Quando falamos da eutanásia, convém lembrar como começou este
processo e como chegamos a este ponto de votar cinco projectos de lei
nunca discutidos em campanha eleitoral, tão pouco tempo depois do início
da legislatura.
Tudo começou com uma Petição aos deputados que foi promovida por…
deputados! Não havendo qualquer movimento na sociedade civil, não
querendo os partidos colocar o tema nos seus programas, alguns
deputados, encabeçados por José Manuel Pureza, desencantaram uma Petição
Pública para levar o assunto à Assembleia da República. Após quatro ou
cinco meses de intensa publicidade nos órgãos de comunicação social lá
conseguiram oito mil assinaturas (enquanto escrevo a Iniciativa Popular
de Referendo sobre a Morte a Pedido já reuniu, só no on-line e em apenas
seis dias, mais de 11500). Assim se deu início a este debate, gerado
artificialmente por alguns deputados.
Foram então ouvidos
sobre o tema os especialistas. Para além dos convidados dos partidos,
regra geral alinhados com a posição de quem os convidou, foram pedidos
pareceres a órgãos públicos. O resultado: a Ordem dos Psicólogos não tem
opinião, mas tem reservas, a Ordem dos Advogados, o mesmo, o Conselho
Superior de Magistratura, igual. A Ordem dos Médicos, a Ordem dos
Enfermeiros e a Comissão Nacional de Éticas para Ciências da Vida
opuseram-se aos projectos de lei. Resumindo: os deputados ouviram os
especialistas e eles disseram que não.
Claro que esta oposição não
foi suficiente para travar os defensores da eutanásia que levaram a
votos quatro projectos de lei a pedir a sua legalização. O resultado é
conhecido: após uma grande campanha pública, com debates, vigílias e
manifestações por todo o país (incluindo duas que encheram o Largo de
São Bento) todos os projectos foram chumbados no dia 29 de Maio de 2018.
Seguiu-se a campanha eleitoral, onde o tema, embora constasse
do programa do Bloco, do Livre e do PAN, nunca foi abordado. Qualquer
pessoa mais desatenta poderia julgar que os defensores da eutanásia
tinham desistido, tal foi o silêncio sobre o assunto durante a campanha
eleitoral.
Contudo, o silêncio não foi por falta de interesse, mas
por puro tacticismo eleitoral de quem não quis explicar ao povo uma lei
onde o Estado, que se tem demonstrado incapaz de cuidar de quem
precisa, permite a morte.
A ausência de debate não impediu o Bloco de Esquerda de apresentar,
logo no primeiro dia da legislatura, um projecto de lei a pedir a
legalização da morte a pedido. Um assunto que não achou que merecesse
ser debatido em campanha, mas que achou suficientemente importante para
ser o primeiro projecto de lei a ser apresentado ao novo Parlamento!
Logo se seguiram os do Partido Socialista, do PAN, dos Verdes e, à
última hora, da Iniciativa Liberal. Depois de um simulacro de debate na
Iª Comissão (nem esperaram pelo parecer do CNECV), marcaram o debate e
votação para dia 20 de Fevereiro, decorridos apenas quatro meses do
começo da legislatura.
O que mudou desde 29 de Maio de
2018? Os especialistas continuam contra, largos movimentos da sociedade
continuam contra, dois dos três antigos Presidentes vivos estão contra,
até o seleccionador nacional está contra! A única coisa que mudou desde o
chumbo da morte a pedido foi que agora têm os votos. Claramente, já
ficou provado que não têm a força da razão, apenas têm a razão da força.
O
debate e provável aprovação desta lei não são um exercício de
democracia representativa, são um mero exercício de poder! Vão aprovar a
eutanásia, contra todos os avisos e pareceres, pelo simples facto que
têm poder para o fazer. Já não temos um Luís XIV a dizer “l’etat c’est
moi”, temos 135 ou 150 reis-sol a afirmá-lo!
Por isso é necessário
o pedido de referendo. Não porque este tema deva ser referendado, mas
porque infelizmente os defensores da eutanásia só percebem a linguagem
do poder. Não vale a pena falar do direito à Vida, de que o Estado não
tem poder para matar, de que na Holanda, só no ano passado, houve mil
eutanásias sem expressão da vontade do doente, que as barreiras
colocadas nos projectos-lei são frágeis. Não vale a pena, porque eles
sabem e recusam-se a ouvir. Por isso pedimos o referendo. Já que os
deputados não ouvem os especialistas ao menos que oiçam o povo!
O
Direito à Vida é o primeiro e o fundamento de todos os Direitos
Fundamentais. Não está ao dispor do Estado, mas antecede o próprio
Estado. A partir do momento em que o Estado se arroga no direito de
decidir sobre a Vida, está aberta a porta para a violação de todos os
outros Direitos Fundamentais. Por isso o referendo à eutanásia não é
apenas a última linha de defesa dos cidadãos contra esta lei iníqua, é a
última linha de defesa contra o exercício de poder gratuito dos
deputados que se consideram acima dos Direitos Fundamentais.
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