30 de Novembro de 2014 – No congresso do Partido
Socialista ouve-se em silêncio o nome das mulheres mortas por violência
doméstica esse ano. O partido tenta passar a mensagem de que a violência
doméstica está ligada à austeridade.
11 de Outubro de 2017 – O juiz desembargador Neto
de Moura assina um acórdão onde mantém a pena decidida em primeira instância
num caso de violência doméstica. Ficou provado que Y, antigo amante da mulher,
a perseguiu e a raptou, tendo de seguido telefonado a X, ex-marido da mulher,
para dizer que estava com ela. X foi ter com eles e agrediu a mulher com uma
moca.
Na avaliação que faz dos factos o desembargador
Neto de Moura dá relevância ao facto de socialmente o adultério da mulher ser
considerado um acto desonroso e cita para isso várias fontes.
O acórdão vai muito para além disso e decide por
fim não dar provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público.
17 de Outubro de 2017 – Depois de um época trágica
de incêndios, onde morreram mais de cem pessoas, o CDS decide apresentar uma
moção de censura ao Governo. O tema dos incêndios domina as notícias e o
Governo está sobre forte pressão.
22 de Outubro de 2017 – Rebenta o escândalo Neto
de Moura. O até então anónimo desembargador da relação do Porto passa a dominar
o ciclo de notícias. O escândalo é alimentado pela associação Capazes, de Rita
Ferro Rodrigues, e por Fernanda Câncio no DN. Isabel Moreira, num chocante
desprezo pela separação de poderes, anuncia que a Iº Comissão condena a decisão
da relação do Porto. A moção de censura do CDS, assim como o tema dos incêndios
passa para segundo plano.
31 de Outubro de 2018 – O juiz desembargador Neto
de Moura, num acórdão aprovado por unanimidade, decide retirar a pulseira
electrónica a um homem condenado por violência doméstica.
Justifica que a lei não permite que tal medida
acessória seja aplicada sem o consentimento do condenado. Ora, como não houve
consentimento, esta pena não pode, segundo a lei, ser aplicada.
Janeiro e Fevereiro de 2019 – Mais de dez mulheres
são mortas vítimas de violência doméstica. O tema volta a dominar o ciclo de
notícias. Gera-se revolta na comunicação social e na opinião pública pelo que
parece ser o aumento imparável da violência doméstica.
5 de Fevereiro de 2019 – O Conselho Superior de
Magistratura pune com uma advertência o desembargador Neto de Moura. Dos quinze
membro do CSM, 7 votaram pelo arquivamento do processo. Dos oitos que votaram
contra o arquivamento, houve um empate entre multa e advertência, tendo o voto
de qualidade do presidente do CSM desempatado a favor da advertência. O CSM
considerou que o desembargador faltou ao dever de correcção no modo como
descreveu a vítima.
25 de Fevereiro de 2019 – O Público noticia o acórdão
de 31 de Outubro de 2018. A notícia, rapidamente reproduzida pelos outros órgãos
de comunicação social, diz que o desembargador Neto de Moura retirou a pulseira
a agressor por este não ter dado o seu consentimento. Quase nenhum órgão de
comunicação social refere que esse consentimento é obrigatório por lei.
6 de Março de 2019 – O Tribunal da Relação do
Porto, após uma violenta campanha, anuncia que o desembargador Neto de Moura
vai deixar de apreciar casos de violência doméstica.
Relatei este factos por um simples motivo. Se é
verdade que as decisões do desembargador Neto de Moura podem ser criticadas,
não é menos verdade que ele tem sido usado como bode expiatório sobre a
violência doméstica.
No primeiro escândalo, alimentado por pessoas do
ou próxima do Partido Socialista, foi evidente a necessidade de retirar o tema
dos incêndios do ciclo de notícias. O acórdão foi quase sempre apresentado
truncado, a maioria das vezes foi dado a entender que a pena tinha sido
reduzida (o que é mentira), todos os comentadores ligado ao PS comentaram e
alimentaram o caso.
O segundo escândalo, que é absurdo uma vez que
ninguém se lembrou de criticar a lei, mas apenas o juiz que a aplica, serviu
claramente para ligar o aumento da violência doméstica aos juízes. A ideia é
clara: a violência doméstica aumenta porque os juízes são permissivos.
Tudo para não lembrar que, passados mais de 4 anos
do Congresso onde o Partido Socialista tomou como bandeira a violência
doméstica que era fruto da austeridade, passado quase quatro anos com o mesmo
partido no poder, o problema aumentou!
Por isso, no momento onde o país se revolta com o
aumento da violência doméstica, era essencial arranjar um culpado que não o
Governo. Se há cinco anos tudo, desde os suicídios à violência doméstica, era
culpa da austeridade de Passos, agora nada é responsabilidade de Costa.
Neto de Moura, independentemente daquilo que se
possa pensar sobre as suas opiniões sobre a violência doméstica (e da sua
inépcia em comunicar), foi usado como arma de remesso para causar indignação
sobre a violência doméstica. O drama é que, ao concentrar as atenções neste juiz
concreto e nos juízes em geral, vai-se continuar sem nada fazer ou resolver
quanto ao flagelo da violência doméstica. No fundo, parafraseando Lampedusa,
muda-se tudo para não mudar nada.
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