Já se
passaram 8 anos desde o referendo ao aborto por opção da mulher. O tema do
aborto livre dividiu durante anos a sociedade portuguesa, levando muitas vezes
a posições apaixonadas e extremas. De ambos os lados.
As
discussões sobre o aborto, sobretudo as mais extremadas, acabaram por, de
alguma maneira, exasperar grande parte da população. De tal modo que, findo o
referendo, ninguém quis ouvir falar mais do assunto.
O
resultado foi uma regulação da lei que foi muito além do resultado do referendo
e que criou um “direito ao aborto”. Hoje em dia, em Portugal, é mais fácil
fazer um aborto num hospital público do que receber tratamento para muitas
doenças.
E o
resultado está à vista. Passados oito anos já terão sido realizados 140 mil
abortos a pedido da mulher. Uma em cada cinco gravidezes termina em aborto a
pedido da mulher. Quase 1 em cada 3 abortos a pedido da mulher são repetições.
Mas mais
grave do que os números são as histórias por detrás destes abortos. Na ausência
de qualquer estudo ou avaliação da aplicação da lei, só conhecemos os
testemunhos da associações que estão no terreno a apoiar as grávidas em
dificuldade. E são testemunhos de horror: mulheres que abortam porque são
ameaçadas pelo patrão; mulheres que abortam porque são coagidas pelo
companheiro; mulheres (raparigas, pouco mais do que crianças) que abortam
porque são forçadas pelos pais; mulheres que abortam porque não lhes é oferecido
nenhum apoio, nenhum conforto, nenhuma esperança.
Passados
oito anos sobre o referendo existem duas possibilidades. Uma é ficar cada um na
sua trincheira: uns a gritar o aborto é crime e outros a gritar o aborto é um
direito.
Outra é
reconhecer que existe, do lado daqueles que defenderam o não e do lado daqueles
que defenderam o sim, pessoas de boa vontade que procuram soluções mais justas
para problemas muito complicados, como sejam aqueles que levam muitas mulheres
ao aborto, e trabalhar juntos.
É
evidente que não é um caminho fácil, nem isento de maus entendidos. É natural a
desconfiança entre pessoas que durante muito tempo se viram como inimigas.
Porém, o trabalhar juntos é a única possibilidade de encontrar soluções para o
drama do aborto, que raramente é por livre vontade da mulher, mas quase sempre
é fruto da coação das circunstâncias.
É este
caminho que a Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC) “Pelo Direito a Nascer”
procura começar a percorrer. A comunicação social e os partidos tem concentrado
a sua atenção em relação à ILC na questão do fim da equiparação entre o aborto
e a maternidade. Embora este ponto seja importante, está longe de ser o
“assunto” da ILC.
É
evidente que os subscritores desta iniciativa são da opinião que o aborto deve
ser tratado como qualquer outro acto do Sistema Nacional de Saúde e não ter
nenhum regime de excepção. Mas a ILC vai muito mais longe do que isso.
O ponto
central da ILC é criar condições às mulheres e às famílias para não recorrerem
ao aborto. Através de consultas sociais onde a mulher é informada de todos os apoios
que existem à maternidade e onde pode denunciar qualquer pressão de que seja
alvo; através da responsabilização do pai; através da criação de uma rede de
centros de apoio à vida; através do reconhecimento claro e formal de que a
mulher não pode ser descriminada no trabalho por estar grávida; através da
valorização da maternidade durante o tempo de estágio profissional. Por isso é
que o projecto-lei que acompanha a ILC não é contra o aborto, mas sim de apoio
à Maternidade e à Paternidade.
Os
subscritores desta Iniciativa não têm a pretensão de terem apresentado um
projecto-lei infalível, isento de erros, ou de virem a resolver todos os
problemas da Maternidade e da Paternidade com esta Iniciativa.
Também
sabemos que será difícil, após tanta guerrilha, sair das trincheiras do “sim” e
do “não” para fazer um trabalho conjunto, sem preconceitos e sem desconfianças.
Mas as
mulheres e as famílias portuguesas merecem mais do que uma discussão sobre
taxas moderadoras e apoios sociais. Todas as mulheres que hoje em Portugal
pensam em abortar porque não têm dinheiro, porque o patrão ameaçou com o
despedimento, porque o companheiro a abandonou, porque os pais a expulsaram de
casa, todas elas merecem mais do que uma discussão ideológica. Merecem o apoio
de toda a sociedade, merecem o apoio do Estado. Este é o caminho que a ILC
“Pelo Direito a Nascer” deseja percorrer. Confiamos que também será este o
caminho escolhido pela Assembleia da República no dia 3 de Julho.
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