Os jornais de hoje noticiavam,
como se de um grande escândalo se tratasse, que António Costa trabalhou como
consultor político para o Partido Socialista entre a sua saída do Governo e a
sua tomada de posse como Presidente de Câmara.
Confesso que li e reli a notícia
à procura de qual seria o escândalo mas não consegui perceber. António Costa não
ocupava na altura nenhum cargo público, não recebeu dinheiro do Estado e de
facto trabalhou para o Partido Socialista nessa altura.
Este escândalo veio na onda de
outro escândalo que ontem chegou a todos os jornais: o presidente da Câmara de
Lisboa viveu num apartamento na Avenida da Liberdade, no qual pagava uma renda,
aparentemente dentro da média do mercado, mas que tinha sido construído contra
o parecer do Núcleo Residente da Estrutura Consultiva do PDM – um serviço da
Câmara de Lisboa – e com o parecer positivo do IGESPAR. Tudo isto enquanto
ganhava mais de 7 mil euros como comentador da SIC.
Estas descobertas foram feitas
através de um blog, que por sua vez as fez consultando a declaração de
rendimentos de António Costa que, como dizem os jornais também em tom de
escândalo, foi entregue com 46 dias de atraso.
Ora, estes dois escândalos
seguiram-se aos escândalos dos processos tributários contra Passos Coelho por
não ter pago o seu IRS a tempo. Claro que Passos Coelho pagou o que devia às
Finanças, mas fê-lo com atraso.
Já este escândalo foi antecedido
pelo escândalo de Passos Coelho não ter pago à Segurança Social os descontos
devidos pelo seu trabalho independente entre 1999 e 2004. É verdade que tais
descontos nem sempre foram obrigatórios, também é verdade que o
Primeiro-Ministro nunca foi notificado pela Segurança Social para proceder aos
pagamentos e também é verdade que ele acabou por pagar, mesmo quando a dívida já
estava prescrita.
Se continuarmos a andar para trás
descobriremos mais casos desse género. O meu preferido continua a ser o da
Tecnoforma. Durante uma semana todos os jornais especularam sobre a
exclusividade parlamentar de Passos Coelho, com base numa queixa anónimo à Procuradoria-Geral
da República. Tudo isto quando a resposta era simples: o Primeiro-Ministro não
recebeu dinheiro da Tecnoforma enquanto era deputado.
O que têm estes escândalos todos
em comum? Antes de mais o facto de em nenhum deles os media se terem dado ao trabalho de fazer qualquer tipo de
investigação. Em todos eles limitaram-se a reproduzir queixas, blogs ou fugas de informação.
Para além disso, em todos estes
casos se verificou que não havia motivo nenhum para escândalo. Em nenhum foi
cometido qualquer crime ou ilegalidade grave. Nem havia sequer a quebra
de qualquer código de ética. Quanto muito os protagonistas tiveram falta de prudência ou alguma
negligência. Mas não houve utilização de dinheiros públicos, ou favorecimento
do Estado ou sequer abuso de influência.
Então por que razão foram
notícia? Porque vende. E a comunicação social vive mais preocupada em vender do
que em noticiar. Prefere estes escândalos a ter que fazer notícias sobre política,
ou sobre os grandes acontecimentos do país ou do resto do mundo.
A juntar a este problema temos ainda
as redes sociais. A internet permite acesso instantâneo a todo o tipo de
informação, sem qualquer meio de garantir a sua veracidade. O facto de que, para
se ser especialista em qualquer assunto, bastar o Google, faz com que ninguém
perca tempo a estudar o que quer que seja.
E assim se reduz o debate público
e político a um conjunto de fait divers.
Já não interessam ideias ou projectos, apenas slogans que possam ser instantaneamente comunicados e que
entusiasmem ou indignem as massas.
A consequência é que a razão foi totalmente
afastada da política. Só interessa a emoção. Por isso qualquer projecto
político ou obedece a ditadura do chavão, ou está condenado à partida. O mais
fácil é mesmo dizer o mínimo de palavras possíveis e as mais neutras possíveis.
Assim se explica que a política
portuguesa seja dominada por pessoas medíocres, sem qualquer ideia ou ideal. De
facto não precisam de nenhum dos dois para terem sucesso. Só precisam de ser
capazes de lidar bem com a comunicação social e de se lembrarem das frases
certas: austeridade, crise, direitos essenciais, consciência social,
solidariedade europeia…
É preciso romper esta ditadura do
politicamente correcto. Mas para isso não basta políticos capazes de liderar,
de pensar, de arriscar. É preciso também que nós os apoiemos. Construir a polis não é apenas responsabilidade dos
políticos, mas de todos os que nela vivem. Por isso temos também nós a
responsabilidade de não nos deixarmos enredar nesta cultura do escândalo, das
causas massificadas e termos um juízo claro sobre a realidade que nos rodeia.
A ausência de debate público
combate-se construído esse debate. Se cada um de nós, em vez de embarcar em
discussões estéreis sobre a Segurança Social de Passos Coelho ou a casa de
António Costa, arriscar num juízo claro, numa proposta clara, sobre a vida é
possível melhorar o nível do debate público.
Comecemos então nós a fazer este
trabalho. Em nossa casa, no nosso trabalho, com os nossos amigos, nas nossas
comunidades. Procuremos não o confronto, mas sim o debate que nos permite
discernir qual o melhor caminho a seguir. E assim é possível construir algo
novo.
(Por motivos vários não me foi possível publicar na semana passada. Tentarei continuar a manter a peridiocidade semanal do blog)
(Por motivos vários não me foi possível publicar na semana passada. Tentarei continuar a manter a peridiocidade semanal do blog)
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