1. A Federação Portuguesa pela Vida (FPPV) produziu o manifesto O Valor do Outro que procura ser um contributo sobre a política actual. No âmbito da promoção do manifesto organizou duas sessões públicas (ambas disponíveis no canal da FPPV no YouTube): uma com o Prof. César das Neves e a Prof. Patrícia Fernandes e um encontro para o qual convidou todos os partidos com assento parlamentar.
Antes de falar sobre o encontro com os partidos faço só uma pequena introdução sobre o trabalho da FPPV. Só desde 2015 esta associação apresentou a Iniciativa de Cidadãos pelo Direito a Nascer, que reunião mais de 48 mil assinaturas e foi aprovada no Parlamento. Produziu a petição Toda a Vida tem Dignidade que recolheu 16 mil assinaturas. Fez uma extraordinária campanha contra a eutanásia, onde se destaca a Iniciativa Popular de Referendo que recolheu 95 mil assinaturas. Para além disso tem realizado anualmente a Caminhada pela Vida que este ano acontecerá em 13 cidades do país e que todos os anos traz à rua mais de 10 mil pessoas. Isto são apenas os eventos maiores, já que também organizou dezenas de conferências, coordenou várias campanhas de comunicação e mantém uma presença activa na política. Tudo isto baseado quase exclusivamente em trabalho voluntário, sem qualquer financiamento público (ao contrário das associações que tantas vezes nos opõem), numa história que conta já com mais de vinte anos. Ou seja, a FPPV é uma caso ímpar de política cívica, nascida e sustentada pelo empenho da sociedade civil.
Seria de esperar que os partidos, mesmo o que de nós discordam, tivessem respeito por todo este trabalho cívico. Dos partidos convidados, só três reponderam. O Partido Socialista, dos seus 230 candidatos à Assembleia da República, não encontrou nenhum com disponibilidade para conversar connosco. A Aliança Democrática enviou o Paulo Núncio (e convém aqui sublinhar que foi a AD que escolheu o seu representante) e o Chega Pedro enviou Pedro Frazão.
2. Durante o encontro foram feitas várias perguntas aos dois candidatos a deputados, sobre os vários temas do manifesto O Valor do Outro. O papel de moderador foi assegurado por mim, que tentei não condicionar nenhuma resposta, confiando na capacidade de quem assistia em ajuizar sobre as repostas que ouvia.
É verdade que Paulo Núncio afirmou ali estar como representante da AD, mas também é verdade que várias vezes explicou qual era a sua opinião pessoal, qual era a posição do CDS e qual era a posição do PSD, deixando claro que, depois das eleições haverá dois grupos parlamentares, com visões diferentes sobre estes temas. Respostas esta que levaram até a ser contestado por algumas das pessoas que assistiam ao encontro.
Em momento algum Paulo Núncio propôs um novo referendo sobre o aborto ou afirmou qualquer intenção de a AD o fazer. Aquilo que disse, e que pode ser ouvido, é que a única forma de reverter a actual lei, que foi aprovado por referendo, é com um novo referendo.
3. A tentativa de usar as declarações de Paulo Núncio como um anúncio de uma qualquer intenção escondida da AD são absurdas e abusivas, e tratam-se da especialidade da esquerda (a mesma que ignora os cidadãos que os convidam para conversar) de inventar uma narrativa que lhes favoreça.
Infelizmente, e de forma cobarde, ninguém à direita teve coragem para denunciar a falsidade desta narrativa. A AD preferiu simplesmente deixar cair um homem corajoso que afirma aquilo em que acredita, com medo de enfrentar a esquerda, deixando-se assim mais uma vez condicionar pela narrativa cultural da esquerda, erro que continua a pagar caro. É esta razão que leva a que a direita só governe em crise: a ausência de coragem em defender qualquer posição que vá para além da economia.
4. Não é verdade que tenha sido Paulo Núncio, ou sequer a FPPV, a introduzir o tema do aborto na campanha eleitoral. Ele está presente no programa do Livre, do Bloco e do PS. Estes partidos defendem antes de mais o alargamento dos prazos do aborto legal, desrespeitando assim o referendo que legalizou o aborto. Talvez ainda mais grave, propõem “regular” a objecção de consciência, um direito fundamental, que a esquerda quer condicionar.
A esquerda continua afirmar que o aborto é um direito, o que é falso. O aborto é um crime previsto no Código Penal (e nenhuma partido veio defender que assim o deixe de ser), que admite (infelizmente) excepções. Quem defende que o aborto é um direito, defende que um acto seja, ao mesmo tempo, um direito fundamental e um crime. Se for às nove semanas, ninguém pode contestar, se for às 11 (ou às 13, ou às 16 conforme os projetos de cada partido) é um crime que deve ser punido. Um absurdo só possível pelo facto de a lógica ser hoje um velharia substituída pelas sensações.
5. Infelizmente e de forma cobarde, a direita embarcou na narrativa da esquerda e recusou denunciar a sua narrativa, assim como o ataque ao direito dos médicos a não ser prejudicados por questões de consciência. Preferiram todos fingir ser grave Paulo Núncio vir falar com uma associação cívica com um trabalho político único, fingir que ele tinha proposto o que não tinha e ignorar as propostas da esquerda sobre o tema. Não perceberam que mais uma vez alinharam numa tentativa de silenciar uma parte da população, cívica e politicamente activa, que neste momento não se sente representada em qualquer partido.
6. Toda esta polémica teve duas grandes vantagens. Primeiro, trazer à luz as propostas que a esquerda tem sobre o aborto. Ao contrário do que é habitual, desta vez ninguém pode dizer que não sabia ao que eles vinham. Infelizmente, o debate neste campo foi ganho por falta de comparência.
A segunda grande vantagem foi que deixou claro que hoje a narrativa é de tal forma dominada pela esquerda, que é impossível falar em defesa da vida por nascer. Em nome da ideologia, ignora-se a realidade biológica, para que todos fiquem de consciência tranquila.
Só pode afirmar que o aborto é um tema pacificada quem desconhece totalmente os dramas do terreno. A FPPV, através das suas associadas no terreno que anualmente apoiam centenas de mulheres, sabe bem como o aborto hoje é usado como coacção por companheiros e patrões, como a maior causa do aborto é a pobreza, a ausência total de respostas do Estado para as grávidas em dificuldade, a ausência de respostas sociais para as mulheres que não querem abortar. Só para quem vive na Torre de Marfim da política e vê a realidade através da bolha das redes sociais ou dos comentadores, é que pode afirmar que a questão do aborto está pacificada.
7. Por isso é mais urgente que nunca dar testemunho da beleza e da dignidade de cada Vida. O aborto já não é uma batalha política, é uma batalha cultural. Pela reafirmação do valor da vida por nascer, pela proteção da maternidade, pela liberdade de afirmar a ciência em detrimento da ideologia. É isso que o movimento pró-vida tem feito em Portugal nas últimas década, é isso que iremos continuar a fazer, apesar das falsas narrativas da esquerda e da cobardia da direita.
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