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quarta-feira, 6 de novembro de 2019

A exumação de Franco e a trincheira ideológica.





Quando Franco morreu foi sepultado na Basílica do Vale dos Caídos. O Vale dos Caído é um monumento imponente, construído durante o franquismo para sepultar os mortos de ambos os lados da Guerra Civil de Espanha.

A retirada dos restos mortais de Franco do Vale é uma guerra antiga da esquerda, que Pedro Sanchéz decidiu levar até ao fim. Por isso há duas semanas, depois de um processo atribulado, Franco foi exumado e os seus restos mortais transladados para o mesmo cemitério onde está enterrada a sua mulher, com acesso restrito ao seu túmulo.

O que mais me impressionou na exumação de Franco não foi o facto em si, mas a irresponsabilidade de Pedro Sanchéz.

Espanha não tem um problema com o franquismo. Para além de umas centenas de caturras que todos os anos participavam numa missa e cantavam o Cara al Sol, não se conhecem movimentos políticos ou sociais a gritar pelo regresso do franquismo. A transição para a democracia em Espanha foi um sucesso.

Esta decisão, de exumar Franco, foi feita apenas com um fim político: garantir poder ao PSOE. Ao exumar Franco, Sanchéz colocou em cheque o PP e o Ciudadanos(se são contra são fascistas, se são a favor são traidores, se não têm opinião, cobardes) e deu força ao Vox que vestiu a pele da direita corajosa, verdadeiramente espanhola, sem medo de enfrentar o “politicamente correcto”.     

E dar força ao Vox serve os propósitos de Sanchéz que aposta tudo numa polarização de Espanha. Sanchéz exumou Franco para causar revolta na direita, para logo a seguir poder gritar: vêm aí os fascistas! O presidente do governo espanhol quer ganhar as eleições à custa da divisão das duas espanhas. Quer aprofundar essa divisão e estabelecer-se como o campeão da esquerda.

Esta política seria sempre perigosa. Mas é mais perigosa num país onde os avós dos actuais eleitores, mataram e morreram por causa destas divisões. Num país onde a cicatriz da guerra e da ditadura ainda não está fechada. Pelo poder, Sanchéz demonstra-se disposto a reabrir essa cicatriz o mais profundamente possível.

Infelizmente, Pedro Sanchéz não é um caso isolado, mas uma tendência cada vez mais disseminada. A política está cada vez mais polarizada. Cada vez mais os políticos aproveitam o descontentamento popular para fazer uma política de trincheira, transformando os adversários em inimigos a abater. Esta política afasta os moderados e abre o campo para eleições disputadas por Trump e Clinton, Bolsonaro e Haddad, Jonhson e Corbyn.

Mas não se confunda a moderação com uma ausência de firmeza. E não se confunda ideais com ideologia. Aquilo a que assistimos é a uma política cada vez mais ideológica. Ou seja, uma política onde um meio para atingir o bem comum é transformado num fim em si mesmo, transformando quem discorda num adversário, com o qual não é possível qualquer hipótese de diálogo.

Pensemos, por exemplo, na luta pela igual dignidade de todas as pessoas. Esta luta pela igualdade, transformada num fim em si mesmo, permite colocar a igualdade acima da dignidade humana. Por isso, em nome da igualdade entre homem e mulher, se defende o aborto. E transforma-se quem é contra o aborto num inimigo da mulher! Mas não nos enganemos, o contrário também é possível. É possível proclamar a defesa da herança cristã da Europa até ao ponto de estarmos dispostos a permitir que morram pessoas no Mediterrâneo.

A defesa do bem comum exige a capacidade de diálogo com quem discorda de mim, de construir em conjunto, de procurar, não consensos, mas pontos comuns a partir dos quais seja possível trabalhar para a sociedade. Evidentemente que em política tem que haver debate, discussão. Tem que haver quem ganha e quem perde. Mas também é preciso olhar para o adversário não como um mal, mas como alguém que procura o bem comum. Mesmo que a sua visão desse bem comum esteja errada!

A alternativa ao diálogo é de facto o extremar da política a que estamos a assistir. Onde o vencedor se ocupa mais em destruir a obra do seu antecessor do que em construir.
O futuro desta política de trincheira pode ser entrevisto naquilo que hoje acontece na Catalunha: um povo em luta consigo mesmo, sem que se veja qualquer solução que não passe pela vitória de uma facção e o esmagamento da outra.

A exumação de Franco será apenas uma nota de rodapé nos livros de história. A política de polarização de Sanchéz poderá vir a ser o fim de Espanha. Dificilmente alguma coisa mudará com as eleições de 10 de Novembro. Esperemos pelo menos que o resto do mundo aprenda alguma coisa.

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