Por que razão celebramos o Dia de Portugal no dia da morte de Camões? Não duvido da importância do poeta: a sua influência na língua, a sua importância para a forma como vemos a história do nosso país, sobretudo os Descobrimentos. Mas não deixa de ser curioso que, num país nascido da guerra e da resistência a Espanha, se escolha, em vez de São Mamede, Ourique, Aljubarrota, a morte de Camões.
A explicação podia ser a de uma valorização da cultura. A
concepção de um país como mais do que um conjunto de pessoas, mas uma história
e um desígnio conjunto, que o poeta canta n'Os Lusíadas como mais ninguém. A
escolha de Camões podia significar uma exaltação da portugalidade, o homem que
criou Portugal através do mito, ligando a história nacional, da Fundação aos
Descobrimentos.
Infelizmente, a razão pela qual o Dia de Portugal se celebra
na data da morte de Camões é bastante mais prosaica. Não celebramos Camões pelo
seu génio, mas porque morreu em cima do dia de Santo António.
As festas de Camões foram começadas pelos
republicanos, que na sua ânsia de laicizar as festas populares, começaram a
festejar a morte de Camões, com direito a procissões e tudo, como concorrência
ao Santo António. Daí a ser popularmente chamado São Camões.
Com a proclamação da República e o fim dos feriados
religiosos, o 10 de Junho passou a feriado municipal, seguindo a
estratégia republicana de substituir feriados religiosos por feriados civis.
Mais tarde, ainda na República, seria alçado a feriado nacional, na
tentativa de criar uma religião civil e patriótica que substituísse a fé
popular.
No Estado Novo, Salazar, na sua estratégia de apaziguação,
restaura com a Concordata de 1940 alguns dos feriados religiosos, mas mantém os
feriados republicanos. Aliás, uma das características de Salazar era a
capacidade de apaziguar as diversas fações, dando um pouco a cada um. Exalta a
história cristã, mas mantém os festejos patrióticos, na ânsia de criar um
espírito patriótico separado da devoção cristã. Assim, agrada a católicos,
monárquicos e republicanos.
O 10 de Junho, como grande festa nacional, é uma invenção da
República e do Estado Novo, mais tarde reciclada pela democracia. Pobre Camões,
o grande poeta da nossa história, que se viu assim utilizado como instrumento
contra essa própria história. Merecia melhor sorte.
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