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domingo, 4 de agosto de 2019

Sobre o especial do JN "Os portugeses e a religião"



O JN tem hoje como título na capa "Portugueses querem a Igreja afastada das questões política". Logo ao lado estão dois gráficos um sobre a opinião dos portugueses sobre a comunhão das pessoas que vivem em segunda união e outra sobre a Igreja celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

A primeira ironia, que está na base do equivoco de todo o especial do JN, é que aparentemente os portugueses acham que a Igreja não deve ter opinião sobre a sociedade (que é de todos) mas todos querem ter opinião sobre o que a Igreja (que é daqueles que nela participam) deve fazer.

Escrevi há uns tempos, e mantenho, que a Igreja não deve fazer política. A missão da Igreja é salvar almas. Porém, para salvar as almas a Igreja tem que ter opinião sobre a vida pública. A Igreja não pode ser privada de ensinar sobre a organização da sociedade. Depois caberá aos cristãos fazer política.

A liberdade religiosa em nada impede a Igreja de ter uma opinião sobre a organização social. Muito pelo contrário, se a hierarquia da Igreja não pudesse exprimir a sua opinião sobre a política, isso queria dizer que os bispos e os sacerdotes estariam amputados nos seus direitos fundamentais. Seriam cidadãos de segunda. Significaria que todos em Portugal podiam ter opinião política, excepto a hierarquia da igreja.

Dizia ao principio que o inquérito do JN se baseia num grande equivoco: a visão de um Estado que é origem da sociedade e a quem tudo está submetido até a Igreja.

A verdade é a inversa, o Estado é apenas a organização política da sociedade, e tem origem nesta. É o Estado que tem que se submeter à sociedade e à sua organização.

Por isso o Estado tem que respeitar a liberdade da Igreja, deve-se abster de legislar sobre a Igreja excepto no reconhecimento do seu papel na sociedade. Já a Igreja, como parte da sociedade (e em Portugal, parte importante) tem não apenas o direito, mas o dever de se manifestar sobre o Estado. Deve denunciar quando o Estado abusa do seu poder, ou quando o Estado falha nos seus deveres. Deve ensinar a forma justa de organização da sociedade. Deve anunciar a moral e combater as leis que a violam.

Infelizmente em Portugal boa parte da sociedade tem uma visão estatista, que vê no Estado um ser supremo a quem todos devem prestar vassalagem. E por isso custa tanto aceitar qualquer manifestação social que não esteja submetida a autoridade do Estado. Isto é verdade para a Igreja, mas também para as escolas privadas, para as empresas, para as instituições sociais. Para boa parte dos portugueses tudo deve ser submetido ao Estado!

A Igreja contudo existe há dois mil anos. Sobreviveu ao Império Romano, aos bárbaros, ao Sacro Império, à Reforma, à Revolução Francesa, à unificação de Itália, às repúblicas maçónicas. Sobreviveu a tirania de um só homem e à tirania de vários homens. Não será por isso o fervor estatista dos portugueses que a acabará com Ela.

P.S.: Para além de tudo o que disse, convém ver com atenção a infografia do JN. O título é absolutamente abusador, só 10% dos inquiridos responderam especificamente que a Igreja não deve falar sobre política. A este o JN junta os 50% que responderam que apenas deve falar sobre assuntos religiosos e ignora os 35% que responderam que a Igreja deve falar sobre todos os assuntos, para ter uma capa sensacionalista.

P.S.S.: Interessante ver que 74% dos portugueses se diz católica, mas de facto só 17% a 21% parecem ter prática dominical.


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