Em Fevereiro de 2007, o país foi chamado a decidir sobre o aborto livre, pela segunda vez. Depois da derrota dos defensores do aborto livre em 1998, após muita insistência, o segundo referendo haveria de abrir a porta ao aborto livre em Portugal.
Desde então, o aborto tem estado quase ausente do debate
político. Apesar dos esforços da Federação Portuguesa pela Vida e de tantas
pessoas da sociedade civil, o tema só esparsamente aparece no debate político
e, nos últimos tempos, apenas para se discutir o alargamento dos prazos legais
do aborto livre.
A Federação Portuguesa pela Vida, que nunca desistiu de
lutar pelo fim do aborto em Portugal, apesar de tanto silêncio à sua volta,
perguntou aos principais candidatos à Presidência da República a sua opinião
sobre alguns temas da defesa da vida.
O resultado, triste mas não inesperado, foi que apenas
respondeu Gouveia e Melo, para dizer que o tema era demasiado complexo para uma
resposta de “sim” ou “não”.
Isso significa que, para sabermos o que pensam os candidatos
à Presidência sobre o aborto livre, temos pouco mais do que aquilo que fizeram
em 2007 e algumas — poucas — declarações nos últimos anos.
À esquerda, não é questão: todos são a favor do aborto
livre. À direita, João Cotrim de Figueiredo deixou por várias vezes clara a sua
posição, não apenas a favor do aborto, mas até de algum desprezo pelos
pró-vida.
Sobram então Gouveia e Melo, Marques Mendes e Ventura.
Sobre o primeiro nada sabemos. Respondeu à Federação
Portuguesa pela Vida não respondendo, e até há pouco tempo ninguém lhe conhecia
qualquer opinião sobre qualquer assunto. Esse é, aliás, o grande drama da sua
candidatura.
André Ventura já afirmou várias vezes publicamente que
apoiou o “sim” em 2007, que não quer voltar atrás na liberalização do aborto e
que não esteve no hemiciclo quando se debateu o alargamento dos prazos na
Assembleia da República. É verdade que diz ser contra o aborto, mas naquela
posição, bem conhecida entre nós, de que a proibição não funciona.
Marques Mendes votou “não” em 2007 e, desde então, só falou
do aborto para reafirmar a sua posição no referendo. Não é propriamente
entusiasta: mais do que revogar a lei, fala em apoio à maternidade (tal como
André Ventura) e pouco mais.
É curto, sem dúvida. Mas não seria honesto dizer que é igual
não ter opinião, ser a favor da legalização e ser contra a legalização do
aborto. Mais ou menos timidamente, a verdade é que Marques Mendes é o único
candidato presidencial que publicamente afirma ser contra a actual lei do
aborto.
Existe outro tema quente, relativo à defesa da vida, que
poderá voltar ao debate: a morte a pedido. Aí, Marques Mendes diz não ter
opinião formada, mas afirma que enviaria qualquer lei para o Tribunal
Constitucional; já André Ventura diz que é contra, mas defende, ainda assim, a
realização de um referendo.
Do ponto de vista estrito da defesa da vida, embora nenhum
dos dois tenha, pessoalmente, grande currículo, Marques Mendes leva vantagem.
Primeiro, porque é publicamente contra a legalização do aborto. Depois, porque
mais importante do que saber a posição pessoal sobre a eutanásia é saber o que
fará o Presidente se lhe for enviada uma lei. E sobre isso Marques Mendes foi
mais claro do que Ventura, embora seja bastante razoável presumir que também
Ventura enviaria a lei para o Tribunal Constitucional.
Mas há um ponto importante a não esquecer: as eleições não
são apenas sobre a defesa da vida e, apesar de o aborto — pela sua natureza
profundamente injusta — ser central para uma cultura que defenda a vida, não é
o único assunto relacionado com a dignidade humana.
A defesa da dignidade humana não se esgota no nascimento
para só voltar a aparecer no fim da vida. Ser contra o aborto porque toda a
vida é digna não pode deixar de ter como consequência lógica ser contra todos
os atentados à dignidade humana ao longo da vida: a violência, a pobreza, a
exclusão, a exploração, a discriminação, etc. E, nesse capítulo, é evidente que
o currículo de André Ventura é fraco.
Alguém que usa como tema central da campanha uma frase de
uma música — “Isto não é o Bangladesh” — que tem como rima “tira os teus putos
castanhos da minha creche”, claramente não defende a dignidade humana.
Confesso que as actuais eleições não me entusiasmam, não
tendo qualquer entusiasmo por nenhum dos candidatos. Mas sei que, assim como
não voto em quem defende que o aborto deve ser legal (o que já seria razão
suficiente para não votar em André Ventura), também não voto em quem escolhe
como ponto central da sua campanha o ataque a imigrantes, incluindo crianças.
Por isso, não voto em António José Seguro, não voto em
Catarina Martins, não voto em António Filipe, não voto em Jorge Pinto, não voto
em João Cotrim de Figueiredo e também não voto em André Ventura. O que sobra?
Pouco, ou quase nada. Mas a política é escolher entre os que há, não entre os
que gostaríamos que houvesse.

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