Para surpresa dos
cristãos da Europa, no Domingo de Páscoa assistimos ao aparecimento de um novo
campeão dos cristãos. David Cameron, Primeiro-Ministro do Reino Unido, saudou
os súbditos de Sua Majestade e o resto do mundo com uma belíssima mensagem
pascal.
No seu discurso o
Primeiro-Ministro afirmou que o Reino Unido é um país cristão.
Lembrou a
importância social do Cristianismo e afirmou-se como defensor dos cristãos que
neste momento são perseguidos em vários pontos de África e do Próximo Oriente.
O discurso de
Cameron foi muito bom. Numa hora em que o Ocidente parece ignorar, quer as suas
raízes, quer a perseguição de que os cristãos são alvo em todo o mundo, ver um
líder mundial afirmar tão claramente estes factos acende no coração de todos os
cristãos uma grande esperança.
Contudo, existem
alguns factos que não podemos, nem devemos ignorar, antes de começarmos a
apontar para David Cameron como o campeão dos cristãos.
Antes de mais, é
preciso não esquecer que no dia 7 de Maio haverá eleições gerais no Reino Unido.
E que todas sondagens apontam para uma corrida apertada, sem ser possível ainda
descortinar para quem penderá a vantagem: se para os conservadores de Cameron, se
para os trabalhistas de Miliband.
O que parece ser
mesmo certo é que nem um nem outro conseguirão deputados suficientes para terem
maioria absoluta, nem mesmo com o apoio de Nick Clegg, líder dos Liberais, que
governam em aliança com os conservadores.
Sendo que estas
eleições têm duas grandes novidades. A primeira é que, fruto do referendo na Escócia,
o Partido Nacional Escocês pode vir a eleger até 50 dos 59 deputados da
Escócia. Embora isto sejam más notícias para os trabalhistas, que costumavam
dominar a Escócia, a verdade é que o PNE poderá eleger deputados suficientes
para viabilizar um governo trabalhista, mesmo que estes consigam menos
deputados que os conservadores.
A segunda grande
novidade é o Partido Independente do Reino Unido, dirigido pelo carismático
Nigel Farage, que neste momento se encontra comodamente instalado no terceiro
lugar das sondagens, com 15% das intenções de voto. Embora, devido às
particularidades dos sistema inglês, deva eleger apenas 5 deputados.
Se para Cameron o
problema da Escócia não é um grande transtorno, uma vez que nunca alcançaria um
grande resultado nesse lado da ilha, o Partido Independente está a revelar-se
uma grande dor de cabeça.
De facto, Nigel
Farage tem conseguido ir buscar votos sobretudo junto do eleitorado
conservador. Com as suas ideias eurocépticas e anti-imigração, Nigel Farage tem
conseguido conquistar muitos dos que hoje se demonstram desencantados com a
crescente burocracia politicamente correcta da União Europeia e com a aparente
incapacidade dos líderes políticos em lidar com o crescimento do extremismo
islâmico na Europa e no resto do mundo.
E é o salto do
partido de Farage, para terceira força política do país, que rouba a Cameron a hipótese
da maioria absoluta e que poderá roubar a maioria relativa. E assim, o actual
Primeiro-Ministro, que chegou aos conservadores com o papel de romper a hegemonia
trabalhista dos anos Blair, arrisca-se a ser apenas uma nota de roda pé entre
governos do Labour.
É neste contexto
que David Cameron fez esta inusitada mensagem pascal. Perseguido pelos
socialistas de Ed Miliband, acossado pelos independentes de Nigel Farage, o
Primeiro-Ministro decidiu reafirmar o seu cristianismo, assim como o
cristianismo do Reino Unido.
Contudo, que
cristianismo é este? Segundo o relatório de 2014 da Ajuda à Igreja que Sofre, o
Reino Unido é dos setes países da União Europeia onde o estado da liberdade
religiosa é preocupante. Em 2015 o Tribunal dos Direitos do Homem deu razão a
quatro cidadãos britânicos cristãos que defendiam que o Reino Unido não protegia
os seus direitos à liberdade religiosa. De facto, hoje em dia em Inglaterra a
grande maioria dos cristãos tem medo de se afirmar como tal, por ter medo de
ser descriminado socialmente ou no trabalho.
Para além disso, as
leis contra o Discurso de Ódio têm sido usadas contra pregadores que em público
falam contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou defendem que a
homossexualidade é um pecado. Em Julho de 2013 a polícia prendeu um pregador
que publicamente referiu a homossexualidade como um pecado.
Para além disto,
várias instituições cristãs, tais como escolas ou centros de acolhimento, têm
sido multados ou fechados por defenderem a doutrina cristã sobre a sexualidade.
Há pouco tempo foram retiradas crianças a uma família de acolhimento por esta
se recusar a ensinar a homossexualidade como uma prática normal.
Em 2013 o
milionário Barrie Drewitt-Barlow anuncia que vai intentar uma acção legal
contra para que lhe seja permitido casar-se na Igreja de Inglaterra.
Por isso,
aparentemente, David Cameron promete defender os cristãos por esse mundo fora,
mas nãos se lembrou ainda de defender os cristãos ingleses.
Não pretendo com
este texto diminuir o discurso de David Cameron. Foi um bom discurso, que
exigiu coragem e, acima de tudo, um discurso muitíssimo necessário. O facto de
um líder de um grande país ocidental publicamente relembrar as raízes do
ocidente e denunciar a perseguição de que os cristãos têm sido alvo é importantíssimo
e não posso deixar de aplaudir esse facto.
Por outro lado,
não é minha intenção amesquinhar o discurso do Primeiro-Ministro inglês. O facto
de o discurso ser conveniente, de nunca o ter feito antes e de se mostrar impotente
para combater a discriminação aos cristãos no seu próprio país, não significa
que a mensagem de Cameron não seja sincera ou que não exija coragem.
Contudo, não
alinho numa onda de entusiasmo, que eleva David Cameron a grande líder mundial
e defensor da cristandade. Bem sei que o Reino Unido é protestante, e que por
isso para eles a Fé basta. Mas eu, como católico, estou como São Tiago: Se um irmão ou irmã estiver necessitando de
roupas e do alimento de cada dia e um de vós lhe disser: “Vá em paz,
aqueça-se e alimente-se até se satisfazer”, sem porém lhe dar nada, de que
adianta isso? Assim também a fé, por si só, se não for acompanhada de obras,
está morta.
P.S.: Podem ler aqui o discuros que David Cameron fez nos 400 anos da da Biblía do Rei Jaime. Foi em 2011 e também nessa altura o Primeiro-Ministro inglês afirmou a sua fé e defendeu que o Reino Unido é um pais cristão.
P.S.: Podem ler aqui o discuros que David Cameron fez nos 400 anos da da Biblía do Rei Jaime. Foi em 2011 e também nessa altura o Primeiro-Ministro inglês afirmou a sua fé e defendeu que o Reino Unido é um pais cristão.
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