O novo drama do
momento são as notícias falsas, provincianamente apelidadas de “fake news”, uma
realidade com milhares de anos, mas que serve como bom bode expiatório para a
ascensão dos populismos (os de direita que são maus, não confundir com os de
esquerda que aparentemente não têm mal nenhum).
Para combater a nova
praga foi criado um site de verificação de factos (ou na linguagem
contemporânea) “fact checking” de seu nome Polígrafo, que se apelida como “o
primeiro jornal português de fact checking”.
O problema é que o Polígrafo
muitas vezes mais do que verificar os factos, verifica apenas se a interpretação
dos factos está de acordo com a sua interpretação. Isto tem sido evidente nas
notícias relacionadas com o aborto.
Em Janeiro o
Polígrafo sentenciava como “impreciso” a notícia de que o aborto era a maior
causa de morte no mundo. Segundo os mesmo era impreciso porque a OMS não
considerava o aborto uma causa de morte. Ou seja, os factos da notícia eram
todos verdadeiros, mas havia outra interpretação dos factos. A notícia não foi
considerada verdadeira, nem sequer brindada com a categoria “verdadeiro, mas”,
simplesmente “impreciso”.
Mas pior ainda foi a
notícia de 1 de Abril (aliás, lendo a noticia poderia pensar-se que era uma
partida do dia das mentiras) onde o Polígrafo afirmava ser falso que no
Estado de Nova Iorque se pode abortar até ao fim da gravidez. O Polígrafo
considerava a notícia falsa porque se podia abortar até fim da gravidez mas só
em alguns casos, sendo que nos restantes não se pode, mas também não é crime. Ou seja
pode-se de facto abortar até ao fim da gravidez, mas o Polígrafo diz que é falso porque… Não se encontra
qualquer razão a não ser mesmo sobrepor as convicções do Polígrafo à verdade.
Por fim o Polígrafo
publicou ontem à notícia (hoje disponível em versão vídeo) “Eleições Europeias:
Há partidos que são a favor ou contra a "vida por nascer"?” sobre o
quadro feito pela Federação Portuguesa pela Vida, com a avaliação “Falso”.
Quais são os
argumentos do Polígrafo para considerar o quadro falso?
Primeiro «A tabela
baseia-se supostamente em perguntas que terão sido respondidas pelos candidatos
dos partidos às eleições europeias, mas não só, como se depreende a partir de
uma nota de rodapé (com letras de tamanho muito reduzido, quase imperceptível)
que passamos a transcrever: "O quadro acima foi elaborado a partir das
respostas recebidas das forças políticas pela Federação Portuguesa pela Vida,
da análise das suas mais recentes intervenções e posições e dos programas
apresentados para as eleições europeias"» Ora não se percebe o problema
aqui levantado pelo Polígrafo: a legenda que informa que o quadro é feito a
partir da análise das posições públicas dos partidos é a mesmíssima que fala
das respostas ao inquérito. As duas informações são colocadas ao mesmo nível
com o mesmo destaque.
Depois, diz o
Polígrafo «O problema é que o manifesto eleitoral do PS não tem qualquer
referência à "vida por nascer", nem à questão da interrupção
voluntária da gravidez ou aborto (parece ser esse o significado da expressão
"vida por nascer"). O mesmo se aplica ao manifesto eleitoral do BE e
também ao manifesto eleitoral da Aliança, bem como no do PAN. Nas mais
"recentes intervenções e posições" dos respetivos candidatos também
não detectamos qualquer referência a essa matéria.« Pelos vistos o Polígrafo
nem se deu ao trabalho de verificar todos os partidos, apenas algum (enfim, não
abona a favor da isenção). Mas pior do que isso o Polígrafo demonstra um
desconhecimento total da realidade política portuguesa. Pelos visto não conhece
o posicionamento do Bloco e do PS sobre o aborto. Não conhece que a primeira
medida do actual parlamento foi a revogação da Lei de apoio à Maternidade e
Paternidade aprovada pelo PS, Bloco, PC, Verdes e PAN. Não a conhece a
resolução sobre o aborto no SNS recentemente aprovada no Parlamento.
Contudo, apesar de
todos este desconhecimentos dos factos, o Polígrafo não se coíbe de dizer «“Ou
seja, a tabela difunde uma falsidade: as posições quanto à "vida por
nascer" não se baseiam em respostas oficiais dos partidos ou candidatos
(pelo menos dos três já confirmados pelo Polígrafo), nem nas "suas mais
recentes intervenções e posições", nem sequer dos "programas apresentados
para as eleições europeias".» O Polígrafo não falou com todos os partidos,
o Polígrafo não foi estudar a posição dos partidos sobre o aborto, mas não tem
qualquer problema em fazer acusações. Como se pode ver não se trata de verificação
de factos, mas apenas de uma tentativa de linchamento público.
Podíamos pensar que isto
já era suficiente. Mas a fúria ideológica do Polígrafo ainda não tinha
terminado. Neste ponto já somava várias mentiras, mas não era suficiente. «Acresce
a manipulação e desinformação inerentes à forma como se indica que os partidos
são a favor ou contra a "vida por nascer". Ora, mesmo que um partido
ou candidato seja a favor da não criminalização da interrupção voluntária da
gravidez ou aborto, isso significa que é contra a "vida por nascer"?
No limite, ser contra a "vida por nascer" até pode ser interpretado
como ser contra a gravidez, ou a possibilidade de reprodução».
Primeiro alguém devia
emprestar um manual de biologia aos jornalistas do Polígrafo: antes da gravidez
não há vida, logo era preciso uma interpretação muitíssimo alargada para transformar
ser contra a vida por nascer em ser contra a gravidez.
Depois, já que é
supostamente especialistas em verificar factos o Polígrafo podia ter verificado
que os partidos assinalados como contra a vida por nascer, não se limitaram a
ser contra a “descriminalização” do aborto, aprovaram mesmo a sua legalização.
Mas mais grave, no principio da legislatura, ao revogar a Lei de Apoio à
Maternidade e Paternidade revogaram coisas como a consagração legal da não
discriminação das mulheres grávidas, a protecção do nascituro, a inclusão do
nascituro no agregado familiar para efeitos fiscais ou a criação de programas
autárquicos de apoio à família. Claro que para verificar os factos o Polígrafo
tinha que estar interessado na verdade e não apenas em desacreditar a Federação
Portuguesa pela Vida.
Mais uma
vez o Polígrafo, a coberto do seu manto de suposto guardião da verdade, manipulou
os factos para promover a sua opinião sobre o aborto. Inventou um suposto
critério, não o verificou, afirmou factos que não confirmou e investigou, para
no fim chegar à conclusão que queria. Ou seja, o Polígrafo inventou mais uma “fake
new”.
Avaliação ao
Polígrafo:
FALSO.