Está
a começar novo debate sobre a eutanásia. Isto significa que haverá nos próximos
meses muita campanha sobre o assunto, muitos argumentos a ser usados, muitos
factos. E a verdade é que estas campanhas são sobretudo políticas, e por isso
os argumentos mais eficazes nem sempre são os mais importantes. Não o digo como
critica: são as regras do jogo.
Mas
não quero começar esta campanha sem apontar o ponto central do que estamos a
discutir: a Vida humana é sempre digna e ninguém, nem o Estado, tem
legitimidade para dispor dela.
O
valor da Vida é objectivo, ou seja, não depende de qualquer circunstância.
Qualquer Ser Humano, pequeno ou grande, saudável ou doente, novo ou velho, tem
igual dignidade. Não há nada na doença ou no sofrimento que tornem a vida
indigna.
Ao
Estado não cabe dispor sobre a Vida, cabe respeitá-la e protegê-la em qualquer
circunstância. O Estado não é Senhor da Vida, não tem poder sobre ela, não a
define. A Vida Humana é inviolável, não por estar assim disposto na
Constituição, mas por ser uma realidade que antecede a Constituição e o Estado.
A regra constitucional não concede qualquer direito à Vida, apenas o reconhece
como Direito Fundamental.
A
Assembleia da República não tem legitimidade para legalizar a eutanásia, não
porque falte debate ou porque o assunto não esteja nos programas da maior parte
dos partidos, mas porque a Assembleia da República não tem legitimidade para
decidir que vidas são dignas e que vidas não o são. Mesmo que todos os
portugueses fossem favoráveis à eutanásia, o Estado continuaria sem legitimidade
para tornar legal matar alguém.
Porque
é preciso ser claro: a eutanásia é matar. Eu sei que há uma tentativa de
romantizar o problema, usando eufemismos e baralhando propositadamente
conceitos. Mas o que está a ser discutido é se um médico, mandatado pelo Estado,
pode administrar a um doente, a pedido desde e autorizado pelo Estado, uma substância
para o matar. Ou, em alternativa, se lhe pode dar uma substância para que o
doente se mate. E nenhum poder tem legitimidade para legalizar isto.
O
mandato “não matarás” que atravesse 2500 anos até ao nosso tempo, permanece
hoje tão verdadeiro como no primeiro dia em que foi escrito no Sinai. Alguns
dirão que os mandamentos são religiosos. Com certeza. Mas não são menos verdade
por isso. E o facto é que foi sobre este valor, da Dignidade Humana que proíbe que
se mate, que a nossa civilização foi construída. Não matar não é apenas uma
questão de fé, é o alicerce da sociedade ocidental.
Legalizar
a eutanásia, ou em linguagem jurídica, legalizar o homicídio a pedido da
vítima, é retroceder aos tempos bárbaros onde os velhos e doente eram mortos
para não serem um estorvo. Não é um progresso, é um regresso ao passado.
Deveria
bastar para rejeitar a eutanásia a simples constatação de que não se mata.
Infelizmente não basta. Serão precisos outros argumentos. Vai ser preciso falar
do papel da sociedade, de como esta lei não tem qualquer relação com a
autonomia pessoal. Vai ser preciso falar da rampa deslizante na Holanda e na
Bélgica. Falar do papel do Estado e da Sociedade no acompanhamento das pessoas
em fim de vida. Vai ser preciso combater desinformação, explicar o que é a distanásia
e o encarniçamento terapêutico. Vai ser preciso explicar, pela milionésima vez
que não se trata de desligar máquinas, que os doentes já têm poder para
rejeitar tratamentos. E haverá provavelmente momento no debate onde nos iremos
perder nestes argumentos, e agarrar-nos a coisas menores, mas que são eficazes
na batalha política. Que seja, faremos o que for preciso para ganhar esta luta.
Mas
não quero começar esta batalha sem relembrar o óbvio, por muito que isso não
seja eficaz politicamente: a Vida Humana é sempre digna, e nenhum poder pode
dispor sobre ela. Uma lei que permita matar, mesmo que a pedido da vítima, será
sempre iníqua e ilegítima. E isto será sempre verdade, mesmo que a eutanásia
passe a ser lei. Diz Aragorn, personagem d’O Senhor dos Anéis: “O bem e o mal
não mudaram do ano passado para este, e tão-pouco são uma coisa entre elfos e
anões e outra entre homens. Compete ao homem saber discerni-los, tanto na
Floresta Dourada, como em sua própria casa.”
Muito bem. Concordo em absoluto. Temos que exigir que o governo, qualquer poder político que esteja em funções em qualquer época ou tempo histórico tenha a dignidade de governar em favor e defesa da vida em vez de governar para a morte. A morte já é uma certeza para toda a gente. Qualquer pessoa, com o mínimo de sensatez, procura a vida e não a morte. Quem defende a morte não pode estar no seu perfeito juízo.
ResponderEliminar