mais da Igreja, do que a Igreja do Estado. A Igreja existe há dois mil anos, e viveu nas catacumbas de Roma e nas Catedrais de França, na Polónia comunista e na Europa medieval, sempre sem perder a Fé.  O Estado é que, incapaz de socorrer os mais desvalidos, incapaz de se fazer presente no país profundo, incapaz de manter o seu património cultural, depende da Igreja e do seu povo.

Eu também espero que não se gaste mal dinheiro na Jornada Mundial da Juventude. E também acredito na separação entre a Igreja e o Estado. (sobretudo porque acredito na liberdade da Igreja em relação ao poder). Mas não esqueço que existe um país real, para lá da bolha das redes sociais, um país pobre e abandonado pelo poder. E nesse país esquecido não estão os opinadores, os políticos, os “comediantes”, nem sequer o Estado. Nesse país só está a Igreja.