1. Inicio
Os
séculos XIX e XX foram séculos de grandes transformações políticas
na Europa. A Revolução Francesa abriu as portas a um modo de pensar
a política e a sociedade pós-cristã. A unidade entre o trono e o
altar foi ruindo com o avanço do liberalismo até não restar na
Europa católica um único trono. Ao mesmo tempo, com a Revolução
Industrial houve um êxodo do campo para a cidade, aparecendo o novo
fenómeno social do operariado.
Este
fenómeno não foi constante nem homogéneo. Antes fez parte de uma
tendência, a laicização do poder e da sociedade, que se foi desenrolado de
diversas formas e velocidades na Europa. Contudo, para os católicos
da passagem do século XIX para o século XX era evidente que se
tinha tornado necessário defender politicamente aquilo em que
acreditavam contra o avanço de ideologias anti-cristãs.
É
neste contexto que nasce a democracia cristã, como movimento de
católicos (e mais tarde na Alemanha também de protestantes)
empenhados na política. A democracia cristã não nasceu como mais
uma ideologia mas sim como alternativa a estas. Num tempo em que a
política se dividia entre os que defendiam o "povo", os
que defendiam a "nação", os que defendiam a "raça",
etc., a democracia cristã defendia o Homem, em toda a sua
diversidade e dignidade, no centro da política.
Baseando-se
na Doutrina Social da Igreja, a democracia cristã defende o direito
à vida em qualquer circunstância; a família como célula base da
sociedade; o direito ao trabalho e à dignidade no trabalho; uma
economia moral, com liberdade e respeito pela propriedade de cada um,
mas sem esquecer o seu fim social; um Estado que defende os
direitos individuais e sociais, especialmente a liberdade religiosa e
de educação, mas também um Estado social que se interesse e
defende os mais frágeis; uma comunidade internacional baseado na
ideia da irmandade dos povos, no direito e no respeito pelas nações;
um mundo em paz mas capaz de defender as vítimas de agressões
injustas; uma ciência ao serviço do homem, com respeito pela sua
dignidade; uma exploração da natureza como bem comum ao serviço de
todos os homens.
A
democracia cristã não encaixa por isso nas caixas ideológicas
inventadas por politólogos, não é de direita nem de esquerda, não é
nacionalistas ou internacionalistas, não é estatista ou liberal. A
democracia cristã, enquanto presença cristã na política, não se
deixa espartilhar numa ideologia, antes afirma-se como um ideal da
política ao serviço do Homem.
2.
Os Partidos
A
democracia cristã deu origem a vários partidos um pouco por toda a
Europa. Sem eles não é possível perceber o século XX europeu. Os
democratas cristãos foram essenciais na oposição a Hitler na
Alemanha e na Áustria, na reconstrução da Itália do pós-guerra e
no nascimento da União Europeia. A democracia cristã deu à Europa
líderes como Konrad Adenauer, De Gasperi, Helmuth Kohl, Robert
Schuman, Éamon de Valera ou Lech Walesa.
Em
Portugal a democracia cristã desenrolou um papel importante na
construção da democracia. Se é verdade que só o CDS se afirmou
desde sempre como democrata cristão, também o PSD adoptou, nos seus
princípios, boa parte da doutrina democrata cristã.
Ainda
hoje os partidos democratas cristãos têm uma enorme importância na
Europa. A chanceler alemã Angela Merkel ou o presidente da Comissão
Jean-Claude Juncker pertencem a partidos democratas cristãos.
Infelizmente estes partidos, assim como os seus congéneres europeus,
pouco ou nada têm do espírito que iniciou o movimento da democracia
cristã.
Num
tempo onde a política é cada vez mais um jogo de aparências, com
pouca ou nenhuma substância, democracia cristã é aquilo que for
preciso para o partido crescer e ganhar o maior número de votos
possíveis. Evidentemente que se mantêm algumas das ideias originais
da democracia cristã, mas apenas como bagagem ideológica a que se
recorre quando necessário.
3.
Democracia cristã hoje?
A
democracia cristã ainda tem algo para oferecer a política dos nosso
dias? Sem dúvida que sim.
Num
tempo onde os partidos tradicionais parecem desligados da realidade,
perdidos entre um discurso politicamente correcto e a necessidade de
ganhar votos; num tempo onde a desconfiança da política leva ao
reaparecimento de velhas ideologias; num tempo onde a luta política
se encontra polarizada, onde já não interesse o bem comum mas o bem
do partido, a democracia cristã tem um contributo para oferecer.
Mas
não o fará se for simplesmente a trincheira dos "valores
cristãos", uma espécie de aldeia dos irredutíveis gauleses que
resiste hoje e sempre ao invasor. Se o empenho cristão na política
se limitar aos temas "cristãos" acabaremos tão presos na
ideologia como os outros. A democracia cristã como mera reacção a
um mundo hostil não só é inútil como está condenada ao falhanço.
O que
a democracia cristã tem de útil para o nosso tempo é esta visão
de uma política ao serviço do Homem, que não parte da ideologia
para encontrar soluções para os problemas, mas que diante de cada
desafio procura o caminho que sirva a dignidade humana. Evidentemente
que uma política ao serviço do Homem é uma política que defende a
vida em todas as circunstâncias, que defende a família, que defende
uma economia justa, que defende a justiça social e a paz. Mas tudo
isto são consequências da dignidade humana e não um fim em si
mesmo.
O
grande desafio para a democracia cristã no nosso tempo não é a
defesa dos "valores" (uma nova versão do "proletariado",
do "Estado" ou da "nação") mas servir o Homem
na política. Se assim for, então vale a pena ser democrata cristão hoje.
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