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segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

As presidenciais e a defesa da vida



Em Fevereiro de 2007, o país foi chamado a decidir sobre o aborto livre, pela segunda vez. Depois da derrota dos defensores do aborto livre em 1998, após muita insistência, o segundo referendo haveria de abrir a porta ao aborto livre em Portugal.

Desde então, o aborto tem estado quase ausente do debate político. Apesar dos esforços da Federação Portuguesa pela Vida e de tantas pessoas da sociedade civil, o tema só esparsamente aparece no debate político e, nos últimos tempos, apenas para se discutir o alargamento dos prazos legais do aborto livre.

A Federação Portuguesa pela Vida, que nunca desistiu de lutar pelo fim do aborto em Portugal, apesar de tanto silêncio à sua volta, perguntou aos principais candidatos à Presidência da República a sua opinião sobre alguns temas da defesa da vida.

O resultado, triste mas não inesperado, foi que apenas respondeu Gouveia e Melo, para dizer que o tema era demasiado complexo para uma resposta de “sim” ou “não”.

Isso significa que, para sabermos o que pensam os candidatos à Presidência sobre o aborto livre, temos pouco mais do que aquilo que fizeram em 2007 e algumas — poucas — declarações nos últimos anos.

À esquerda, não é questão: todos são a favor do aborto livre. À direita, João Cotrim de Figueiredo deixou por várias vezes clara a sua posição, não apenas a favor do aborto, mas até de algum desprezo pelos pró-vida.

Sobram então Gouveia e Melo, Marques Mendes e Ventura.

Sobre o primeiro nada sabemos. Respondeu à Federação Portuguesa pela Vida não respondendo, e até há pouco tempo ninguém lhe conhecia qualquer opinião sobre qualquer assunto. Esse é, aliás, o grande drama da sua candidatura.

André Ventura já afirmou várias vezes publicamente que apoiou o “sim” em 2007, que não quer voltar atrás na liberalização do aborto e que não esteve no hemiciclo quando se debateu o alargamento dos prazos na Assembleia da República. É verdade que diz ser contra o aborto, mas naquela posição, bem conhecida entre nós, de que a proibição não funciona.

Marques Mendes votou “não” em 2007 e, desde então, só falou do aborto para reafirmar a sua posição no referendo. Não é propriamente entusiasta: mais do que revogar a lei, fala em apoio à maternidade (tal como André Ventura) e pouco mais.

É curto, sem dúvida. Mas não seria honesto dizer que é igual não ter opinião, ser a favor da legalização e ser contra a legalização do aborto. Mais ou menos timidamente, a verdade é que Marques Mendes é o único candidato presidencial que publicamente afirma ser contra a actual lei do aborto.

Existe outro tema quente, relativo à defesa da vida, que poderá voltar ao debate: a morte a pedido. Aí, Marques Mendes diz não ter opinião formada, mas afirma que enviaria qualquer lei para o Tribunal Constitucional; já André Ventura diz que é contra, mas defende, ainda assim, a realização de um referendo.

Do ponto de vista estrito da defesa da vida, embora nenhum dos dois tenha, pessoalmente, grande currículo, Marques Mendes leva vantagem. Primeiro, porque é publicamente contra a legalização do aborto. Depois, porque mais importante do que saber a posição pessoal sobre a eutanásia é saber o que fará o Presidente se lhe for enviada uma lei. E sobre isso Marques Mendes foi mais claro do que Ventura, embora seja bastante razoável presumir que também Ventura enviaria a lei para o Tribunal Constitucional.

Mas há um ponto importante a não esquecer: as eleições não são apenas sobre a defesa da vida e, apesar de o aborto — pela sua natureza profundamente injusta — ser central para uma cultura que defenda a vida, não é o único assunto relacionado com a dignidade humana.

A defesa da dignidade humana não se esgota no nascimento para só voltar a aparecer no fim da vida. Ser contra o aborto porque toda a vida é digna não pode deixar de ter como consequência lógica ser contra todos os atentados à dignidade humana ao longo da vida: a violência, a pobreza, a exclusão, a exploração, a discriminação, etc. E, nesse capítulo, é evidente que o currículo de André Ventura é fraco.

Alguém que usa como tema central da campanha uma frase de uma música — “Isto não é o Bangladesh” — que tem como rima “tira os teus putos castanhos da minha creche”, claramente não defende a dignidade humana.

Confesso que as actuais eleições não me entusiasmam, não tendo qualquer entusiasmo por nenhum dos candidatos. Mas sei que, assim como não voto em quem defende que o aborto deve ser legal (o que já seria razão suficiente para não votar em André Ventura), também não voto em quem escolhe como ponto central da sua campanha o ataque a imigrantes, incluindo crianças.

Por isso, não voto em António José Seguro, não voto em Catarina Martins, não voto em António Filipe, não voto em Jorge Pinto, não voto em João Cotrim de Figueiredo e também não voto em André Ventura. O que sobra? Pouco, ou quase nada. Mas a política é escolher entre os que há, não entre os que gostaríamos que houvesse.