Imaginemos que alguém todos os dias abria a nossa
caixa do correio e lia toda a nossa correspondência. Imaginemos que essa pessoa
todos os dias entrava no nosso escritório e vasculhava todos os nossos
arquivos. Lia, copiava e guardava, tudo: desde assuntos profissionais até
assunto íntimos. Imaginemos que para além disso sabíamos que o fazia com
centenas de outras pessoas, sem saber quantas. Imaginemos que não sabemos nada
dos seus objectivos. A única coisa sabemos é que tem um arquivo gigantesco que
vai revelando conforme lhe apetece, sem qualquer controle.
Foi isto que Rui Pinto fez. Só quem em vez de
arrombar caixas de correio e invadir escritórios, fê-lo com um computador. Não
sabemos a quem ele o fez, nem com que critério. Sabemos apenas que usou os seus
conhecimentos informáticos para obter informações privadas de pessoas e
empresas, que vai revelando conforme lhe apetece e como lhe apetece.
Podemos tentar dizer que é um justiceiro, que
busca apenas a justiça (embora o facto de já ter tentado obter dinheiro em
troca dessas informações tornem difícil esta defesa). Mas a verdade é que o fez
invadido a privacidade de centenas de pessoas, pelos simples facto que o
consegue fazer. E depois, no meio de mails pessoais, de informações de negócios
confidenciais, de revelações feita em confidência a advogados, decidiu revelar
o que lhe pareceu bem.
Rui Pinto não é um herói, é um criminoso. Um
criminoso que usa a informação que descobriu ilegalmente, como moeda de troca para
servir os seus propósitos. O facto dos seus propósitos se poderem cruzar com o
interesse público (ou com os interesses clubisticos) não o transformam num
herói. Libertar Rui Pinto porque ele pode dar informações importante para a
justiça é acabar com o direito á privacidade. É afirmar que qualquer um pode
vasculhar privacidade de outra pessoa desde que consiga entregar provas de um
qualquer acto ilícito.
Num tempo em que há tanta preocupação com a
violação da privacidade por parte do Estado, parece haver pessoas, como Ana Gomes,
que estão dispostos a entregar a privados o poder que (e bem) recusam ao
Estado.
Para que o Estado faça uma revista, uma busca ou
uma escuta, exigimos um conjunto de protocolos que asseguram o direito dos
cidadãos à sua privacidade. Mas pelos visto existe quem queira dar esse poder,
sem qualquer controle, a um pirata informático.
Os fins não justificam os meios. No dia em que o
Estado passar por cima dos direitos dos cidadãos para perseguir criminosos, é o
dia em que a Justiça morre. É o dia em que damos ao Estado o poder de decidir
quem tem direitos e quem não os tem. É o dia em que retiramos ao Poder as
algemas colocadas pelo Direito para garantir a Justiça.
Claro que me preocupa muito que o Estado não
consiga prender um criminoso. Mas preocupa-me muito mais que o Estado venha a
ter poder de perseguir inocentes. Preocupa-me o justicialismo. Preocupa-me que
se dê poderes a um cidadão de vasculhar a vida de todos para satisfazer a sede
de sangue do populismo.
O Estado não é pessoa de bem. Por isso o seu poder
deve estar restrito pelo Direito. Dizia Benjamin Franklin “Those who would give up Essential Liberty to
purchase a little Temporary Safety, deserve neither Liberty nor Safety”.
Rui Pinto não merece qualquer medalha, e ainda
menos qualquer poder. Por mim, as informações que recolheu, por muitas
interessantes que sejam, devem ser apagadas, inutilizadas, incendiadas. E
quanto a ele deve-lhe acontecer o mesmo que aqueles que roubam o que não é seu:
ser preso.
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