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quinta-feira, 3 de julho de 2025

You’ll Never Walk Alone



Foi muito impressionante assistir, ao longo do dia, às reações à morte de Diogo Jota e de André Silva. Embora todos os dias morram milhares de pessoas, muitas em circunstâncias dramáticas, é evidente que a morte de um jovem que, de alguma forma, fazia parte da nossa vida nos toca.

Sobretudo quando pensamos nas circunstâncias em que aconteceu. No ano em que foi campeão pelo Liverpool, pouco tempo depois de ganhar a Liga das Nações, uma semana após casar com a namorada de toda a vida, com quem tinha três filhos pequenos. A verdade é que Diogo estava no auge da sua vida — um sucesso conquistado com o seu trabalho.

Ainda por cima, há jogadores de futebol com quem embirramos, porque são mimados ou arrogantes. Diogo Jota era o contrário, como os milhares de testemunhos públicos têm deixado claro: humilde, trabalhador, totalmente dedicado à família. E, para piorar, morre num acidente — não a fazer uma imprudência qualquer, mas a regressar a Inglaterra porque não podia andar de avião.

Tudo isto parece absurdo, tudo isto parece absolutamente injusto. Os pais que perderam os filhos, a mulher, viúva ao fim de uma semana, os filhos órfãos. E nenhum sentimentalismo, nenhuma frase bonita, nenhum “you’ll never walk alone” pode dar resposta a este drama. Penso que também por isso se gerou um sentimento tão comum de dor entre nós: porque fomos, de forma crua e dura, colocados diante da fragilidade da vida. Diante de um jovem bom, com sucesso, no auge da sua vida profissional e pessoal, que, de repente, morre num estúpido acidente de carro. Um acontecimento assim não pode deixar de nos interpelar: de que vale a vida?

E, diante disto, penso que só há duas respostas verdadeiramente humanas. Uma é o desespero: aceitar que a vida é injusta, que nada vale a pena, que tudo se finda num único momento trágico. A outra, que a mim parece mais humana, é o pedido, o desejo, a exigência de mais; a intuição de que a vida é mais do que isto. Diante da morte, ou o desespero, ou o grito da fé. O grito, nascido da dor, de que Deus se revele, se nos mostre, se faça próximo.

Cristo é o único que pode dar sentido a um acontecimento destes. Só Aquele que venceu a morte, só Aquele que traz em Si a promessa da Eternidade, pode dar sentido à nossa existência humana. Porque Ele é o Penhor da Eternidade.

Essa promessa, de uma morada preparada para nós, não retira a dor nem o drama. Mas introduz uma nova perspetiva, um horizonte de esperança. A morte não tem a última palavra.

Por isso, rezo pela alma destes dois jovens, que não conheci, mas que, de alguma forma, entraram nas nossas vidas. Rezo para que o Senhor os acolha. E rezo pela sua família, dramaticamente atingida, para que, na sua dor, encontrem a doçura de Jesus — o único que nos permite, nunca caminhar sozinhos.

 



segunda-feira, 16 de junho de 2025

A Lei da Separação, as mesquitas e a liberdade religiosa


 

Há 114 anos, Afonso Costa declarava que iria acabar com a Igreja Católica em Portugal em duas gerações (para tranquilizar os mais pessimistas, os meus filhos são a quinta geração de católicos de ambos os lados desde a publicação da Lei, pelo que Costa parece ter falhado). O instrumento para a supressão da Igreja em Portugal era a famosa Lei da Separação, que nada separava, mas antes subjugava a Igreja em Portugal ao poder do Estado.

A Lei da Separação declarou como bens nacionais todas as igrejas, regulou o culto, as fontes de rendimento do clero, o toque dos sinos, o horário da catequese. Sobretudo, proibiu as demonstrações públicas da religião e a construção de novas igrejas.

Mas, como diria o Engenheiro Guterres, esta situação não nasceu do vácuo. Se o Liberalismo declarara o Catolicismo a religião do Reino, também tratara de submeter totalmente a Igreja ao poder do Estado, tornando-a em pouco mais do que uma repartição estatal, com escassa ligação a Roma.

Quando chegou a República, a situação da Igreja era periclitante. Um clero impreparado, pouco piedoso, mais político que pastor. Por isso a reacção firme do clero português apanhou de surpresa Afonso Costa, que pouco respeito dispensava ao clero regalista. Mas foi a rejeição heroica dos bispos e dos padres às pensões e às cultuais previstas na lei, sacrificando assim os poucos bens e proveitos que a República lhes deixara, que realmente operou a separação entre a Igreja e o Estado.

O que a História nos ensina nos últimos 200 anos (e até mais, porque esta tentativa de submissão da Igreja começa com Pombal) é que a liberdade da Igreja só é possível quando esta não depende do poder. Por isso, a liberdade da Igreja está dependente do Estado reconhecer, como direito inalienável, a liberdade religiosa.

E a questão da liberdade religiosa é que não se pode dividir. Não posso reconhecer a minha liberdade de adorar a Deus, de professar publicamente a minha Fé, de a viver comunitariamente, e negar a dos outros. Porque, se assim for, se eu afirmar que o Estado tem o poder de decidir que fés são admitidas e que fés não são, então estou a afirmar que a liberdade da Igreja não é um direito em si mesmo, mas uma benesse do Estado. E a História ensina-nos que transformar o Catolicismo em religião do Estado pode ser bom para o Estado, mas acaba com a opressão da Igreja.

É por isso que defendo a liberdade dos muçulmanos em construir mesquitas e em rezar em público. E não vale a pena confundir as coisas: sim, há um problema com a imigração, sobretudo de países muçulmanos; sim, há um problema com o Islão quando este começa a ser maioritário, como se vê em vários países da Europa. Mas esse problema não se pode confundir com a liberdade religiosa.

Outra questão é se o Estado deve apoiar a construção de mesquitas. E aqui a resposta é simples: depende. Sim, o Estado deve criar condições para que todos possam exercer a sua fé em liberdade, e isso pode passar por dar algum tipo de apoio à construção de uma mesquita, como faz com as igrejas (cedência de um terreno ou de um imóvel). Não, o Estado não deve subsidiar o culto, nem favorecer as comunidades islâmicas de forma injustificada, como parece que Fernando Medina quis fazer com a nova mesquita da Mouraria.

Por fim, há uma preocupação legítima com a segurança. Mas, nesse caso, o que deve preocupar são as mesquitas clandestinas que por aí pululam, não aquelas que são construídas às claras, cujo acesso é público e que mantêm relação com a sociedade que as rodeia. Um ímã extremista não precisa de um edifício novo para espalhar o ódio — para isso, basta-lhe uma garagem esconsa. Investigue-se o que for preciso, mas isso não é argumento para suprimir a liberdade religiosa.

Nada disto se deve confundir com a liberdade dos islâmicos de viverem a sua Fé. Porque, no dia em que eu reconhecer ao Estado o poder de regular a fé alheia, estou a reconhecer que o exercício da minha Fé é uma benesse do Poder. E isso, como os valentes bispos de 1911, não podemos permitir.

 

terça-feira, 10 de junho de 2025

Dia de São Camões



Por que razão celebramos o Dia de Portugal no dia da morte de Camões? Não duvido da importância do poeta: a sua influência na língua, a sua importância para a forma como vemos a história do nosso país, sobretudo os Descobrimentos. Mas não deixa de ser curioso que, num país nascido da guerra e da resistência a Espanha, se escolha, em vez de São Mamede, Ourique, Aljubarrota, a morte de Camões.

A explicação podia ser a de uma valorização da cultura. A concepção de um país como mais do que um conjunto de pessoas, mas uma história e um desígnio conjunto, que o poeta canta n'Os Lusíadas como mais ninguém. A escolha de Camões podia significar uma exaltação da portugalidade, o homem que criou Portugal através do mito, ligando a história nacional, da Fundação aos Descobrimentos.

Infelizmente, a razão pela qual o Dia de Portugal se celebra na data da morte de Camões é bastante mais prosaica. Não celebramos Camões pelo seu génio, mas porque morreu em cima do dia de Santo António.

As festas de Camões foram começadas pelos republicanos, que na sua ânsia de laicizar as festas populares, começaram a festejar a morte de Camões, com direito a procissões e tudo, como concorrência ao Santo António. Daí a ser popularmente chamado São Camões.

Com a proclamação da República e o fim dos feriados religiosos, o 10 de Junho passou a feriado municipal, seguindo a estratégia republicana de substituir feriados religiosos por feriados civis. Mais tarde, ainda na República, seria alçado a feriado nacional, na tentativa de criar uma religião civil e patriótica que substituísse a fé popular.

No Estado Novo, Salazar, na sua estratégia de apaziguação, restaura com a Concordata de 1940 alguns dos feriados religiosos, mas mantém os feriados republicanos. Aliás, uma das características de Salazar era a capacidade de apaziguar as diversas fações, dando um pouco a cada um. Exalta a história cristã, mas mantém os festejos patrióticos, na ânsia de criar um espírito patriótico separado da devoção cristã. Assim, agrada a católicos, monárquicos e republicanos.

O 10 de Junho, como grande festa nacional, é uma invenção da República e do Estado Novo, mais tarde reciclada pela democracia. Pobre Camões, o grande poeta da nossa história, que se viu assim utilizado como instrumento contra essa própria história. Merecia melhor sorte.

 

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Obrigado, Miguel Milhão


Falar hoje contra o aborto é mais difícil do que alguma vez foi. Debater este tema com alguém que defende o “direito” ao aborto é como se estivéssemos a falar duas linguagens completamente diferentes.

Mesmo entre os que são contra o aborto, vemos que, muitas vezes, são apenas contra o aborto livre, ou pago pelo Estado, ou então contra o alargamento dos prazos. Mas encontrar hoje alguém que diga que o aborto é sempre errado e deve sempre ser ilegal é cada vez mais raro.

E é raro porque, culturalmente, o embrião deixou de ter qualquer valor. Não se trata de discutir se há vida humana ou não — isso é um facto biológico indisputável —, mas sim do valor que se atribui à vida humana. Porque neste tempo do relativismo, o valor da vida já não depende do facto de existir, mas do valor que cada um de nós lhe atribui. E a sociedade já decidiu que a vida humana por nascer não tem valor, ou, pelo menos, não o tem até possuir algumas características com as quais as pessoas se identifiquem.

Por isso o debate sobre o aborto é tão difícil: estão em causa duas visões completamente distintas — uma que afirma que a vida é sempre digna, e outra que afirma que a vida é digna quando a sociedade o diz.

Por esta razão é que o debate sobre o aborto deixou de ser, como há 20 anos, sobre quando começa a vida, e passou a ser sobre os direitos da mulher. Porque o embrião deixou de contar.

E para defender o contrário é preciso coragem, porque há poucos temas que enfureçam tanto os activistas da modernidade como o aborto. E eu compreendo porquê: é que, se por um segundo tiverem de admitir a possibilidade de que a vida humana começa na concepção, então terão também de admitir a hipótese de estar a ser praticada a maior matança de inocentes de que há memória.

Afirmar com clareza que o aborto é sempre um mal e, sobretudo, afirmar sem medo o valor da vida humana não é popular, mas é urgente. Por isso, é com grande alegria que vejo como Miguel Milhão usa a sua fortuna e influência para esta causa.

E fá-lo sem tibieza, sem cedências, com total clareza. É evidente que o fundador da Prozis procura, há algum tempo, influenciar o debate público, e que tem meios e capacidade para o fazer. E é impressionante que tenha escolhido o aborto como a sua grande causa. Quem o acompanha desde que começou a intervir publicamente sabe que o aborto não é uma causa secundária, nem uma forma de criar polémica para obter atenção. O aborto é mesmo a causa principal de Miguel Milhão.

Este é o segundo ano em que ele cria um anúncio para a televisão, para festejar o começo da sua vida — no momento da concepção. E usa esses anúncios para afirmar, sem problema, a defesa da vida desde o primeiro instante. Claro que este atrevimento provoca a fúria de muita gente. E é bastante divertido ver a liberdade com que Miguel Milhão se ri dos fariseus modernos e dos escribas do aborto.

Deve haver vantagens em ser bilionário — ainda por cima sem depender minimamente do poder político e mediático. E Miguel Milhão usa muito bem essas vantagens para defender esta causa tão urgente. Por isso, da minha parte, só me resta dizer: obrigado, Miguel Milhão.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

Carlos Moedas e o EuroPride

 



  1. Vai realizar-se em Lisboa, no próximo mês, o EuroPride — o maior evento do movimento LGBT europeu.
    Sobre o movimento LGBT, reafirmo o que venho dizendo há anos: está para os homossexuais como o Partido Comunista está para os trabalhadores. O movimento LGBT é um movimento político que pretende impor a toda a sociedade a sua visão da sexualidade, e que considera que quem dela discorda deve ser, no mínimo, ostracizado — e, eventualmente, até preso.
    Para este movimento, não basta defender o casamento entre pessoas do mesmo sexo; é necessário punir quem não concorda. Não basta que um homem diga que é mulher; é preciso que toda a sociedade o aceite e o afirme — e que quem se recusa seja devidamente castigado.
    Por isso, considero o EuroPride equivalente à Festa do Avante ou ao porco no espeto do Ergue-te. Têm liberdade para o fazer, mas contam com a minha oposição. Sobretudo, por se tratar de um acontecimento político promovido por um movimento totalitário, não deve contar com apoios públicos.
  2. Esta semana foi notícia que a Câmara Municipal de Lisboa aprovou uma verba de 175 mil euros para apoiar este evento. Para contextualizar esta decisão, é habitual a Câmara apoiar grandes eventos realizados na cidade. O exemplo mais evidente é a Jornada Mundial da Juventude, na qual a autarquia investiu mais de 30 milhões de euros. Mas não é caso único: a Web Summit recebeu mais de quatro milhões de euros no ano passado, a ModaLisboa recebeu 300 mil euros este ano, e ainda há pouco mais de uma semana a Câmara gastou 250 mil euros nos festejos do campeonato. Por isso, 175 mil euros para o evento mais importante do movimento LGBT não constitui propriamente um apoio extraordinário.
    Aliás, prova disso é o facto de a oposição não ter apoiado esta decisão (por querer mais apoio), assim como a maioria das associações LGBT se ter retirado da organização do evento, em protesto contra a Câmara.
    Isto significa que a decisão foi acertada? Não. Não considero que tenha sido uma boa decisão. Mas significa, claramente, que Carlos Moedas não é propriamente um entusiasta da causa — limitou-se a cumprir os mínimos olímpicos.
  3. Tenho visto por aí uma grande campanha contra Carlos Moedas, acusando-o de ser contra a presença cristã e a favor da causa LGBT. Não tenho grandes dúvidas quanto à origem destas acusações, tal como não duvido que não são movidas pelo amor à Igreja ou à família, mas sim pelas eleições autárquicas do próximo Outono.
    Infelizmente, estas acusações têm encontrado eco junto de pessoas bem-intencionadas, que ficaram legitimamente indignadas com a decisão da Câmara. Aos mal-intencionados, de nada serve apresentar os factos; mas a quem se sente justamente indignado, vale a pena refrescar a memória sobre o mandato de Carlos Moedas.
    Antes de mais, recordar que Moedas foi quem mais se expôs em defesa da JMJ. Houve momentos em que ninguém — nem mesmo os que mais entusiasticamente acolheram a notícia de que a JMJ seria em Lisboa, dentro da Igreja e na política — teve coragem de defender os custos do evento. Ninguém, excepto Moedas. Arriscou de tal forma que, se algo tivesse corrido mal, teria sido, muito provavelmente, a sua morte política. E, no entanto, ele — que nem católico é — teve a coragem de defender sempre a importância das jornadas para Lisboa.
    Além disso, nos últimos quase quatro anos, tem apoiado, com financiamento, cedência de espaços, apoio logístico e até com a sua presença, vários eventos organizados por católicos. E tem afirmado publicamente, sem qualquer constrangimento, que as organizações católicas devem sentir-se à vontade para solicitar apoio da Câmara.
    Tem também apoiado incansavelmente o trabalho das IPSS. Depois de anos de martírio socialista, em que o apoio social era dirigido apenas aos amigos do regime, ignorando ou prejudicando as restantes instituições, com Moedas as IPSS têm sido tratadas como aquilo que são: parceiras do poder público, e não concorrentes.
    Para além disso, Moedas tem feito questão de marcar presença em todos os momentos altos da vida social da Igreja de Lisboa: nas grandes procissões, na tomada de posse do Patriarca, na missa pelo sufrágio do Papa Francisco (a quem decidiu homenagear com o nome do novo Parque Tejo), entre tantas outras ocasiões. Foi com ele que o presépio regressou aos Paços do Concelho.
    É preciso ter muita falta de memória para afirmar que Carlos Moedas tem algo contra a presença cristã na cidade. Pelo contrário, a Igreja de Lisboa tem encontrado nele um aliado como não tinha desde os tempos de Santana Lopes e Carmona Rodrigues.
  4. Isto significa que a decisão de apoiar o EuroPride está correcta? Não. Mas se procuramos um presidente de Câmara com quem concordemos em tudo, então cada um de nós terá de se candidatar ao lugar. Caso contrário, teremos de nos contentar com alguém com quem concordamos em quase tudo — e com quem, de vez em quando, tenhamos uma ou outra discordância.
    Este ano haverá eleições. Ao longo dos anos, votei muitas vezes no mal menor. Este ano será dos poucos em que votarei com gosto em quem considero ser um grande presidente da Câmara de Lisboa. Não só votarei em Carlos Moedas, como tenciono dizer às pessoas à minha volta para fazerem o mesmo, e farei campanha com um entusiasmo que não sentia desde a última candidatura de Pedro Santana Lopes em Lisboa.
    E no Outono, espero que tenha uma grande vitória — sobretudo contra os zelotas que vivem de meias-verdades e mentiras completas.

 

quinta-feira, 22 de maio de 2025

Adolescência, violência sexual e a falta do pais

  


  1. Nos últimos tempos as notícias sobre o aumento da violência, sobretudo a violência sexual, entre menores têm aumentado. Se não bastasse o sucesso da série Adolescência, a notícia da violação de uma menor por três influencers, assim como a notícia de que o número de abusos sexuais entre menores tem aumentado, trouxe o assunto para a ribalta.


Rapidamente vemos repetir os mesmos chavões: o machismo tóxico, o movimento incel, a extrema-direita, as redes sociais, etc. Eu confesso que a mim o que mais me choca é a incapacidade de compreender que estes fenómenos, que sem dúvida produzem violência sexual, não são a causa, mas sim a consequência de uma mentalidade dominante.

Vivemos num tempo dominado pelo individualismo. Estamos rodeados de mantras como “se não cuidares de ti, quem cuidará?”, “és responsável pela tua felicidade”, “não deixes que nada se interponha entre ti e os teus sonhos”. Todas as semanas somos brindados com reportagens que explicam a carga que significa ter filhos, ou cuidar dos pais envelhecidos, ou de companheiros doentes. As crianças são educadas a acreditar que são especiais, que merecem ser tratadas como tal e que o mundo tem o dever de se adaptar a elas.

Desta cultura não escapa, pelo contrário, a sexualidade. A cultura actual ensina que a sexualidade existe, antes de mais, para satisfação própria. Por isso é bom ver mulheres a prostituírem-se em frente a câmaras, é bom pagar para ter sexo, todas as fantasias são incentivadas (incluindo o maltrato a mulheres como forma de ter prazer, que dá direito a best-seller e a sucesso de bilheteira). No nosso tempo a satisfação dos desejos sexuais é uma prioridade e o sexo um direito.

Ora, é evidente que, se educamos assim as crianças, não nos podemos espantar que elas não se detenham diante de pormenores como a vontade do outro. Num mundo onde a objectivação das mulheres (na pornografia, na prostituição, nas redes sociais) é banalizada, por que razão nos espantamos quando os adolescentes e os jovens tratam as mulheres como objectos? Se consideramos normal ver vídeos de mulheres pagas para satisfazer tarados que fantasiam com violações, por que nos espantamos que miúdos de 13, 14, 15 anos não distingam quanto é real e quando é apenas ficção?

Mas pior do que isto, quando a sociedade diz que mulheres que oferecerem a sua intimidade a homens perversos que lhes podem pagar é empoderamento, e outras tretas destas, quando constantemente se reduz as mulheres a pedaços de carne para exibir, nas revistas, nos sites, nos filmes, nas telenovelas, o que estamos a dizer às menores que estão a ver? Que é bom e normal, e até dá direito a ser famosa, vender a sua intimidade.

Educar assim as crianças e depois ficar espantado que os abusos sexuais aumentem demonstra uma total incapacidade de compreender que os actos têm consequências. Como eu dizia, a masculinidade tóxica, a cultura incel, são apenas duas das várias consequências de uma cultura onde prima o individualismo e onde os caprichos são tratados como direitos. Mas a causa é a mentalidade dominante, individualista e egoísta.

  1. O artigo podia ficar por aqui. Mas existe outro ponto, referido em abundância, que não consigo deixar de notar. Falo da relação dos jovens com a internet em geral, e com as redes sociais em particular.

Nas últimas semanas ouvimos vezes sem conta falar da necessidade de regular a internet, as redes sociais, de proibir os telemóveis nas escolas. Mas há um ponto essencial, que me parece totalmente ausente do debate: por que razão um pai que abandonasse uma criança no meio de uma rua cheia de casas de alterne, violência e teóricos da conspiração perderia a guarda do filho, mas achamos normal que um pai dê um smartphone a uma criança? A comparação pode parecer um exagero, mas a verdade é que hoje através destes aparelhos as crianças estão expostas a um mundo que não compreendem, com fácil acesso a todo o tipo de informação, contactáveis por qualquer pessoa, com pouco ou nenhuma supervisão.

Evidentemente que os pais podem dizer que controlam o que os filhos vão vendo, mas é preciso ser muito ingénuo para acreditar que é possível controlar completamente o que um miúdo de 12 anos faz no seu telefone. O problema maior dos telemóveis não é o mal que as telas fazem (que também fazem), mas o facto de exporem os miúdos a um mundo para o qual não estão preparados.
Qual é a solução? Proibir o acesso dos miúdos a tecnologia? Impedi-los de ter acesso a uma ferramenta como a internet, essencial para o seu futuro? Desligá-los do mundo? Claro que não, por muito que, olhando para o mundo, possa parecer tentador!

Como dizia monsenhor Giussani, “educar é introduzir à realidade na totalidade dos seus factores”. É preciso acompanhar as crianças e adolescentes na introdução à internet, dar-lhes critérios, explicar-lhes os riscos, mostrar as potencialidades, e aguardar que tenham maturidade. É evidente que largar um rapaz a entrar na puberdade, com as hormonas em ebulição, mas ainda sem maturidade, numa realidade onde todas as perversidades estão ao alcance de uma pesquisa no Google, e onde são livres de as partilhar com os amigos (e com desconhecidos), é uma péssima ideia. É preciso acompanhá-los nessa aventura.

E isso depende, sobretudo, dos pais. Claro que a escola tem um papel importante na educação das crianças, mas de nada vale a escola controlar o uso dos telefones pelos miúdos, se, ao dar um passo para fora da escola, esse controlo desaparece. A resposta, por isso, a este flagelo não é responsabilizar as escolas, ou sequer as redes sociais, mas os pais, que têm de ser os protagonistas da educação dos filhos.

É duro ser o pai que nega aos filhos aquilo que os amigos todos têm. A pressão dos pares é uma coisa tramada, e contrariá-la dá muito trabalho. Mas é uma missão da qual os pais não se podem desmarcar. A liberdade dos miúdos é uma coisa tremenda, e é evidente que não podemos controlar. Mas temos o dever de os acompanhar enquanto crescem, para ter a certeza de que têm as ferramentas necessárias para enfrentar o mundo.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

AD: NÃO O VOTO ÚTIL, MAS O VOTO NECESSÁRIO

Confesso que tenho pouca ou nenhuma paciência para as eleições — e ainda menos para a campanha eleitoral. É a terceira vez, em três anos, que vamos a votos. De cada vez, o país para, a aplicação do PRR atrasa-se e projetos públicos ficam em suspenso. Tudo isto porque o Primeiro-Ministro foi pouco prudente, e a oposição aproveita (na ausência de ideias) para espremer até ao fim o tema.

Contudo, apesar da falta de paciência, domingo é dia de votar. Não o farei com especial entusiasmo, mas fá-lo-ei sem hesitações. Depois de anos de desgoverno socialista, precisamos de um governo estável à direita — e esse resultado só é possível votando na AD.
O Chega já provou a sua inutilidade. Com 1, 13 ou 50 deputados, o Chega serve apenas para satisfazer a necessidade de poder de André Ventura. O último ano deixou claro que o partido unipessoal de Ventura será sempre um foco de instabilidade: hoje diz uma coisa, amanhã diz outra, sem qualquer vergonha. E, se por acaso algum deputado revela um assomo de independência, acaba corrido — como Henrique Freitas ficou a saber.
A IL, para além de ser um Bloco de Esquerda que gosta de dinheiro, também não me parece ser uma força útil à estabilidade. Por alguma razão, como vimos na Madeira, a IL acha que só pode fazer parte de uma coligação quando o seu parceiro faz tudo o que ela quer. O seu dogmatismo impede-a de perceber o conceito de parceiro minoritário. Por isso, votar na IL é, não só dar força a quem defende que o Estado deve estar ao serviço das engenharias sociais, como também apoiar um partido que provavelmente acabará por ser uma força de bloqueio.
Assim, quem quer um governo de direita estável só tem uma solução: votar AD. Não é o ideal, não é o que queríamos, podia ser melhor — sim, tudo isso. Mas é o que temos. Quem quer melhorar a vida política tem uma boa solução: empenhar-se na vida partidária. As eleições não são o momento de grandes teorias, mas sim a decisão prática sobre quem queremos a governar o país. E, para mim, é claro que quero um governo da AD com força suficiente para não estar continuamente a ser vítima da coligação PS/Chega.

sexta-feira, 9 de maio de 2025

ANTES DE TUDO, VIVA O PAPA

Que bom que é voltar a ter Papa, seja ele quem for.
Não sei mais sobre Leão XIV do que aquilo que ontem se foi dizendo nas televisões e na internet, mas estou muito feliz por voltarmos a ter um Papa. Acho imensa graça a esta necessidade moderna de tentar adivinhar todo um pontificado com base em pouco mais do que uma página da Wikipédia e alguns tweets. Felizmente, como não tenho qualquer obrigação de ocupar um espaço de comentário, abstenho-me dessa triste figura de fingir ser especialista sobre um homem de quem, até ontem, só sabia o nome.
Mas gostei muito do nome que escolheu. Gostei porque, nestes tempos tão ideologicamente marcados, a evocação de Leão XIII — o Papa que, às ideologias liberais e marxistas, opôs uma doutrina baseada na Fé — me parece muito feliz. Também hoje, recordar a dignidade humana perante ideologias desumanizantes, tanto à esquerda como à direita, é essencial. Gosto também porque, como ontem me lembrava um caro amigo, remete para São Leão Magno, o Papa que enfrentou o flagelo de Deus, Átila, o Huno, e o fez retirar-se de Itália. Também hoje os bárbaros, vindos de várias origens, estão às portas de Roma, e esperamos que Leão XIV tenha o mesmo sucesso que o seu santo predecessor.
Gostei muito também das palavras do Santo Padre. A forma clara como anunciou Cristo Ressuscitado como fonte da verdadeira paz, a devoção que demonstrou a Nossa Senhora, o apelo claro à paz e à missão. Depois destes dias de Sede Vacante, foi um conforto para o coração voltar a ouvir Pedro.
Amei o Papa assim que saiu fumo branco, mesmo antes de saber quem era. Como ensinava São João Bosco aos seus alunos: gritamos "viva o Papa", seja quem for o Papa. Mas o que vi e ouvi da varanda de São Pedro confortou-me e animou-me.

terça-feira, 29 de abril de 2025

ALGUMAS COISA QUE APRENDI COM O APAGÃO

1. A primeira é que boa parte dos políticos prefere a imagem à substância. Não digo que tudo tenha corrido bem, mas a verdade é que, diante de um incidente bastante imprevisível e que criou grandes dificuldades, não houve caos. Os hospitais funcionaram, os autocarros funcionaram, a rádio funcionou, os serviços de urgência funcionaram. O apagão durou entre 6 e 12 horas, dependendo das zonas do país, o que, considerando que foi preciso reiniciar toda a rede elétrica nacional, não me parece dramático.
Houve informação durante todo o dia pelos meios disponíveis, sobretudo a rádio. Foram dadas as indicações necessárias (não criar caos, evitar deslocações, não açambarcar, telefonar para o 112, etc.). Percebo que muitos prefiram o estilo de Sánchez em Espanha, de estar constantemente a aparecer e a falar em público. Eu prefiro que o Governo trabalhe.
2. Quando finalmente recuperei a luz, percebi que alguns deputados do Chega passaram o seu dia, durante uma emergência nacional, a fazer vídeos nas redes sociais, a fazer acusações sem terem todos os factos. Pelo meio, aproveitaram para lançar meia dúzia de acusações infundadas, que serviam apenas para aumentar a indignação e, assim, ganhar pontos políticos. O Chega provou, mais uma vez, a sua (in)utilidade: fazer barulho enquanto outros trabalham.
3. Pedro Nuno Santos estava muito indignado porque a Proteção Civil não enviou um SMS durante o dia. Aparentemente, o candidato a primeiro-ministro queria que a Proteção Civil, em vez de trabalhar e comunicar pelos meios disponíveis – a rádio –, perdesse tempo com um meio de comunicação a que a esmagadora maioria do país não teve acesso. Mais uma vez, a forma em nome da substância. Conhecemos a fórmula durante a pandemia; espero que, no dia 18, os portugueses percebam que não é boa ideia repetir.
4. Impressiona-me a facilidade com que continuamos a cair na desinformação. Pensava que, nesta altura, já todos tínhamos percebido que correntes de prints e áudios no WhatsApp não são fonte de informação. Ontem ouvi e recebi de tudo: desde a Europa estar toda às escuras até submarinos russos nas nossas águas. Amigos, uma boa solução quando alguém envia uma informação dessas é confirmar nos meios de comunicação social antes de a espalhar.
5. O que leva ao próximo ponto: a importância dos órgãos de comunicação social. Quem acha que as redes sociais podem substituir os media recebeu ontem uma lição. Há uma crise de credibilidade dos media? Sim. Muito por culpa dos próprios? Sim. Mas a solução não é entregar a informação a ativistas do teclado – é lutar por melhores media.
6. Ontem ressurgiu o patriotismo energético. Pelos vistos, devíamos estar completamente isolados da rede europeia e depender apenas de nós próprios. Claro que isso é uma utopia – mas num dia de sol, num ano de muita chuva, é fácil falar. O problema é em anos de seca, no meio do inverno, num país que não produz carvão nem petróleo. Já nem falo do facto de os mesmos que pedem energia patriótica provavelmente serem os primeiros a resmungar com o aumento do preço da energia, caso nos isolássemos da rede europeia.
7. Impressiona-me pensar no muito que foi preciso fazer ontem – e que foi feito –, sem alarido e sem caos. Sobretudo o trabalho de reiniciar toda a rede elétrica. Não podemos deixar de estar agradecidos a todos os que, ontem, passaram o dia a trabalhar para garantir o mínimo de normalidade, assim como aos que trabalharam arduamente para que tudo voltasse ao normal.
8. Também vejo muito indignação por não se saber a causa. Ora, para ser exacto, nós sabemos a causa de ter falhado a energia em Portugal: o corte em Espanha. Não sabemos é o que é aconteceu em Espanha. Por isso, se querem resmungar, o melhor é fazê-lo com Pedro Sanchez, porque Luís Montenegro é primeiro-ministro só de Portugal.
9. Por fim: ontem ficou evidente o quanto estamos dependentes da eletricidade e, por isso, o quão fragilizados estamos. A minha geração, que vive no digital, ontem foi apanhada sem um tostão no bolso, sem um rádio em casa, e alguns sem qualquer forma de cozinhar. Sem querer soar apocalíptico, decidi ir comprar um rádio a pilhas, guardar o mínimo de dinheiro físico em casa e comprar mais umas lanternas.

Todas as reaçõ

quarta-feira, 23 de abril de 2025

A SANTA SÉ, O VATICANO E OS ANTICLERICAIS DE PACOTILHA

1. Sempre que surge alguma notícia relacionada com o Papa ou com a Igreja a nível mundial, começa a confusão entre o Vaticano e a Santa Sé. Uma confusão compreensível, mas, mesmo assim, evitável.
A Cidade do Vaticano foi criada pelos Acordos de Latrão, no século XX. Após a unificação de Itália, no século XIX, e o fim dos Estados Pontifícios, o Papa declarou-se prisioneiro no Vaticano, já que recusava a soberania o rei de Itália. O impasse foi resolvido com os Acordos de Latrão, que criaram um território independente, garantindo que o Santo Padre era independente de qualquer poder temporal. A Cidade do Vaticano é um Estado soberano sobre o qual a Santa Sé exerce autoridade plena. Mas não é com o Vaticano que os Estados mantêm relações diplomáticas, exceto em algumas pequenas questões burocráticas, como os correios ou os transportes.
2. A autoridade espiritual e governamental da Igreja é representada pela Santa Sé, que é Pessoa de Direito Internacional Público. O Papa não é chefe de Estado por ser o governante de um pequeno território no meio de Roma, mas por ser líder da Igreja. E, do ponto de vista das relações internacionais, essa relação é feita pela Santa Sé. Os núncios apostólicos não representam um micro-Estado, representam o Papa como seus embaixadores. É a Santa Sé que está representada na ONU e em várias outras organizações internacionais.
3. Enquanto o Vaticano não tem cem anos de existência, a Santa Sé tem vários séculos. Atualmente, a Santa Sé mantém relações diplomáticas com mais países do que qualquer Estado, e a sua diplomacia é famosa pela sua competência. Só no último século são vários os conflitos evitados ou terminados pela diplomacia da Santa Sé (pensemos, por exemplo, na guerra civil em Moçambique ou na importância da Igreja no processo de independência de Timor).
4. Durante séculos, na Europa, a Santa Sé era considerada o poder internacional mais importante. Era ao Papa e à Igreja que reis e governantes recorriam para resolver conflitos.
Foi por uma bula papal que Portugal se tornou oficialmente independente, e as relações diplomáticas entre o nosso país e a Santa Sé vêm desde a fundação até ao nosso tempo, com uns curtos interregnos pelo caminho. Antes de ter relações diplomáticas com Castela, antes da aliança com Inglaterra, Portugal já tinha relações diplomáticas com a Santa Sé. Razão pela qual o Núncio Apostólico em Portugal é o decano do corpo diplomático.
5. Em Portugal, quando morre um Chefe de Estado de um país com quem mantemos relações diplomáticas, a tradição é declarar três dias de luto. Ainda há pouco tempo foi assim com a Rainha Isabel II. O luto declarado pelo Governo pela morte do Papa Francisco não se trata, por isso, de um reconhecimento especial à Igreja, mas apenas da aplicação desse princípio. O Papa é o Chefe de Estado da Santa Sé, nós temos relações diplomáticas há quase novecentos anos com a Santa Sé, logo, fazemos luto quando morre o Papa. Seria igual para o rei de Espanha ou para o presidente de França.
Ao ver a indignação de tanto anticlerical com este luto, não consigo deixar de pensar como a ignorância é, de facto, muito atrevida. Não há qualquer problema em uma pessoa não ter qualquer conhecimento de Direito Internacional Público ou de Diplomacia. Mas é bastante vexatório ver pessoas a exibir com orgulho a sua ignorância, enchendo a boca com palavras redondas como “laicidade”, achando-se sábias no seu desconhecimento.
6. Dada a explicação formal, não posso, porém, deixar de acrescentar um ponto. A igualdade é tratar de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, na medida da sua desigualdade.
A Igreja é parte essencial da nossa história. Qualquer pessoa que percorra as nossas terras, visite igrejas, capelas, basílicas, santuários, mosteiros, conventos, consegue perceber o seu papel ímpar. E, ainda hoje, na vida cultural e educativa, a Igreja continua a ter um papel essencial. Sobretudo, a Igreja continua hoje a ser o porto seguro dos mais pobres, dos abandonados, dos desvalidos. A obra social da Igreja é o que separa milhares de pessoas em Portugal da miséria e da morte.

Reconhecer este facto não é um ataque à laicidade do Estado; pelo contrário, é não impor o ateísmo de alguns a todo um povo.1. Sempre que surge alguma notícia relacionada com o Papa ou com a Igreja a nível mundial, começa a confusão entre o Vaticano e a Santa Sé. Uma confusão compreensível, mas, mesmo assim, evitável.

A Cidade do Vaticano foi criada pelos Acordos de Latrão, no século XX. Após a unificação de Itália, no século XIX, e o fim dos Estados Pontifícios, o Papa declarou-se prisioneiro no Vaticano, já que recusava a soberania o rei de Itália. O impasse foi resolvido com os Acordos de Latrão, que criaram um território independente, garantindo que o Santo Padre era independente de qualquer poder temporal. A Cidade do Vaticano é um Estado soberano sobre o qual a Santa Sé exerce autoridade plena. Mas não é com o Vaticano que os Estados mantêm relações diplomáticas, exceto em algumas pequenas questões burocráticas, como os correios ou os transportes.
2. A autoridade espiritual e governamental da Igreja é representada pela Santa Sé, que é Pessoa de Direito Internacional Público. O Papa não é chefe de Estado por ser o governante de um pequeno território no meio de Roma, mas por ser líder da Igreja. E, do ponto de vista das relações internacionais, essa relação é feita pela Santa Sé. Os núncios apostólicos não representam um micro-Estado, representam o Papa como seus embaixadores. É a Santa Sé que está representada na ONU e em várias outras organizações internacionais.
3. Enquanto o Vaticano não tem cem anos de existência, a Santa Sé tem vários séculos. Atualmente, a Santa Sé mantém relações diplomáticas com mais países do que qualquer Estado, e a sua diplomacia é famosa pela sua competência. Só no último século são vários os conflitos evitados ou terminados pela diplomacia da Santa Sé (pensemos, por exemplo, na guerra civil em Moçambique ou na importância da Igreja no processo de independência de Timor).
4. Durante séculos, na Europa, a Santa Sé era considerada o poder internacional mais importante. Era ao Papa e à Igreja que reis e governantes recorriam para resolver conflitos.
Foi por uma bula papal que Portugal se tornou oficialmente independente, e as relações diplomáticas entre o nosso país e a Santa Sé vêm desde a fundação até ao nosso tempo, com uns curtos interregnos pelo caminho. Antes de ter relações diplomáticas com Castela, antes da aliança com Inglaterra, Portugal já tinha relações diplomáticas com a Santa Sé. Razão pela qual o Núncio Apostólico em Portugal é o decano do corpo diplomático.
5. Em Portugal, quando morre um Chefe de Estado de um país com quem mantemos relações diplomáticas, a tradição é declarar três dias de luto. Ainda há pouco tempo foi assim com a Rainha Isabel II. O luto declarado pelo Governo pela morte do Papa Francisco não se trata, por isso, de um reconhecimento especial à Igreja, mas apenas da aplicação desse princípio. O Papa é o Chefe de Estado da Santa Sé, nós temos relações diplomáticas há quase novecentos anos com a Santa Sé, logo, fazemos luto quando morre o Papa. Seria igual para o rei de Espanha ou para o presidente de França.
Ao ver a indignação de tanto anticlerical com este luto, não consigo deixar de pensar como a ignorância é, de facto, muito atrevida. Não há qualquer problema em uma pessoa não ter qualquer conhecimento de Direito Internacional Público ou de Diplomacia. Mas é bastante vexatório ver pessoas a exibir com orgulho a sua ignorância, enchendo a boca com palavras redondas como “laicidade”, achando-se sábias no seu desconhecimento.
6. Dada a explicação formal, não posso, porém, deixar de acrescentar um ponto. A igualdade é tratar de forma igual o que é igual, e de forma desigual o que é desigual, na medida da sua desigualdade.
A Igreja é parte essencial da nossa história. Qualquer pessoa que percorra as nossas terras, visite igrejas, capelas, basílicas, santuários, mosteiros, conventos, consegue perceber o seu papel ímpar. E, ainda hoje, na vida cultural e educativa, a Igreja continua a ter um papel essencial. Sobretudo, a Igreja continua hoje a ser o porto seguro dos mais pobres, dos abandonados, dos desvalidos. A obra social da Igreja é o que separa milhares de pessoas em Portugal da miséria e da morte.
Reconhecer este facto não é um ataque à laicidade do Estado; pelo contrário, é não impor o ateísmo de alguns a todo um povo.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Na morte do Papa Francisco



Morreu o Papa Francisco. Não tenho jeito, nem a pretensão, de fazer qualquer análise sobre o seu pontificado, para esse peditório já há gente a mais. Alguns bem informados e capazes, muitos que se ficarão pela rama e dirão disparates. Não me parece que tenha capacidade para fazer partes dos primeiros, por isso evito-me juntar aos segundos.

Mas impressiona-me muito que o Santo Padre, após o sofrimento que passou nesta Quaresma, morra na Segunda-Feira de Páscoa. À cabeça vem-me a frase de Nosso Senhor, «Desejei ardentemente comer convosco esta Páscoa antes de morrer.» (Lc., 21, 15). Com a sua doença e morte, de forma misteriosa, o Papa Francisco associou-se à Páscoa.

Guarda com comoção a chegada do Papa Francisco à nunciatura em Lisboa, no dia em que aterrou em Portugal. Lembro-me como, apesar do evidente cansaço, veio até junto daqueles que lá estávamos, para saudar e abençoar.

Agora segue-se um tempo misterioso, onde a Sé de Pedro está vazia. Muitos irão falar do Papa Francisco, mas falarão mais da sua ideia do Santo Padre, do que realmente do seu pontificado. Não irão faltar as análises, as intrigas sobre quem deverá ser o próximo Papa, com análises profundas, questões políticas, apostas. Tudo na ânsia de tentar descobrir aquilo que só o Espírito Santo conhece.

Peço para mim a graça de não cair nessa tentação. Sobre o Papa Francisco, peço ao Bom Deus que o receba na Sua Glória. Sobre o próximo Papa, rezo para que os senhores cardeais abram o seu coração ao Espírito Santo e escolham para a Cátedra Pedro quem o Senhor deseja.

Rezo sobretudo para que o Bom Deus me livre de ter opiniões sobre quem deve ser o próximo Papa. Para não esperar um pastor à minha medida, que caiba nas minhas limitações, na minha visão do mundo e da Igreja. Rezo para que Deus, mande à Sua Igreja o pastor que Ele deseja, e que a mim conceda a abertura de coração de amar o Papa, seja ele quem for.

domingo, 30 de março de 2025

Discurso Caminhada pela Vida 2025


 

Olá a todos! Muito obrigado!

Mais um ano onde, por todo o país, se Caminhou pela Vida! E é impressionante pensar que ano, após ano, aqui continuamos, sem esmorecer! Alguns de nós já fazemos isto há algum tempo. Felizmente uma grande maioria dos que aqui estão ainda não tinha nascido em 98, na primeira Caminhada pela Vida, mas é impressionante ver como temos tantos e tantos jovens, tantos e tantos.

Este ano cumprem-se 18 anos desde que o aborto livre é legal em Portugal. Ou seja, este ano vai votar a primeira geração que cresceu a ouvir que o aborto era legal!

Mas esta geração, a geração pró-vida continua aqui firme, a caminhar, a dizer com clareza e sem medo, que a vida tem valor desde o momento da concepção até à morte natural! Muito obrigado! A presença destes jovens, a vossa força enche-nos a todos de coragem!

Este ano caminhamos entre legislaturas. Acabou agora uma, vai começar agora outra. E algumas coisas boas aconteceram desde o ano passado: conseguimos travar o avanço dos prazos do aborto, a eutanásia ainda continua sem ser legal, já vão quase dez anos! Há dez anos que estão a tentar e ainda não conseguiram! E esperemos para o ano estar a dizer o mesmo!

E conseguimos dar um belo golpe na ideologia de género nas escolas! É uma vitória, é mesmo uma grande vitória.

Mas vêm aí novas eleições e nós temos duas armas a voz e o voto. E se hoje fizemos ouvir a nossa voz, temos de a continuar a fazer ouvir até dia 18 de maio! Façam-se ouvir juntos dos partidos e dos candidatos a deputados: escrevam-lhes, escrevam para os jornais, publiquem nas redes sociais! Façam ouvir a nossa voz com clareza:

Recusamos o alargamento dos prazos do aborto! Recusamos a Eutanásia! Recusamos a ideologia de género! Mas mais: queremos medidas de concretas de apoio às mulheres e às famílias para que possam ter os seus bebés! Queremos medidas concretas de apoio aos doentes e aos idosos! Queremos liberdade, liberdade de consciência para os médicos e, sobretudo, liberdade para educar os nossos filhos, liberdade para afirmar que um homem é um homem e uma mulher uma mulher! Liberdade para afirmar que o aborto não é um direito, é um mal e tem de ser combatido! E acima de tudo, e deixa-me dizer isto da forma mais clara possível, e sem qualquer tibieza: queremos, lutamos, exigimos, o fim do aborto, sem nenhum se! E não temos ilusões: isso passa sem dúvida por medidas sociais de apoio às grávidas, mas passa também pela ilegalização do aborto!

O aborto não pode ser legal, o aborto não é um direito, um aborto é um crime! O aborto é um crime em qualquer circunstância! O aborto destrói uma vida! O aborto, aliás, destrói duas vidas!

Não nos deixemos enganar pelo discurso de que o aborto legal protege as mulheres, é mentira! Sabem quem o aborto legal protege? O aborto legal protege os patrões que não querem empregadas grávidas, proteges os homens que não querem ter filhos, protege os pais que não querem escândalos na família, protege a sociedade, para quem o aborto é mais barato do que uma criança. O aborto livre não protege as mulheres que querem ter os seus filhos e a quem estado nada oferece que não seja o aborto!

E por isso continuaremos a lutar: pelos bebés que não nasceram, pelas mulheres que são empurradas para o aborto, pelas mulheres cuja a única escolha que têm é entre desemprego, a solidão, a pobreza ou o aborto! Lutamos por elas! Lutamos por um país onde a vida humana é protegida desde o momento da concepção até à morte natural.

Vamos fazer ouvir a nossa voz até dia 18 de maio! E no dia das eleições usemos com sabedoria a nossa segunda arma: o voto! Usemos o nosso voto para construir uma sociedade que defende a vida, que defende a família, que defende a liberdade de educação!  Amigos, peço que façamos da liberdade de educação uma grande causa nossa! 

Votamos em quem defenda a vida desde o momento da concepção, que defenda a família, que defenda a liberdade de educação! Queremos liberdade para educar os nossos filhos!

Amigos, caminhamos este ano e, Deus queira, para o ano voltaremos a caminhar. E vamos continuar a fazê-lo, vamos continuar a dar testemunho da beleza da vida, vamos continuar a construir uma sociedade onde toda a vida tem dignidade! Muito obrigado, que Deus vos guarde e que Deus guarde Portugal! Viva a Vida!

quarta-feira, 12 de março de 2025

Alguns pontos sobre a crise política

 



1.        Qualquer comparação entre Montenegro e Sócrates, como o Chega tem tentado fazer, é rídicula.  A Sócrates não era conhecida qualquer actividade profissional fora da política e ao mesmo tempo, ostentava gastos incompatíveis com o salário que recebia, que era público.  Montenegro, tem actividade profissional há anos, para além da política. Que dessa actividade resultem lucros e que ele os invista, é perfeitamente normal.

2.        A situação de Montenegro também não é comparável à de António Costa, que teve ministros arguidos, o seu próprio chefe de gabinete, e que foi ele próprio investigado. Mesmo que se tenha percebido rapidamente que a investigação do MP era uma mão cheia de nada, Costa não tinha qualquer outra opção que não demitir-se. Para mim, o erro de Marcelo Rebelo de Sousa na altura foi ter dissolvido a Assembleia da República. Havia uma maioria absoluta do PS e condições de governabilidade. Devia ter convidado o PS a formar governo com outro Primeiro-Ministro.

3.        Luís Montenegro já deu explicações minuciosas, mais até do que me parece necessário, sobre os seus negócios. Há um voyerismo nesta situação, típica de quem quer criar desinformação, apenas com objectivos políticos. Basta ver como o Chega, apesar da notícia ter sido desmentida, continua a afirmar que o trajecto do TGV foi alterado para beneficiar a família Viola.

4.        Contudo, apesar das explicações minuciosas de Montenegro, há um pecado original que se mantêm. Não há qualquer problema em político ter tido actividade profissional privada. Pelo contrário até é desejável. Por isso pouco me interessa a lista de clientes de Montenegro ou as casas que comprou. Se houver suspeitas de crime, o Ministério Público que investigue. Mas o primeiro-ministro não pode receber avenças de empresas.

5.        Claro que Montenegro defende-se dizendo que não recebeu, e juridicamente é verdade. Não acredito que tenha feito nada de ilegal. Mas não vale a pena tomar as pessoas por parvas: a empresa que criou é apenas um veículo para a sua actividade profissional, não tem qualquer existência para além do trabalho de Montenegro. Por isso, mesmo que formalmente o primeiro-ministro não receba avenças, na prática é isso que acontece. E à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo.

6.        Por isso Luís Montenegro devia ter-se demitido. Não pela chincana que a oposição montou, mas pela sua própria imprudência. Se o tivesse feito, o PSD podia apontar um novo líder, até talvez fosse possível evitar eleições. Como não o fez, vai levar ao país a eleições, tornando a sua actividade profissional no centro do debate político.

7.        Isto não significa que Chega e PS tenham razão. Não têm. Estão a tentar transformar uma imprudência num crime, e a aproveitar este caso para humilhar publicamente Montenegro, sem qualquer problema em mentir e caluniar, para ter pontos políticos. Mas nada disto aconteceria se o primeiro-ministro tivesse tido o bom senso de acabar com as avenças à sua empresa quando foi eleito.

8.        Nada de bom virá destas eleições. Na melhor hipótese, fica tudo igual, e país continuará ingovernável. Na pior hipótese, o PS ganha as eleições, mas sem uma maioria de esquerda, e o país torna-se ainda mais ingovernável. Num tempo de agitação internacional, é tudo o que não precisávamos.

9.        Há um ano, depois das eleições, defendi que Montenegro se devia demitir. Apostou tudo na estratégia do “não é não” e perdeu. O resultado foi pouco mais de um empate, e a derrota do PS foi fruto do Chega, e não do PSD. Não estando disposto a fazer acordos com o Chega (posição perfeitamente compreensível e razoável), não tinha condições para governar. Passado um ano, fica evidente que tinha razão. Vamos a eleições novamente pela simples razão que Montenegro está mais agarrado ao poder do que ao bem comum. Demonstrou-o há um ano quando decidiu governar sem ter maioria para isso, demonstrou-o agora, quando arrastou todo o governo num escândalo pessoal.

10.   Votarei AD nas eleições, mas mais uma vez, votarei mais vencido que convencido. O governo tem feito um bom trabalho e merece continuar. E a oposição em geral tem demonstrado a sua total irresponsabilidade e incapacidade de apresentar soluções viáveis para o país. Mas a forma como Montenegro se agarra ao poder, e demonstra governar mais pelos tacticismos do que com alguma estratégia de fundo, não entusiasma ninguém.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

O aborto e o crescimento do ódio

 


Primeiro era só para os nascituros com risco de deficiência e para aqueles que foram concebidos por violação. Por alguma razão, um bebé deficiente tem menos valor que um saudável e um nascituro deve pagar pelos pecados do seu pai. Depois era só para evitar que as mulheres fossem presas, mesmo sabendo que não havia uma mulher presa por ter abortado há décadas. Agora afinal é um direito fundamental da mulher, e o bebé é reduzido a uma coisa sem qualquer direito, de tal forma que é preciso alargar os prazos do aborto legal, para garantir que não há qualquer estorvo à possibilidade de eliminar uma vida que não nasceu. Pelo meio, lembraram-se que afinal os doentes e idosos também não têm a mesma dignidade que o resto das pessoas e por isso, quando pedem para morrer, em vez de ser cuidados, devem levar uma injecção letal.

Esta loucura, e não tenho dúvidas que chegará o tempo onde a história assim julgará esta cultura da morte, não começou em 2007, começou em 1984, quando se começou a legalizar o aborto. E não terminou aí, continua viva ainda hoje. E assim irá continuar. Irá continuar porque é fruto de uma cultura que já não reconhece o valor intrinsecamente sagrado da vida humana.

Hoje a Pessoa tem valor na medida em que a sociedade assim o dita. Tem valor na medida em que tem utilidade prática ou afectiva para mim. Se assim não for, não é bem vida, é uma coisa, já não tem dignidade. É esta porta, da redução do outro à ideia que eu tenho sobre ele, que a legalização do aborto abriu. Uma porta que, depois das tragédias do século XX, devia ter sido fechada.

Não nos espantemos por isso que hoje se banalizem o discurso de ódio contra imigrantes, minorias, adversários políticos. A partir do momento em que o homem se fez Deus, e decidiu julgar ele em que momentos a vida humana passa a ter direito a existir, nesse momento, abrimos a porta à redução do outro a um objecto cujo valor sou eu que decido. É deficiente? Pode ser abortado. Está doente? Pode ser morto. A sua vinda não dá jeito? Eliminamos. E chamamos-lhe Direitos.

Dia 11 fez anos o referendo que tornou o aborto livre legal em Portugal. Um pouco por todas as redes sociais vi festejos, como se uma grande conquista se tratasse. Desde então mais de 230 mil crianças não nasceram, pela mão do Estado. É isto que festejavam. Como pode o ódio não triunfar numa sociedade que festeja a morte de centenas de milhares de crianças por nascer?

O artigo podia ficar por aqui. A tentação de apontar o ódio e ficar aí é grande. Mas a verdade é que é mesmo preciso responder é esta pergunta: como, neste tempo onde se festeja a morte de crianças por nascer, é possível não triunfar o ódio. E a resposta, não sendo fácil, é simples. Eu não posso mudar a sociedade, mas posso mudar o meu coração. Não posso impedir que o ódio cresça entre as pessoas, mas posso impedir que cresça em mim. Por isso aquilo que posso fazer, que podemos todos fazer, é responder ao ódio com amor. É diante de quem defende a cultura da morte, afirmar uma cultura de amor à vida. Não há vida em abstracto, mas às vidas concretas das pessoas com quem me cruzo.

Dia 29 de Março a Caminhada pela Vida sai à rua em 13 cidades do país. Um momento preferencial para dar testemunho da beleza da vida. Para responder à cultura do ódio, com uma cultura de amor. Caminhamos não por ódio, mas para dar testemunho de que a vida é sempre bela e pode, e deve ser amada, em qualquer circunstância.