Nada é mais insuportável ao homem contemporâneo do
que descobrir que não é completamente autónomo, independente. Vivemos num tempo
em que o homem tem a pretensão de ser senhor de si mesmo, de controlar tudo.
Sou eu que me faço: decido o meu sexo, afasto a velhice, escolho quando morro,
quantos filhos tenho. Rejeito toda a autoridade moral ou filosófica, sendo eu
único árbitro do certo e do errado. A pretensão humana de autonomia chega ao
cúmulo de querer controlar o clima!
Evidentemente esta pretensão é ridícula. O homem contemporâneo
é como a criança pequena que veste a roupa de adulto e brinca aos crescidos. Por
muito bem que imite a mãe ou o pai, a verdade é que não deixa de ser uma
criança que corre para os pais quando esfola o joelho! O Homem por muito que
faça de Criador continua a ser sua criatura.
A pandemia da Covid-19 veio por a nu a fragilidade
desta pretensão. De repente o homem contemporâneo viu todo o seu mundo
suspenso. E não foi algo que aconteceu nos países pobres e subdesenvolvidos,
mas que paralisou as nações mais poderosas do mundo. De repentes os senhores do
mundo viram-se desarmados diante de algo tão velho como o mundo: uma praga. E a
verdade é que todo a ciência, todo o desenvolvimento, toda a riqueza foram
incapazes de derrotar a praga. A única coisa que pareceu resultar foi ceder:
fechar-nos em casa e esperar que passe! O homem omnipotente viu-se reduzido a
cativo de um simples vírus.
E é este facto que aterrorizou o mundo. Não o
vírus em si: tantas doenças que matam muito mais que a Covida-19! O que
realmente assustou a nossa sociedade foi defrontar-se com a ideia que não
depende apenas de si. Que é impotente. Que a realidade está acima da nossa
capacidade.
Há uma tentativa de responder como se tivéssemos controlo
da situação. O patético #vaitudoficarbem é disso sinal: claro que não vai tudo
ficar bem e que ninguém ainda sabe como isto vai acabar. Há pessoas a morrer, a
economia mundial está arrasada, não sabemos que acontecerá se isto chegar a
países pobres. Dizer que vai tudo ficar bem não passa de uma mentira piedosa, como
dizemos tantas vezes às crianças para que não se assustem quando há um perigo.
Depois temos também o zelo pelo confinamento, a tentativa desesperada de nos
convencermos que de facto há algo que podemos fazer para derrotar a praga.
Claro que a prudência é uma coisa boa, mas também é claro que o confinamento
quanto muito atrasa o ritmo de contágio, mas não vai resolver o problema.
Estas respostas procuram apenas esconder o
problema central desta pandemia, que é também o problema central do Homem, e
que procuramos ignorar: nós não controlámos a realidade, nós não somos senhores
do destino, nós somos apenas criaturas dependentes.
E é essa dependência que tanto assusta. Porque o
Homem contemporâneo, que enterrou Deus, ao descobrir-se dependente, crê estar
dependente da natureza, das circunstâncias, do destino. É dependente do nada.
Isso aterroriza. É voltar aos tempos do paganismo, que adorava a natureza
caprichosa que não compreendia e que temia. Aos pagãos que ofereciam sacrifícios
para aplacar os deuses e ter boas colheitas ou vitórias na guerra. Esta ideia é
de facto sufocante.
Há contudo uma alternativa: «Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros;
e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas? Qual de
vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua
vida?» A Fé é a resposta a esta dependência. Ao contrário do que hoje se
costuma dizer, a fé não é um sentimento, nem algo irrazoável. A Fé é a resposta
mais razoável ao drama humano. Porque só há duas alternativas Deus ou o nada. E
quem olhando para o mundo, quem olhando para tanto de extraordinário no mundo,
pode razoavelmente dizer que somos fruto do nada?
Cristo não é uma mera figura histórica, não é um
mestre. Cristo oferece-se como resposta ao drama humano. O cristianismo não é
um estilo de vida, não é um método de coaching,
não é uma forma de superação, mas o encontro com Aquele que responde plenamente
ao Homem.
Evidentemente a Fé não resolve o problema do
coronavirus. Não nos livra da doença, nem da morte. Como aliás, não cancela
nada do drama humano. Mas torna-nos livres. Livres do medo que paralisa. Por
isso cuidamos da saúde, cuidamos dos nossos, mas não tememos a vida, nem sequer
a morte. Porque sabemos que não estamos entregues ao acaso, mas nas mãos
Daquele que nos amou desde o momento da Criação.
Bem sei que para o nosso tempo as coisas que digo
são estranhas. Parecem loucura. Mas há dois mil anos de santos que me acompanham.
E parece-me que é mais razoável seguir os seus passos, do que a pretensão
moderna de ser senhor do seu destino. Quanto mais não seja, por verificar quão
rapidamente essa pretensão ruiu no ultimo mês.