No dia 10 de Janeiro a TVI passou uma reportagem da jornalista Ana
Leal (AL) que, segundo a própria, revelava um grupo secreto, constituído
por psicólogos, psiquiatras e padres, que queria curar homossexuais
através de terapias de conversão.
Infelizmente só havia uma psicóloga, um padre e nenhum
psiquiatra. Pior, não havia quaisquer terapias de conversão ou conversas
sobre “curas”. No fundo a reportagem consistia na gravação, dissimulada
e não autorizada, de consultas de um homem adulto com a psicóloga Maria
José Vilaça (MJV) e de reuniões de um grupo de apoio pastoral da Igreja
Católica a homossexuais. Quanto ao secretismo, também era inexistentes,
uma vez que MJV não disse nas tais gravações dissimuladas nada que não
tenha já dito publicamente, assim como o sacerdote filmado também não
disse nada diferente daquilo que a Igreja afirma publicamente. No fundo a
reportagem tinha um único fim: o linchamento público de MJV.
Durante
toda a reportagem é possível ouvir a jornalista a insistir com “Carlos”
(o repórter anónimo, que nunca é revelado, ao contrário da psicóloga
por ele espiada, suponho que para o salvaguardar das consequências
legais das suas acções) para falar sobre as terapias de conversão e
sobre cura, mas sem grande sucesso uma vez que de facto tais termos só
existiam na cabeça da jornalista. Aliás, devia ficar para os anais da
falta de cultura dos jornalistas o momento, no debate que se seguiu à
reportagem, em que a autora da reportagem, ao ouvir MJV a negar que
pratique terapias de conversão, afirmar “mas a doutora fala várias vezes
de conversão”. Pelos vistos AL acha mesmo que, quando numa reunião de
católicos se fala de conversão se está a falar numa qualquer terapia e
não do arrependimento e acto de fé em Deus! Se calhar teria sido melhor
mandar espiar uma qualquer catequese de crianças, sempre evitava fazer
tais figuras em directo na televisão!
Mas todas estas coisas, por
muito más que sejam e por muito que digam sobre o estado do jornalismo
em Portugal, não seriam assunto suficiente para escândalo. O que foi
realmente grave na reportagem de AL foi consistir basicamente em
gravações dissimuladas, sem autorização dos seus intervenientes.
É
de uma enorme gravidade que uma jornalista monte uma “emboscada” a uma
psicóloga. Que filme sessões de terapia e que as divulgue. É muitíssimo
grave que uma jornalista mande alguém infiltrar-se num grupo de apoio
espiritual (a que insistiu mentirosamente em chamar terapia) e exiba
publicamente (sem qualquer cuidado em distorcer vozes por exemplo) as
conversas que foram tidas nesse grupo. É extremamente grave que uma
jornalista mande gravar uma conversa entre um sacerdote e alguém que
supostamente buscava orientação espiritual.
A “reportagem” de AL
viola de maneira clara o direito à imagem, a reserva da vida privada, ao
livre exercício da profissão e ao livre exercício de religião. Quebra o
laço de confiança entre profissionais de saúde e pacientes (que a
partir de agora já não sabem quando serão filmados e exibidos em formato
inquisitorial na TVI). Quebra a confiança que as pessoas que buscam
apoio espiritual em grupo têm no anonimato desse apoio (não sabem quando
é que a AL irá decidir que fazem parte de um “grupo secreto” e filmar
os seus encontros). Quebra o segredo que se espera na orientação
espiritual com um sacerdote (que a partir de agora terá que pensar duas
vezes no que diz e de como se expõe não vá a TVI decidir que precisa
novamente de audiências!).
A reportagem de AL viola de maneira
clara os deveres deontológicos de um jornalista (conferir artigo 14 do
Estatuto do Jornalista) e a TVI viola claramente a Lei da Televisão ao
exibi-la. AL tem todo o direito a discordar de MJV e da Igreja Católica
na visão da homossexualidade. Não tem o direito de violar a privacidade
das pessoas em nome da sua ideologia. Fico á espera que a ERC e a CCPJ
intervenham com clareza e dureza. Caso contrário ficamos a saber que no
jornalismo em Portugal vale tudo, até violar a Lei e a Ética.
Jurista
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