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quarta-feira, 12 de março de 2025

Alguns pontos sobre a crise política

 



1.        Qualquer comparação entre Montenegro e Sócrates, como o Chega tem tentado fazer, é rídicula.  A Sócrates não era conhecida qualquer actividade profissional fora da política e ao mesmo tempo, ostentava gastos incompatíveis com o salário que recebia, que era público.  Montenegro, tem actividade profissional há anos, para além da política. Que dessa actividade resultem lucros e que ele os invista, é perfeitamente normal.

2.        A situação de Montenegro também não é comparável à de António Costa, que teve ministros arguidos, o seu próprio chefe de gabinete, e que foi ele próprio investigado. Mesmo que se tenha percebido rapidamente que a investigação do MP era uma mão cheia de nada, Costa não tinha qualquer outra opção que não demitir-se. Para mim, o erro de Marcelo Rebelo de Sousa na altura foi ter dissolvido a Assembleia da República. Havia uma maioria absoluta do PS e condições de governabilidade. Devia ter convidado o PS a formar governo com outro Primeiro-Ministro.

3.        Luís Montenegro já deu explicações minuciosas, mais até do que me parece necessário, sobre os seus negócios. Há um voyerismo nesta situação, típica de quem quer criar desinformação, apenas com objectivos políticos. Basta ver como o Chega, apesar da notícia ter sido desmentida, continua a afirmar que o trajecto do TGV foi alterado para beneficiar a família Viola.

4.        Contudo, apesar das explicações minuciosas de Montenegro, há um pecado original que se mantêm. Não há qualquer problema em político ter tido actividade profissional privada. Pelo contrário até é desejável. Por isso pouco me interessa a lista de clientes de Montenegro ou as casas que comprou. Se houver suspeitas de crime, o Ministério Público que investigue. Mas o primeiro-ministro não pode receber avenças de empresas.

5.        Claro que Montenegro defende-se dizendo que não recebeu, e juridicamente é verdade. Não acredito que tenha feito nada de ilegal. Mas não vale a pena tomar as pessoas por parvas: a empresa que criou é apenas um veículo para a sua actividade profissional, não tem qualquer existência para além do trabalho de Montenegro. Por isso, mesmo que formalmente o primeiro-ministro não receba avenças, na prática é isso que acontece. E à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo.

6.        Por isso Luís Montenegro devia ter-se demitido. Não pela chincana que a oposição montou, mas pela sua própria imprudência. Se o tivesse feito, o PSD podia apontar um novo líder, até talvez fosse possível evitar eleições. Como não o fez, vai levar ao país a eleições, tornando a sua actividade profissional no centro do debate político.

7.        Isto não significa que Chega e PS tenham razão. Não têm. Estão a tentar transformar uma imprudência num crime, e a aproveitar este caso para humilhar publicamente Montenegro, sem qualquer problema em mentir e caluniar, para ter pontos políticos. Mas nada disto aconteceria se o primeiro-ministro tivesse tido o bom senso de acabar com as avenças à sua empresa quando foi eleito.

8.        Nada de bom virá destas eleições. Na melhor hipótese, fica tudo igual, e país continuará ingovernável. Na pior hipótese, o PS ganha as eleições, mas sem uma maioria de esquerda, e o país torna-se ainda mais ingovernável. Num tempo de agitação internacional, é tudo o que não precisávamos.

9.        Há um ano, depois das eleições, defendi que Montenegro se devia demitir. Apostou tudo na estratégia do “não é não” e perdeu. O resultado foi pouco mais de um empate, e a derrota do PS foi fruto do Chega, e não do PSD. Não estando disposto a fazer acordos com o Chega (posição perfeitamente compreensível e razoável), não tinha condições para governar. Passado um ano, fica evidente que tinha razão. Vamos a eleições novamente pela simples razão que Montenegro está mais agarrado ao poder do que ao bem comum. Demonstrou-o há um ano quando decidiu governar sem ter maioria para isso, demonstrou-o agora, quando arrastou todo o governo num escândalo pessoal.

10.   Votarei AD nas eleições, mas mais uma vez, votarei mais vencido que convencido. O governo tem feito um bom trabalho e merece continuar. E a oposição em geral tem demonstrado a sua total irresponsabilidade e incapacidade de apresentar soluções viáveis para o país. Mas a forma como Montenegro se agarra ao poder, e demonstra governar mais pelos tacticismos do que com alguma estratégia de fundo, não entusiasma ninguém.