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segunda-feira, 9 de março de 2020

Prendam Rui Pinto



Imaginemos que alguém todos os dias abria a nossa caixa do correio e lia toda a nossa correspondência. Imaginemos que essa pessoa todos os dias entrava no nosso escritório e vasculhava todos os nossos arquivos. Lia, copiava e guardava, tudo: desde assuntos profissionais até assunto íntimos. Imaginemos que para além disso sabíamos que o fazia com centenas de outras pessoas, sem saber quantas. Imaginemos que não sabemos nada dos seus objectivos. A única coisa sabemos é que tem um arquivo gigantesco que vai revelando conforme lhe apetece, sem qualquer controle.

Foi isto que Rui Pinto fez. Só quem em vez de arrombar caixas de correio e invadir escritórios, fê-lo com um computador. Não sabemos a quem ele o fez, nem com que critério. Sabemos apenas que usou os seus conhecimentos informáticos para obter informações privadas de pessoas e empresas, que vai revelando conforme lhe apetece e como lhe apetece.

Podemos tentar dizer que é um justiceiro, que busca apenas a justiça (embora o facto de já ter tentado obter dinheiro em troca dessas informações tornem difícil esta defesa). Mas a verdade é que o fez invadido a privacidade de centenas de pessoas, pelos simples facto que o consegue fazer. E depois, no meio de mails pessoais, de informações de negócios confidenciais, de revelações feita em confidência a advogados, decidiu revelar o que lhe pareceu bem.

Rui Pinto não é um herói, é um criminoso. Um criminoso que usa a informação que descobriu ilegalmente, como moeda de troca para servir os seus propósitos. O facto dos seus propósitos se poderem cruzar com o interesse público (ou com os interesses clubisticos) não o transformam num herói. Libertar Rui Pinto porque ele pode dar informações importante para a justiça é acabar com o direito á privacidade. É afirmar que qualquer um pode vasculhar privacidade de outra pessoa desde que consiga entregar provas de um qualquer acto ilícito.

Num tempo em que há tanta preocupação com a violação da privacidade por parte do Estado, parece haver pessoas, como Ana Gomes, que estão dispostos a entregar a privados o poder que (e bem) recusam ao Estado.

Para que o Estado faça uma revista, uma busca ou uma escuta, exigimos um conjunto de protocolos que asseguram o direito dos cidadãos à sua privacidade. Mas pelos visto existe quem queira dar esse poder, sem qualquer controle, a um pirata informático.

Os fins não justificam os meios. No dia em que o Estado passar por cima dos direitos dos cidadãos para perseguir criminosos, é o dia em que a Justiça morre. É o dia em que damos ao Estado o poder de decidir quem tem direitos e quem não os tem. É o dia em que retiramos ao Poder as algemas colocadas pelo Direito para garantir a Justiça.

Claro que me preocupa muito que o Estado não consiga prender um criminoso. Mas preocupa-me muito mais que o Estado venha a ter poder de perseguir inocentes. Preocupa-me o justicialismo. Preocupa-me que se dê poderes a um cidadão de vasculhar a vida de todos para satisfazer a sede de sangue do populismo.

O Estado não é pessoa de bem. Por isso o seu poder deve estar restrito pelo Direito. Dizia Benjamin Franklin “Those who would give up Essential Liberty to purchase a little Temporary Safety, deserve neither Liberty nor Safety”.

Rui Pinto não merece qualquer medalha, e ainda menos qualquer poder. Por mim, as informações que recolheu, por muitas interessantes que sejam, devem ser apagadas, inutilizadas, incendiadas. E quanto a ele deve-lhe acontecer o mesmo que aqueles que roubam o que não é seu: ser preso.

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