Excerto da homília do Padre João Seabra de dia 18 de Dezembro
de 2016, IVº Domingo do Advento.
O Natal não é uma recordação piedosa de algo do passado; não
nos voltamos para trás porque, se assim fosse, cada ano que passasse o Natal
estava cada vez mais longínquo, seria uma recordação vaga, e celebrávamo-lo com
menos intensidade do que o celebraram os nossos avós. Portanto, estaria cada vez
mais distante e nós, pelo contrário, celebramo-lo como um acontecimento
presente. O que é que significa a palavra “tradição”? Significa que fazemos
hoje de novo aquilo que aconteceu no princípio. O que é que significa aproximarmo-nos
do presépio e venerámos o Menino Jesus? É vivermos de novo, sobrenaturalmente,
na ordem do Sacramento, aquilo que aconteceu na história. E por isso eu, hoje,
no século XXI não sou menos beneficiado, nem menos feliz, do que o foram os
pastores e os magos que adoraram o Menino em Belém.
Como acontecimento humano, o Natal pertence a um tempo
determinado; mas como acontecimento sobrenatural é meu contemporâneo. Jesus
entrou na história não para ficar delimitado aos 33 anos da Sua vida entre nós,
mas para ser contemporâneo de todos os homens. Jesus é contemporâneo de todos o
que o precederam, de todos os que viveram no Seu tempo e de todos os que
nascera depois d’Ele. É também nosso contemporâneo, nasce hoje, nasce dentro de
uma semana, para podermos, como os pastores e os magos, ir ao presépio vê-Lo
com os olhos da Fé.
É o que acontece na Eucaristia. O corpo de Cristo que nasceu
da Virgem Maria, que foi crucificado e morto, que ressuscitou, que está
glorioso no Céu, encontra-se na Eucaristia para me amparar, mas para me fazer
companhia, para ser meu amigo. E eu posso caminhar com Ele na margem do Lago de
Tiberíades; posso pedir-Lhe como os discípulos: Senhor ensina-me a rezar (Lc
11,1); posso contempla-Lo pregado na Cruz; posso ir com Ele a caminho do Emaús,
escutando-O a ensinar-me as Escrituras. Posso fazer tudo isto porque Ele é meu
contemporâneo e está presente na minha vida. A nossa fé não é nada menos do que
isto! Não somos visionários de um sonho, somos testemunhas de um facto. Vivemos
de um facto que aconteceu há dois mil anos e que acontece hoje. Deus que se fez
homem para fazer companhia à minha vida é um Mistério presente, aqui e agora.
Pedimos ao Senhor para não descermos a fasquia da nossa
expectativa do Natal. Reconheçamo-lo presente com fé verdadeira, confiemos Nele
para mudar a nossa vida, para mudar aquilo de que já desistimos ou não somos
capazes de mudar, para fazer de nós gente nova pelo poder da Sua Graça. Faltam
sete dias para o Natal. Quanta conversão se pode fazer em sete dias! Quanto
regresso a Deus, quanto perdão das ofensas, quanta graça acolhida, quanta
oração sincera, quantas coisas boas podemos fazer em sete dias para chegar ao
Natal com um coração novo, para recebermos o Senhor com a nossa casa preparada
e as portas escancaradas.
Que o meu coração não seja a hospedaria onde não há lugar
para o receber, mas a gruta, ainda que pobre e tosca, onde Ele se pode reclinar
e recebe a adoração dos pastores e dos magos que somos todos nós. Que o Senhor
nos dê um Natal Santo, um Natal de conversão e de esperança.