1.
A decisão de fazer uma sessão comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da
República é um disparate digno do autismo da nossa esquerda. Se em tempos de
guerra, em que o povo é mandado para a frente de batalha, e os que não vão têm
que trabalhar para manter a guerra, em tempos de pandemia o que é pedido ao
povo é que fique em casa e saia só na estrita medida do necessário. Por isso se
em tempo de guerra os deputados devem dar o exemplo indo ao parlamento, mesmo
que correndo perigo, em tempo de pandemia o exemplo que há a dar é só ir ao
parlamento na medida estritamente necessária. Uma democracia madura não precisa
de festa na Assembleia da República para festejar a liberdade, deve usar essa
liberdade que festeja para dar o exemplo ao povo, ficando em casa até num dia
essencial do regime.
Insistir
em festejar o 25 de Abril na Assembleia da República não é um sinal de força,
mas da fragilidade do regime. Do regime que se vai pavonear, entre pares,
enquanto o povo faz sacrifícios pelo bem comum. Das figuras do regime que se
celebra a si mesmo, enquanto médicos, enfermeiros, cuidadores, funcionários dos
lares não festejam com a família para cuidar de quem precisa. Dos donos de
Abril, a quem pouco lhes importa os polícias que lhes guardam os portões, os
motoristas que os conduzem, e as empregadas que lhes limpam o chão, para eles
poderem ter a sua festa.
Por
isso esteve bem o presidente do CDS em denunciar esta decisão da Assembleia da
República e por ter recusado participar na celebração. Será a primeira vez que
tal acontecerá.
Contudo,
é preciso distinguir os titulares de um órgão de soberania, do órgão em si. Ou
seja, se podemos considerar que Ferro Rodrigues é um tiranete boçal, indigno do
cargo que ocupa, se podemos considerar que os deputados que decidiram manter o
festejo são tontos com a cabeça cheia de palavras de ordem, há um respeito que
é devido à Assembleia da República que é independente dos seus titulares. Os
deputados podem merecer o meu desprezo, a Assembleia da República, enquanto órgão
de soberania, enquanto órgão que representa o povo português merece respeito.
Mesmo quando erra, mesmo quando os deputados tomam decisões indignas. Por isso
aliás, esteve bem o CDS ao anunciar que estaria presente um deputado na sessão
comemorativa do 25 de Abril.
É
preciso distinguir aquilo que é política daquilo que é respeito institucional.
Se politicamente é condenável a celebração do 25 de Abril, institucionalmente é
uma decisão da Assembleia da República.
2)
Foi hoje noticiado que o Patriarca de Lisboa iria estar presente na sessão
comemorativa do 25 de Abril na Assembleia da República. Logo começou o habitual
coro de indignados, sobretudo católicos, contra o Patriarca. Todos apresentaram
muitas boas razões para o Senhor Patriarca não participar em tal sessão. O
problema é que todas essas razões, por muito boas que sejam, são razões
políticas. E a Igreja, que o Senhor Patriarca representa, não faz política.
Eu
bem sei que há muito boas razões para estar contra esta sessão (como aliás
enunciei em cima) e mais razões ainda para um católico estar contra este governo
e contra a actual maioria parlamentar (que há dois meses aprovou a morte a
pedido). Mas tudo isso é um cálculo político, que não é o cálculo da Igreja.
A
Igreja existe para salvar as almas. Os bispos não existem para afirmar uma
agenda política, mas para anunciar Cristo. Evidentemente que a Igreja está no
mundo, e por isso os Bispos devem-se pronunciar sobre política: quando estão em
causa questões que violam a dignidade humana, a moral, ou a liberdade dos
cristãos. E têm-no feito, sem medo, tantas vezes. Na questão dos colégios com
contrato de associação, na Ideologia de Género, na Eutanásia. Mas não devem
fazer política. Os bispos educam, cabe aos leigos fazer política.
A
relação da Igreja com o Estado não deve ser política, mas institucional. O
Patriarca de Lisboa sempre foi convidado para as celebrações do 25 de Abril e
quase sempre marcou presença. Não participar este ano porque discorda do modelo
das celebrações é uma posição política que a Igreja não deve tomar. Isso
significaria tomar pé numa discussão política (justa sem dúvida) mas que não
diz respeito à Igreja. Ao Patriarca de Lisboa cabe manter uma relação
institucional com a Assembleia da República.
Não
é o cidadão Manuel Clemente que é convidado, mas Dom Manuel III, Patriarca de
Lisboa e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E se o cidadão Manuel
Clemente pode achar que Ferro Rodrigues é isto e os deputados aquilo, ao
Patriarca de Lisboa só cabe respeitar a Assembleia da República enquanto órgão de
soberania.
Os
católicos portugueses têm um defeito: são muitíssimo clericais. Querem sempre
que os bispos travem as suas batalhas. Em qualquer questão política que
consideram ser de “consciência” a solução é quase sempre a mesma: a Igreja
devia fazer qualquer coisa. Ou seja, nós ficamos quietos a resmungar, mas
queremos que os bispos façam o que nós queremos. Meus amigos, deixem-me dizer:
é ao contrário! Não é ao povo que cabe educar os bispos, mas aos bispos que
cabe ensinar o povo. A nós é que nos cabe depois fazer política.
Eu
ao meu bispo, ao Patriarca de Lisboa, só peço que me eduque na doutrina (que
faz), que me confirme na fé (que confirma), que seja testemunha de Cristo (que
é), que me edifique com a sua piedade (que edifica), que presida à Igreja de
Lisboa na caridade (que preside) e que me deixe fazer política (que deixa). Por
tudo isto lhe devo a minha gratidão filial.
Com desculpas de discordar, com amizade, este texto chama-se compor um ramalhete branqueador por cima de uma situação cuja adjectivação me coíbo de expor publicamente, por razões de decoro relativamente à Santa Igreja. Abraço
ResponderEliminarE o bispo de Lisboa não podia alegar questões de segurança sanitária para não estar presente? Não há condições de segurança para haver missa mas há para ir até às AR? Por favor.
ResponderEliminarSe não concorda, não vai. Ir para lá espalhar o cheiro a enxofre é mau para a saude publica. Tão triste que está com as cerimonias, o patriarca...tadinho!...em tempos recordo que a igreja dizia que a esquerda, os comunas,matavam os velhinhos e comiam as criancinhas...nota se agora quem quer eliminar os mais idosos e quem "come" as criancinhas...
ResponderEliminarObrigada por este artigo! Ajudou-me a colocar-me perante esta situação.
ResponderEliminarFundamentalmente porque também me revejo no último parágrafo que escreveu.
E sinto que não devo ao Cardeal Patriarca apenas a minha gratidão filial mas também a minha fidelidade esclarecida. Posso não gostar, mas confio.
Tenho estado calada a ler os protestos que correm nas redes sociais sem saber exatamente o que pensar mas, com algum desconforto, pois evito julgar precipitadamente accoes/decisoes das quais nao tenho a informacao toda. Concordo consigo. Este artigo ajudou-me no bom sentido. Nao gosto da prontidao com que as pessoas julgam os outros e normalmente sem estarem inteiradas de tudo, nem darem o beneficio da duvida!
EliminarO Presidente da CEP vai porque é politicamente correcto ir.
ResponderEliminarPois faz muito mal.
A função dele não tem que ver com o politicamente correcto, mas com ser Igreja.
É lamentável.
É lamentável que se prescinda de celebrações litúrgicas, por segurança, e se participe na AR por ser o mais correcto politicamente falando.
Não é pro ser o politicamente correcto, é preciso para não ser político mas institucional.
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