Dia 8 foi dia de cumprir mais uma vez a tradição. Juntamente com a
minha mulher e os meus filhos (que são de ajuda relativa), montei o
presépio. Ovelhas, pastores, reis magos e, evidentemente, a Sagrada
Família. Um conjunto não completamente homogéneo de peças, de várias
proveniências (muitas herdadas, umas compradas nos últimos anos), uma
mistura de musgo seco e algum apanhado este ano, e ficou montado.
Confesso que ainda hoje me entusiasma e comove montar o presépio.
Não pela sua beleza (que até tem alguma), nem pelo evidente entusiasmo
das crianças. Aquilo que realmente me toca no presépio é aquilo que
simboliza: um Deus que se faz bebé para vir ao encontro do Homem.
Vivemos um tempo onde é fácil sermos esmagados pelas circunstâncias.
Em Portugal o clima político está cada vez mais crispado, ao mesmo
tempo que o SNS vai desabando, os preços das casas não param de
aumentar (como os preços em geral), as engenharias sociais vão-se
multiplicando. O resto do mundo está completamente incerto: a ameaça
da guerra comercial entre as duas maiores potências económicas
mundiais, a América do Sul em convulsão, a União Europeia dividida e
cada vez menos unida, guerra e perseguições religiosas em África e no
Próximo Oriente.
E contudo, o presépio volta a lembrar-nos que neste “vale de lágrimas” Deus Se fez carne para que cada um o possa encontrar.
Evidentemente que este facto em nada muda a circunstância histórica.
Não o muda hoje, como não o mudou há dois mil anos. Jesus nasceu e
Herodes continuou a ser tetarca da Galileia, Quirino governador da
Síria e César Augusto continuou a reinar sobre Roma. Cristo não veio
para fazer uma revolução social, mas para que cada homem O pudesse
encontrar.
E o encontro com Cristo muda o coração do homem, e é essa mudança
que permite mudar a história. O cristianismo não é um plano de poder,
ou uma organização social. O cristianismo é o povo que nasce deste
encontro com Jesus. E foi esse povo que gerou uma cultura, que gerou uma
sociedade, que gerou aquilo a que chamamos o Ocidente. Não é possível
compreender os valores do Ocidente, a igual dignidade de todos os
Homens, a preocupação com os mais fracos, a defesa da paz, sem
reconhecer a sua raiz.
Evidentemente, a história do cristianismo tem a sua quota-parte de
vergonhas e de misérias. Mas isso não choca um cristão: sabemos que a
Igreja é santa mas constituída por pecadores. O espantoso do
cristianismo é precisamente a redenção humana. Ao longo de dois mil
anos muitos foram os que olharam para o cristianismo como uma
possibilidade de poder e de domínio. Mas onde abundou o pecado,
superabundou a Graça. E por isso ainda hoje é possível encontrar
testemunhos de santidade, que não podem deixar de nos interpelar.
Pensemos por exemplo na Síria, de onde fugiram todas as ONG’s e
só ficou a Igreja para ajudar as vítimas da guerra.
É normal nesta altura do ano falarmos da magia do Natal. Num tempo
de paz e concórdia. Mas nada disso é mágico, é apenas a consequência
desta ternura de Deus para com o homem, de que o presépio é sinal:
Deus fez-se carne e veio ao nosso encontro.
É esta a tremenda pretensão do cristianismo: não uma proposta
filosófica ou um código moral, mas a presença do próprio Deus feito
homem. É possível escarnecer desta pretensão, tentar ignorá-la,
opor-se a ela ou até mesmo persegui-la (como ainda hoje acontece em
tantos lugares do mundo). E contudo, passados dois mil anos, continua a
haver um povo que, tal como os pastores e os reis magos, continua a
adorar aquele Menino deitado numa manjedoura.
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