O JN
tem hoje como título na capa "Portugueses querem a Igreja afastada das questões política". Logo ao lado estão dois gráficos um sobre a opinião dos
portugueses sobre a comunhão das pessoas que vivem em segunda união e outra
sobre a Igreja celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
A
primeira ironia, que está na base do equivoco de todo o especial do JN, é que
aparentemente os portugueses acham que a Igreja não deve ter opinião sobre a
sociedade (que é de todos) mas todos querem ter opinião sobre o que a Igreja
(que é daqueles que nela participam) deve fazer.
Escrevi
há uns tempos, e mantenho, que a Igreja não deve fazer política. A missão da
Igreja é salvar almas. Porém, para salvar as almas a Igreja tem que ter opinião
sobre a vida pública. A Igreja não pode ser privada de ensinar sobre a
organização da sociedade. Depois caberá aos cristãos fazer política.
A
liberdade religiosa em nada impede a Igreja de ter uma opinião sobre a
organização social. Muito pelo contrário, se a hierarquia da Igreja não pudesse
exprimir a sua opinião sobre a política, isso queria dizer que os bispos e os
sacerdotes estariam amputados nos seus direitos fundamentais. Seriam cidadãos
de segunda. Significaria que todos em Portugal podiam ter opinião política,
excepto a hierarquia da igreja.
Dizia ao principio que o inquérito do JN se baseia num grande equivoco: a visão de um
Estado que é origem da sociedade e a quem tudo está submetido até a Igreja.
A
verdade é a inversa, o Estado é apenas a organização política da sociedade, e
tem origem nesta. É o Estado que tem que se submeter à sociedade e à sua
organização.
Por
isso o Estado tem que respeitar a liberdade da Igreja, deve-se abster de legislar
sobre a Igreja excepto no reconhecimento do seu papel na sociedade. Já a
Igreja, como parte da sociedade (e em Portugal, parte importante) tem não
apenas o direito, mas o dever de se manifestar sobre o Estado. Deve denunciar
quando o Estado abusa do seu poder, ou quando o Estado falha nos seus deveres.
Deve ensinar a forma justa de organização da sociedade. Deve anunciar a moral e
combater as leis que a violam.
Infelizmente
em Portugal boa parte da sociedade tem uma visão estatista, que vê no Estado um
ser supremo a quem todos devem prestar vassalagem. E por isso custa tanto
aceitar qualquer manifestação social que não esteja submetida a autoridade do
Estado. Isto é verdade para a Igreja, mas também para as escolas privadas, para
as empresas, para as instituições sociais. Para boa parte dos portugueses tudo
deve ser submetido ao Estado!
A
Igreja contudo existe há dois mil anos. Sobreviveu ao Império Romano, aos bárbaros,
ao Sacro Império, à Reforma, à Revolução Francesa, à unificação de Itália, às
repúblicas maçónicas. Sobreviveu a tirania de um só homem e à tirania de vários
homens. Não será por isso o fervor estatista dos portugueses que a acabará com
Ela.
P.S.:
Para além de tudo o que disse, convém ver com atenção a infografia do JN. O
título é absolutamente abusador, só 10% dos inquiridos responderam
especificamente que a Igreja não deve falar sobre política. A este o JN junta
os 50% que responderam que apenas deve falar sobre assuntos religiosos e ignora os 35% que
responderam que a Igreja deve falar sobre todos os assuntos, para ter uma capa
sensacionalista.
P.S.S.:
Interessante ver que 74% dos portugueses se diz católica, mas de facto só 17% a
21% parecem ter prática dominical.
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