Lisboa
é hoje uma cidade na moda. O número de turistas parece não parar de aumentar. Os
restaurantes, bares, assim como toda uma panóplia de pequeno comércio trendy florescem. O fim da crise, os
Visto Gold e a nova lei das rendas reanimaram o mercado imobiliário. O maciço
programa de obras da Câmara Municipal construiu a ideia de uma cidade mais amiga
do ambiente e mais moderna.
E
estes factos são bons. Evidentemente que todos trazem os seus inconvenientes. É
verdade que o programa de obras públicas é muitíssimo questionável. Mas não se
pode deixar de reconhecer que Lisboa está hoje mais bonita e mais cosmopolita.
Contudo
existe uma outra Lisboa. Uma cidade que não aparece nas revistas de viagens nem
nos sites de cultura e lazer. Uma cidade que não sabe o que seja um sunset, uma cerveja artesanal ou um
hambúrguer gourmet. Uma cidade para quem as ciclovias são apenas um estorvo
para apanhar o autocarro e para quem as latas de conserva não são um objecto vintage mas uma fonte de alimentação.
Existe
uma Lisboa onde centenas de idosos vivem sozinhos, em casas decrépitas. Muitos já
não são capazes de sair à rua e vivem da caridade de vizinhos, das ajudas da
Santa Casa ou de uma instituição de solidariedade social.
Uma
Lisboa com bairros pobres (daqueles que não tem a sorte de ser históricos, e
por isso ainda não foram invadidos por jovens hipsters), com escolas degradadas, onde a maioria dos moradores
trabalha muito e ganha pouco. Bairros com ruas dominadas por pequenos
criminosos, onde é difícil romper o círculo da pobreza.
Uma
Lisboa com homens e mulheres que vivem na rua. Pessoas com um enormíssimo
conjunto de problemas e que sobrevivem graças aos voluntários que todas as
noites saiem por essa Lisboa a distribuir refeições e apoio a quem não tem
tecto.
E
sobretudo uma Lisboa, que é a cidade da maioria dos lisboetas, de pessoas de
classe média/média-baixa, cujo os ordenados mal pagam uma renda. Pessoas que
perdem horas e horas em transportes públicos lotados. Lisboetas que não
arriscam ter filhos na sua cidade, porque escasseiam as creches, porque é
impossível ter carro, porque que é muito complicado enfiar duas ou (imagine-se
a loucura) três crianças pequenas num autocarro a abarrotar (e ainda menos numa
bicicleta).
Existe
uma Lisboa real para além da Lisboa das revistas e das reportagens televisivas.
Uma cidade que vive para além da imagem trendy, eco-friendly e cosmopolita. Uma Lisboa de idosos, de famílias, de
jovens casais, de adolescentes e crianças que vivem numa cidade com rendas cada
vez mais altas, com transportes públicos cada vez mais degradados. Uma cidade
onde os apoios sociais dependem de instituições privadas. Uma cidade abandonado
pela autarquia.
O
trabalho de transformar Lisboa numa cidade que recebe bem quem vem de fora foi
feito e bem feito, tendo tornado a capital num ponto de atracção para turistas
e investidores estrangeiros. Falta agora transformar Lisboa numa cidade
atractiva para os lisboetas.