Cumprem-se hoje 8 anos sobre o
referendo que liberalizou o aborto em Portugal. Para assinalar a data, o
Observador publicou um artigo com o título <<A pergunta continua a mesma: “Estou
grávida. Quero interromper. Como é que faço isso?”>>
A peça é toda ela uma obra de
publicidade à Associação de Planeamento Familiar, uma instituição
declaradamente pró-aborto. No artigo são produzidas várias afirmações sobre como o número de abortos não são dramáticos e de como as mulheres ficam aliviadas
depois de abortar, sem que haja espaço para qualquer contraditório ou seja
fornecido algo mais do que a opinião da APF e do seu presidente. O único dado
objectivo fornecido no texto é o número de abortos realizados em Portugal.
Mesmo este dado só é dado para sustentar a afirmação de que o aborto no nosso
país está a diminuir.
Antes de mais não posso deixar
de falar da falta de qualidade jornalística do artigo em questão. Nada que me
espante, porque este é o nível a que o Observador nos tem vindo a habituar,
provando que a capacidade dos seus jornalistas é inversamente proporcional à
dos colunistas.
Há dois claros exemplos disto. O
primeiro é o tratamento dado ao número de abortos. De facto, nos últimos dois
anos o número total de abortos tem vindo a diminuir. Depois de um aumento
constante entre 2008 e 2011, em 2012 e 2013 o número diminui. Contudo este
facto, isolado, não quer dizer nada.
O número de mulheres em idade
fértil tem vindo a diminuir (envelhecimento da população). Por isso, para se
saber se o aborto realmente diminuiu, é preciso saber se, no universo de
mulheres grávidas, a percentagem daquelas que escolheu abortar é ou não menor.
Isso é possível com três dados: o número de abortos, o número de abortos a
pedido da mulher e o número de nados-vivos.
E o que de facto se constata,
como refere José Ribeiro e Castro no comentário que faz a este artigo na página
do Observador, é que a percentagem de mulheres grávidas que aborta tem vindo
sempre a aumentar desde 2008. Ou seja o que diminuiu em Portugal foram as
gravidezes. O aborto continua a aumentar.
O segundo exemplo da falta de
seriedade do trabalho do Observador é uma perigosa afirmação feita pelo
presidente da APF no fim do artigo: «Mas, “no estrangeiro,
muitos estudos falam que depois da culpa da interrupção [de
gravidez] surge uma sensação de alívio. Faz sentido”». Esta afirmação é perigosa porque parece ignorar os efeitos
traumáticos que o aborto tem na mulher, que levam em muitos casos a depressões
profundas. Este facto é confirmado não só por variadíssimos estudos como por inúmeras
associações que trabalham no terreno a apoiar mulheres que já abortaram.
Reproduzir esta frase sem assinalar que é controversa ou sem qualquer contraditório
demonstra o desconhecimento do jornalista sobre o tema, assim como a ausência
de qualquer investigação. De facto, mais do que uma notícia, o jornalista
escreveu um anúncio à APF e à sua apologia do aborto.
Mas a
incompetência e parcialidade do jornalista do Observador não é para mim o mais
grave desta notícia. É triste e demonstra o estado do nosso jornalismo, mas não
é o mais grave.
O mais
grave é a forma banal como se fala do aborto. Como se fosse uma coisa boa. Como
se o problema do aborto fosse criado pelo “estigma” que a sociedade lhe
atribui. Como se o aborto fosse algo normal. Isto é o mais grave.
Porque
se transformou o mal em algo de banal. Já não é preciso um monstro para o
fazer: é fornecido pelo Serviço Nacional de Saúde de forma gratuita. E é de tal
forma banal que o número total de abortos praticado desde 2007 (122.479) é
apresentado como se fosse uma coisa boa. Afinal não foram assim tantos! De
facto os pró-vida são uns alarmistas! Foram só cento e vinte e duas mil
quatrocentas e setenta e nove crianças que foram eliminadas, gratuitamente e
sem nenhuma razão, desde 2007.
É esta
mentalidade que é preciso combater, é esta cultura. Porque o drama maior não é que
haja uma lei que permite o aborto, mas que 21% das mulheres que engravidam em
Portugal abortem.
Essa
luta faz-se de muitas maneiras. Uma delas é criando leis que promovam uma cultura
a favor da vida por nascer e eliminem as causas que levam ao aborto. É
esse o grande objectivo da Iniciativa Legistativa: Pelo Direito a Nascer que
recolheu em menos de quatro meses mais de quarenta mil assinaturas e que se
prepara para dar entrada na Assembleia da República.
Os
deputados que vão ser chamados a votar esta iniciativa tem agora dois caminhos:
ajudar a criar uma mentalidade que defenda a vida ou então continuar a deixar
que em Portugal o mal se mantenha de tal maneira banal que permaneça um
direito.
Muito bem.
ResponderEliminarhttp://walden.blogs.sapo.pt/the-silent-culling-1002