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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

É Natal, festejemos!



Gosto muito do Natal! Gosto das músicas, da árvores de Natal, dos enfeites, dos presentes, de tudo. Até começo a gostar um pouco do Pai Natal! A única coisa com que embirro no Natal é os típicos ralhetes sobre os excessos que se cometem nesta altura e o discurso moralista, sempre com um certo azedo, sobre o “verdadeiro sentido do Natal”.

Claro que reconheço que nesta altura se cometem muitos excessos: muita comida, muitas festas, muitos presentes. Mas a verdade é que o Natal é em si mesmo um excesso, talvez o maior de todos os excessos: Deus encarnou! Deus fez-se um bebé. Usou fraldas, teve cólicas, bolsou! E fez tudo isto para me poder salvar a mim. Haverá excesso maior do que este? E será possível conter a alegria, evitar levá-la ao excesso, quando celebramos o nascimento do Deus Menino?

Bem sei que muitos festejam o Natal sem pensarem em Jesus. Falam da magia do Natal, da festa da família, de um tempo de partilha. Mas essa é a beleza do Natal: é um facto, quer as pessoas se lembrem ou não do nascimento do Deus Menino. É um acontecimento de tal maneira portentoso, que marca de tal maneira a história, que até aqueles que não conhecem Jesus, ou que não o querem conhecer, festejam o seu nascimento. A luz de Belém irrompe as trevas e ilumina toda a terra. Não me espanta ou preocupa que todos a festejem, mesmo os que não conhecem a origem da luz.

E o Natal é daqueles mistérios que quanto mais nos debruçamos a contemplar maior é o espanto pela infinita ternura de Deus. Um Deus feito carne. O Todo o Poderoso que se fez completamente dependente. O Omnipresente que não tinha lugar na hospedaria. O Rei dos Reis numa corte de pastores. Aquele que criou todas as coisas, que se faz filho de uma rapariga de Nazaré e assim a torna Mãe de Deus! Como é possível que o Mistério de Natal não nos deixe a transbordar de alegria e de gratidão?

Por isso a mim incomoda-me apenas os ralhetes moralistas sobre o Natal. Daqueles que vivem o Natal amargurados com o consumismo, com o Pai Natal ou com as Boas-festas. Deixem-me dizer que se o verdadeiro Natal é passar todo o tempo a ralhar porque se fala pouco do Menino Jesus, então não estou interessado! E é pouco provável que alguém acredite quando dizemos que Deus se fez homem se isso se traduz numa amargura e não numa alegria inebriante. Porque se é verdade que aquele Menino no Presépio é Deus, então como é possível não estar alegre? Se o próprio Deus irrompe na escuridão e vem ao nosso encontro, como é possível não exultar?

Há muito tempo para a tristeza, para o sacrifício e para a ascese. O Natal é tempo de alegria e de felicidade. Porque o povo que andava nas trevas viu uma grande luz, um menino nos foi dado, um filho nasceu para nós. Será chamado Deus grande, Pai eterno, Conselheiro admirável, Príncipe da Paz! Por isso festejemos!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Direita: nem cercas, nem trincheiras.



Aquilo a que se convencionou chamar direita em Portugal decidiu entrar em guerra civil nas últimas semanas. Infelizmente a discussão não tem sido pautado pela elevada troca de argumentos, mas quase sempre por esse desporto tão caro aos comentadores nacionais que é a troca de insultos, mais ou menos polidos.

Por um lado temos os que defendem uma política de trincheira. Para estes o inimigo está claramente identificado: é a esquerda, do PS à deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. E nessa luta todos os que estão do lado de cá da barricada são bem vindos. A urgência de derrotar o adversário é tão grande, que não há espaço para moralismos. Inimigo do meu inimigo meu amigo é. Por isso para estes, qualquer critica ao Chega ou a qualquer populista de direita é fazer o jogo da esquerda.

Do outro lado temos os que defendem a pureza democrática da Direita. Que defendem a união da direita democrática e uma cerca à volta da direita iliberal.

Ambas as facções perdem imenso tempo a demarcar-se uma da outra. Todos explicam muito bem aquilo que não são e porque razão as posições da outra facção estão não só profundamente errada, como ainda por cima são a razão para a Esquerda estar confortavelmente instalada no poder.

Ambas as posições acabam de facto por ser a mesma. Chamando-lhe trincheira ou cerca, a direita vive entretida a isolar-se sobre si mesma, fechada na sua superioridade moral. E entre a trincheira e a cerca, o espaço vai diminuindo. De uma forma ou outra a verdade é que a Direita se recusa a dialogar com boa parte do país.

Quando G.K. Chesterton publicou o seu livro Heréticos, onde criticava a filosofia dos seus contemporâneos, um dos visados respondeu : "I shall not begin to worry about my philosophy of life until Mr. Chesterton discloses his." Este desafio levou Chesterton a escrever uma das suas obras primas, Ortodoxia, provavelmente um dos mais conhecidos e importantes livros de apologética cristã do século XX.

A Direita portuguesa está longe da genialidade de Chesterton, mas sofre do mesmo mal: sabemos muito bem aquilo que não quer, mas ainda ninguém percebeu muito bem aquilo que quer.

Vivemos tão imersos na mentalidade socialista, que a Direita existe na constante reacção à esquerda, mesmo que seja para a declarar como principal inimigo.

Não acredito nesta forma de fazer política, e não me parece que seja uma boa estratégia.

Ser contra alguma coisa não permite construir nada, só destruir. Sim, é razoável ser contra o Estado paternalista, autoritário, que desrespeita a dignidade Humana. Mas não basta ser contra, é preciso propor uma alternativa.

E é nisso que a nossa Direita falha. Está tão ocupado em não ser coisas (não ser socialista, não ser populista, não ser fascista, não ser fofinha) que não tem tempo para ser alguma coisa.

Social-democracia, conservadorismo, democracia-cristã, liberalismo, são cada vez mais chavões que não querem dizer absolutamente coisa nenhuma. São pouco mais do que bordões para discursos políticos redondos e vazios.

Sem a direita dizer ao que vem dificilmente poderá construir o quer que seja. Porque se não sabe para onde quer ir, só sabe que não quer ir por aí, então só sobra à Direita ficar imobilizada, a construir cada vez mais cercas e trincheiras, até ficar completamente isolada e irrelevante. Uma excentricidade, para ser vista pelo povo, como um animal em vias de extinção num Jardim Zoológico.

Parecia-me mais útil por isso que em vez da troca de insultos a que assistimos nas últimas semanas entre a direita das trincheiras e a direita das cercas, as dezenas de pessoas que usam o seu tempo a pensar no futuro da Direita, apresentassem com clareza aquilo que defendem. E não vale a pena perder tempo a apontar inimigos, que tenho por experiência própria que, quando defendemos o que acreditamos, os adversários encontram sempre maneira de nos encontrar.

Se cada um tiver claro aquilo em que acredita, se o defender com clareza, então não precisa de qualquer cerca ou trincheira. Pode dialogar com todos, porque sabe bem o que quer, e até onde está disposto a ir. Sobretudo, pode dialogar porque está na política para defender alguma coisa, não para atacar. E por isso pode falar com aqueles, à direita e à esquerda, que estejam dispostos a dialogar para construir uma sociedade mais justa. E este parece-me o único caminho razoável.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

O Natal não é quando o homem quer.



Tenho lido por aí repetidamente que o Natal este ano pode ser cancelado. Não querendo chatear ninguém, mas seria bom que não nos déssemos assim tanta importância. Se é verdade que o Governo chamou a si o poder de tolher de maneira idiota e desproporcional os nossos direitos, a verdade é que o Natal ainda não está à disposição dos homens.

Relembro aos mais distraídos que o Natal é um acontecimento histórico preciso: Naqueles dias, saiu um decreto de César Augusto, para ser recenseada toda a terra. (...) José subiu também da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e da descendência de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que estava para ser mãe. Enquanto ali se encontravam, chegou o dia de ela dar à luz e teve o seu Filho primogénito. Envolveu-O em panos e deitou-O numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.

Como se pode perceber, é pouco provável que este facto possa ser simplesmente “cancelado” por conta de uma pandemia. Sobretudo, porque sendo um facto histórico concreto (também me parecia difícil cancelar o cerco de Alésia!), é ao mesmo um acontecimento sobrenatural: Deus fez-se carne e habitou entre os homens. E por isso não nos limitamos a recordar um acontecimento histórico, mas fazemos memória da Encarnação Divina. Pela Sua Misericórdia, Jesus volta a nascer no coração de cada homem de boa vontade, que esteja disposto a fazer do seu coração uma manjedoura.

Evidentemente que se podem cancelar todas as festividades: as luzes, os concertos, os jantares de amigos, as festas das escolas e os encontros familiares. Num acesso de loucura o Primeiro-Ministro pode proibir a venda de bacalhau e a Dra. Graça Freitas pode declarar que o Bolo Rei ajuda na propagação do vírus. Em última instância até podem fechar as Igrejas e guardar todos os presépios do país em caixas. Nada disso impedirá o nascimento do Deus Menino, nem impedirá os cristãos de o acolher no seu coração! O Natal acontece, celebrado nas catacumbas ou nas basilicas papais, nas trincheiras geladas ou em casa junto à lareira, nos pequenos casebres ou nos palácios reais. A verdade é que celebramos o Natal há dois mil anos, com perseguições, guerras e pandemias. E nunca ninguém conseguiu esse belo feito de cancelar o Natal. E se por ventura, em algum momento, a Igreja peregrina desaparecer e ninguém na terra celebrar o Natal, este será para sempre celebrado pela multidão dos Santos que nos antecederam.

O Governo pode cancelar todos os festejos de Natal (ou pelo menos tentar). Mas esses festejos, por muito bons que sejam, são apenas uma consequência do Natal. Gostava que não acontecesse, porque gosto muitos das tradições natalícias: gostos dos cantos, dos presentes, de reunir a família. Até começo a gostar do Pai Natal. Mas se tal vier a acontecer, não muda em nada o Natal. Com ou sem luzes, com sem árvores de Natal, um facto permanece até ao fim dos tempos (e até para a eternidade): O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz começou a brilhar. (...) Porque um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado «Conselheiro admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da paz».

Por isso não nos apoquentemos com o que há de vir, assunto sobre o qual pouco ou nada podemos fazer. Preparemos-nos antes para este extraordinário mistério do Nascimento do Deus Menino.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

O Islão e a lenta agonia da Europa



A Europa tem um problema com o Islão. O terrorismo que ciclicamente assola o continente é apenas a face visível desse problema. Há um problema mais profundo, que muitos teimam em ignorar: em muitas cidades o crescimento das comunidades islâmicas levou à criação de enclaves onde o Estado não entra e as leis são ditadas pela comunidade. Estes enclaves são viveiros para o extremismos islâmico.

A continua tentativa de, em nome da tolerância, ignorar este problema têm tido consequências desastrosas. É evidente que existem milhões de muçulmanos na Europa que vivem integrados. Aliás, Portugal é um bom exemplo disso. Mas esse facto não nos pode levar a fechar os olhos para o crescimento de comunidades que procuram impor a toda a sociedade, pela força se preciso, a sua visão religiosa.

Insistir na ideia de que não há um problema islâmico é maus para todos, incluindo para os tais milhões de muçulmanos que só querem viver em paz e que em nome do politicamente correcto acabarão sujeitos aos extremistas de que não gostam e de quem muitos fugiram.

Este problema precisa de uma resposta política forte e determinada. É preciso não ter medo de impor a lei. É preciso combater os radicais, sem vergonha e sem pedir desculpa. É preciso assumir que a política migratória está a falhar. Sobretudo, é preciso de uma vez por todas enfrentar o problema dos migrantes: a política de pescar os que se pode no Mediterrâneo, chorar lágrimas de crocodilo pelos que lá morrem, e depois ir despejando os sobreviventes por essa Europa fora, não funciona. A Europa tem que combater as redes de tráfico, tem que resolver o problema da Líbia de uma vez por toda, e criar politicas internacionais que permitam aos migrantes não ter que abandonar os seus países. A falsa misericórdia de acolher sem critério qualquer pessoa que consiga atravessar o Mediterrâneo só traz mais mortes, mais miséria e em última instância, mais extremismo. O bonismo de chorar as mortes no Mediterrâneo ao mesmo tempo que nada se faz para resolver o problema, pode satisfazer a consciência ocidental, mas não evita os cadáveres no fundo do mar.

Contudo, podemos tomar todas as medidas necessárias contra a imposição de um islamismo radical na Europa. Podemos fechar as fronteiras, encerrar as mesquitas radicais, perseguir até ao fim todos os imãs extremistas e prender todos os terroristas, que nada disso impediria a decadência da Europa. O extremismo islâmico veio apenas preencher um vazio que existe no continente. O Islão não é o problema, será quanto muito um sintoma da decadência europeia.

A Europa não é verdadeiramente um continente, é apenas o nariz da Ásia. Os Urais não são uma fronteira geográfica, são uma fronteira cultural. O que une a Escandinávia ao estreito de Messina, Moscovo ao cabo de São Vicente é o cristianismo. A Europa é o cristianismo ou é nada. Evidentemente que a cultura europeia teve muitas outras influências: Grécia, Roma, os bárbaros e até o Islão. Mas todas essas influências foram incorporadas pelo cristianismo, e foi pelo cristianismo que se tornaram comuns a toda a Europa. 

Ao abandonar o cristianismo a Europa abandonou-se a si mesma. Renegou a sua história e a sua cultura. Sem o cristianismo não há Europa, há apenas um conjunto de países com pouco mais em comum que a proximidade geográfica.

Não vale a pena falar da cultura europeia, proclamar a defesa da herança europeia, se depois ninguém está disposto a reclamar a herança.

Não se trata de discursos vagos sobre valores. O cristianismo não é um conjunto de valores, que se podem colocar num museu. Não vale a pena falar de Igrejas derrubadas e de Mesquitas construidas, se depois as Igrejas continuam vazias.

O cristianismo não é uma arma de arremesso político. É uma Fé. E se não há Fé, então não há valores que valham. Os valores cristãos sem a Fé, são como uma árvore bela e imponente, mas cujas as raízes secaram. Está condenada a cair, apesar de toda a imponência.

Como dizia ao principio, é sem dúvida importante resolver o problema político do Islão na Europa. Mas a Europa tem um problema mais grave, que é um problema cultural. E esse problema não tem qualquer relação com o Islão. O problema não é os muçulmanos terem muitos filho e educarem-nos na sua religião. O problema é os cristão terem desistido de o fazer.

Por isso problema essencial da Europa não é resolver a questão politica. É mesmo um problema cultural: sem cristãos não há Europa. Por isso quem realmente ama a Europa, a sua história e a sua cultura, só tem um caminho: o cristianismo. Sem Cristo, podemos resolver todos os problemas políticos que quisermos que estaremos apenas a prolongar a lenta, mas inexorável, agonia da Europa.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Notre Dame de Nice a morte do Ocidente

 



Ontem em Nice um extremistas islâmico matou três pessoas na Basílica de Nossa  Senhora da Assunção. Ao contrário de George Floyd ou de Samuel Paty, as vítimas deste ataque permanecem anónimas. Sabemos que havia uma mãe de família, cujas as últimas palavras foram dirigidas aos filhos, o sacristão que tentou parar o ataque e uma senhora de 70 anos, degolada sobre a pia baptismal. Tudo isto enquanto o assassino gritava Allahu Akbar.

 Para estes três mártires não houve nenhum “je suis” e aparentemente their lives don’t matter. A sua morte não podia ser utilizada por nenhum lobby político, nem entrava na agenda de nenhuma ONG patrocinada por um qualquer milionário.

 São apenas mais três cristão mortos pelo ódio à Fé. Mais três de entre os milhares mortos no  mundo inteiro, todos os anos. Mortos aos quais se somam milhares de prisioneiros, de escravos de perseguidos. Um pouco por todo o mundo, mas especialmente nos países onde o Islão governa.

 E não venham com o discurso de que há extremistas em todo o lado, ou do fanatismo religioso. Não vejo cristãos a queimar mesquitas, a fazer de meninas islâmicas escravas sexuais ou a queimar vivos cristãos convertidos a outras religiões. O que vejo é a perseguição sistemática aos cristãos perante o total silêncio do Ocidente.

 A morte destes três cristãos, sem direito a nome, não pintou de preto as capas dos jornais, não abriu os telejornais, nem sequer teve direito a um moldura provisória no Facebook. Mereceu apenas umas breves referências, um ataque em Nice com uma faca...

 Mas era bom que aqueles que hoje silenciam a morte dos cristãos, que fingem que não se trata de ódio religioso, que se lembrassem que para o Islão o Ocidente e o Cristianismo são inseparáveis. E nenhuma das formas glicodoces que o Ocidente cobardemente adopta para apagar a sua herança cristã impedirá os fanáticos islâmicos de olhar para o Ocidente como um inimigo. O ódio ao cristianismo, que teimam em ignorar, é também ódio ao Ocidente.

 Por isso quando o poder da Europa e da América ignora o martírio dos cristãos cava a sua própria sepultura. Cada Igreja queimada, cada cristão morto significa apenas o fortalecer do extremismo islâmico contra todo Ocidente. E começa a ser tarde para acordar.

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A morte de Samuel Paty e a liberdade de educar.



Samuel Paty era um professor de liceu francês. Numa das suas aulas de cidadania, falando sobre a liberdade de expressão, mostrou dois cartoons do Charlie Hebdo que representavam Maomé. Antes de mostrar os desenhos o professor teve o cuidado, sabendo que para os islâmicos aqueles desenhos eram blasfemos, de avisar os estudantes do que ia mostrar e permitiu que quem se sentisse ofendido com aquelas imagens saísse da sala. 

Depois da aula o pai de uma aluna começou uma campanha contra o professor, que foi ampliada pelo imã local. A campanha de ameaças começou dentro e fora das redes sociais, com várias ameaças de morte. No dia 16 de Outubro Paty foi morto por um extremista islâmico, cujo o nome não escrevo para não lhe conceder a publicidade que procurou. O terrorista pagou a estudantes para que lhe indicassem quem era o professor, seguiu-o e cortou-lhe a cabeça. De seguida publicou imagens da cabeça no Twitter enquanto se proclama um mártir do Islão.

Samuel Paty foi vítima do extremismo islâmico. Vítima de quem não suporta uma sociedade onde haja outra visão que não a sua. Vitima de uma ideologia que não permite discordâncias.

Em Portugal alguns comentadores, a quem também não tenciono conceder publicidade, tiveram a falta de vergonha de tentar equivaler o terrorista assassino a Artur Mesquita Guimarães, o pai que luta pela liberdade de educar os seus filhos.

A acusação é nojento e fruto de mentes doentias. Dificilmente valeria a pena perder tempo a explicar o absurdo da comparação. Mas há coisas que é preciso que fiquem claras.

Artur Mesquita Guimarães é um pai que luta pela possibilidade de educar os seus filhos em liberdade. Ele não pediu para acabar com as aulas de Educação para a Cidadania, não fez qualquer critica ou ataque aos professores que a ensinam, não pôs em causa a liberdade de ninguém. Simplesmente luta pela liberdade de não sujeitar os filhos à visão única do Ministério da Educação. E fê-lo como se faz em Democracia: com a Lei.

Pelo contrário, os seus detractores não suportam que exista quem tenha uma visão diferente da sociedade. Por isso perseguiram-no e aos seus filhos, fizeram campanhas nas redes sociais contra ele, e muitos pediram leis que permitissem punir o homem que tem a audácia de ser livre.

Eu evito fazer comparações com terroristas. Mas de uma coisa não tenho dúvida, no caso das crianças de Famalicão, não é seguramente quem luta pela liberdade que pode ser comparado ao facínora que matou Samuel Paty. Se alguém pode ser comparado ao terroristas, é quem quer impor a sua visão, á força se preciso, a toda a sociedade.

A luta de Artur Mesquita Guimarães é a mesma de Samuel Paty: uma escola onde a liberdade e a fé de cada um seja respeitada. Eu estarei sempre desde logo contra os extremistas que querem impor uma visão única às crianças. Sejam eles islâmicos ou laicistas.

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Eutanásia o grande jogo dos contrários



Lembro-me de em miúdo ter aprendido um jogo onde alguém cantava “quando eu digo sim, quando eu digo sim, vocês respondem não e quando não, e quando não, vocês respondem sim” e depois ia inventado frases com palavras soltas a que todos tinhamos que responder cantando a mesma frase mas com os opostos.

 

Lembrei-me deste jogo quando vi a notícia de que o Parlamento ia debater a Iniciativa Popular de Referendo sobre a eutanásia no dia 23 de Outubro. Como ainda Junho a deputada Isabel Moreira disse que não havia qualquer urgência em legislar a eutanásia e em quatro meses, como uma pandemia e um Orçamento de Estado pelo meio, conseguiu produzir um texto de substituição para ser votado no plenário e ainda despachar uma Iniciativa Popular que reuniu mais de 95 mil assinaturas, só posso presumir que também ela é fã do jogo dos opostos. Que quando diz que não há pressa, o que realmente quer dizer é que vai fazer deste tema a única prioridade do seu mandato.

 

E esta atracção pelo jogo dos oposto explicaria muito sobre todo o processo legislativo da eutanásia. Explicava por exemplo porque razão os defensores da morte a pedido ao mesmo tempo que dizem que é urgente debater o tema, recusam-se a pô-lo nos seus programas eleitorais, recusam-se a debatê-lo durante a campanha e agora irão recusar o referendo.

 

Explica também porque razão é que dizem que não se pode sobrepor os dogmas à razão, mas depois insistem numa medida que é rejeitada pela Ordem dos Médicos, pela Ordem dos Enfermeiros e pelo Conselho Nacional de Ética para as ciências da vida, deixando claro que esta lei não encontra qualquer justificação que não seja a crença dos seus proponentes.

 

Também deve ser por terem boas recordações deste jogo infantil que insistem em dizer que ouviram os especialistas, quando quase todos os especialistas ouvidos pelo Parlamento sobre o tema nos últimos anos se mostraram desfavoráveis a ela.

 

O jogo dos opostos também permitiria perceber a afirmação de que a objecção de consciência dos médicos está completamente salvaguardada, mas depois obrigar os médicos a justificar por escrito a sua decisão, com a decisão a ter que ser comunicada à Ordem. Suponho que o objectivo seja manter uma lista com os objectores de consciência...

 

De facto, só o gosto pelo jogo dos contrários pode explicar que continuem a afirmar que a eutanásia é apenas para casos muitos excepcionais e que a lei é muito restritiva e depois apresentem um projecto de lei onde cabe tudo . De facto, como o critério é ter uma lesão definitiva ou doença incurável e fatal, no projecto produzido por Isabel Moreira cabe desde uma cancro em último estágio até à diabetes. Só é preciso que os médicos considerem que existe sofrimento extremo, uma expressão completamente vaga, que inevitavelmente varia de pessoa para pessoa. Tudo isto sem ser obrigatório um psiquiatra que garante que o pedido é realmente livre e esclarecido (suponho que para os proponentes a especialização médico é um mero pormenor, e por isso ter um ortopedista ou um neurologista a avaliar o estado psiquiátrico do doente é perfeitamente normal!).

 

Fica também explicado porque razão os defensores da morte a pedido continuam a dizer que isto é uma questão de liberdade individual e depois deem o poder de decisão aos médicos. De facto é o doente que pede para morrer, mas caberá aos médicos avaliar o seu sofrimento e decidir se pode ou não ser morto. A lei, tal como está prevista, irá permitir que para o mesmo caso uns médicos permitam e outros não. Esta proposta de facto não aumenta em nada a liberdade individual, a pessoa pode pedir para morrer como já podia antes. A única diferença é que agora o médico pode decidir se mata o doente ou não!

 

Mas nada disto nos devia espantar, porque de facto toda a proposta da eutanásia tem por base o que parece ser um enorme jogo dos contrários: diante de uma pessoa em tal sofrimento que pede para morrer os defensores da legalização do homicídio a pedido da vítima afirmam que é tortura cuidar daquela pessoa e chamam misericórdia ao acto de matar aquele ser humano. Tentam explicar que é indigno a pessoa morrer na sua cama rodeada pelos que amam, mas chamam morte digna à injecção letal administrada numa sala de hospital.

 

E assim estamos, diante de um proposta de alteração legal gravissima que parece um enorme jogo dos contrários: não há pressa mas é feita a correr, queremos debate mas não debatemos, não pode haver dogmas mas não ouvimos a ciência, ouvimos os especialistas mas ignorámo-los, a objecção de consciência está protegida mas tem que ser justificada e registada, é para casos excepcionais mas cabe lá tudo, aumenta a liberdade pessoal mas que decide são os médicos, é o respeito pela dignidade humana mas o Estado mata doentes! Sobra-nos a esperança de que o jogo dos opostos seja jogado até ao fim e que quando dizem que vão votar a favor da legalização da eutanásia, de facto estejam a dizer que vão votar contra!

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O CDS ainda é útil?

 



O CDS atravessa aquela que é provavelmente a maior crise da sua história. Vem de dois resultados eleitorais humilhantes, vive uma situação financeira muito delicada, divide o espaço da direita com outros partidos viáveis, e as sondagens teimam em não disparar.

Recuso-me ao exercício de apontar dedos. Aliás, tem sido bastante esclarecedor para compreender a actual situação do CDS ver a constante troca de acusações entre actuais e antigos dirigentes, onde uns parecem viver num mundo onde tudo estava bem até ao último congresso e outros num mundo onde nunca conheceram Assunção Cristas. Percebe-se com clareza qual a principal preocupação de quem entra nesta guerra.

Mas penso que é importante fazer uma reflexão sobre o CDS e o seu futuro. Sobretudo, vale a pena reflectir se é razoável continuar a lutar pelo CDS, em vez de apoiar o crescimento do Chega e da IL. Será que o CDS é apenas um empecilho ao crescimento de uma nova direita?

Para aqueles que apoiam o pragmatismo, que queriam o CDS como a grande casa da Direita, um porto de abrigo para Conservadores, Liberais e até para os Democratas Cristãos, extinguir o partido devia ser a solução mais lógica. O Chega está neste momento a crescer e vai à frente do CDS em todas as sondagens, a IL também vai crescendo (embora ainda não tenha apanhado o CDS) e ainda temos o PSD. Logo, se aquilo que interessa é a direita chegar ao poder, então o CDS perdeu a sua razão de existir neste momento. O que há a fazer é os mais conservadores irem apoiar o Chega, os Liberais irem para a IL e os que só estão no CDS à procura de um lugar mudarem-se para o PSD (que no seu actual estado também precisa de bastante ajuda).

O CDS só continua a fazer sentido se de facto tem algo de único para propor ao país. Algo para além do pragmatismo do PSD que lhe permite ser tudo e o seu contrário, algo diferente da fórmula “conservador nos costumes e liberal na economia” do Chega ou do Liberalismo total da IL.

A verdade é que desde o 25 de Abril sempre houve uma grande casa da direita em Portugal, onde cabia tudo desde o mais acérrimo liberal até ao quase neo-fascista. Essa casa é o PSD. A social-democracia em Portugal nunca quis dizer nada. O PSD era o partido de poder da Direita, em que a maioria votava não por qualquer fervor ideológico, mas por mera utilidade.

O CDS sempre foi um partido de causas e ideais. O partido que defendia um verdadeiro Estado Social contra o estado socialista. Um Estado que fosse personificação jurídica da sociedade, construido de baixo para cima, sem pretensões totalitárias, mas antes profundamente respeitador das liberdades e direitos individuais. Um Estado que fosse garante da dignidade humana, da justiça, do bem comum e da paz social. Por isso o CDS foi o partido dos agricultores, dos contribuintes, dos pensionistas, da defesa da vida, da liberdade de educação, da família. E também o partido que honrou e apoiou sempre as nossas forças armadas e as nossas forças de segurança.

O CDS foi o partido daquelas pessoas que trabalham, que têm a sua lavoura, ou o seu negócio, e que estão dispostos a contribuir para o bem comum, mas não querem um Estado asfixiante, burocrático, autoritário e empenhado em engenharias sociais.

Por isso o CDS nunca foi a grande casa da direita. Nunca foi um albergue espanhol. O CDS foi a casa da democracia-cristã. Já ouvi muitos dizer que isso significa ser uma partido de nichos. Talvez seja, mas a verdade é que quando tentou deixar de ser um partido de nichos e quis ser a grande casa da direita teve o seu pior resultado eleitoral de sempre e entrou numa profundíssima crise.

É que o pragmatismo, a tentativa de adaptar o discurso à vontade dos eleitores, só funciona se há alguma possibilidade de ter poder. Porque se um partido é pragmático pressupõe que quem vota nele serão as pessoas pragmáticas. E uma pessoa pragmática vota em quem pode governar. O problema é que o CDS ao querer passar de voto de consciência para voto útil, perdeu a sua utilidade! Para votar num partido pragmático, o eleitor de Direita vota no PSD que pode ganhar as eleições. No CDS vota-se por convicção.

Penso que para o CDS voltar a ser útil tem que se preocupar menos com os focus group, com responder ao último escândalo, ou em fazer furor nas redes sociais. O que o CDS precisa é de ter um programa para o país. Não um arrazoado de medidas declamadas ao som do soundbyte do momento, mas um programa claro que explica que futuro defende para Portugal. Um Estado menor e melhor, menos burocrático, que trabalhe em colaboração com os corpos intermédios da sociedade e não se substitua a estes. Uma fiscalidade mais simples, que não asfixie os trabalhadores. Uma opção clara pelos mais pobres e mais frágeis. A defesa intransigente da vida e da família. A aposta no mundo rural. O respeito pela Lei e pela Justiça. A promoção da nossa cultura, da nossa história, ou seja, das nossas raízes comuns.

Acredito que um CDS assim faz muito mais falta a Portugal. O partido verdadeiramente democrata-cristão, para quem cada vida é digna, tenha menos de dez semanas, seja um velho doente, um criminoso ou um cigano. Um partido para quem no centro da política não está o Estado, nem a Nação, nem o mercado, mas sim a Dignidade Humana.

Considero que assim seria possível ao CDS ultrapassar esta crise, embora admita que possa estar enganado. Mas de uma coisa estou certo: por um partido assim valia a pena lutar.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Como me tornei monárquico.. E tudo o resto!

 



Lembro-me bem de um dia em pequeno, não tinha mais de dez anos, dizer à minha mãe que era republicano. A resposta da minha mãe foi simples “olhe que o avô é monárquico”. O meu avô era a pessoa mais inteligente que eu conhecia por isso assim começou a minha militância monárquica.


Passados mais de 20 anos aprendi várias outras razões para considerar a monarquia um sistema melhor que a republica. Não tenho qualquer problema em esgrimir argumentos com o mais empedernido republicano. Contudo, o meu avô continua a ser a pessoa mais inteligente que eu conheci, pelo que em última instância sou monárquico porque ele o era.


Este método que me levou a apoiar a monarquia é o mesmo que método que definiu a maior parte das minha ideias e ideais. Este é o método que me levou à Fé. Se hoje conheço Doutrina, Leis e princípios, a minha Fé devo-a antes de mais a ter na minha família pessoas que a vivem de tal maneira que a tornaram absolutamente atractiva.


Não se trata de um seguidismo cego, nem de abdicar da razão. Pelo contrário trata-se de uma decisão profundamente razoável e pessoal: se encontrei quem é mais inteligente, mais santo, mais feliz do que eu, então é profundamente razoável seguir essa pessoa.


Bem sei que vivemos nesta pretensão de que devemos ser originais, inovadores. Mas a verdade é que há pouco ou nada de novo original neste mundo. A escolha é entre percorrer às cegas velhos caminho ou seguir por esses caminhos atrás de quem já os percorreu. Eu escolho seguir quem é mais feliz do que em vez de vaguear perdido para ser original.


Felizmente tenho a graça de ter na minha pessoas para quem olhar. A começar nos meus pais, avós e tios. Uma graça que me deixa imensamente grato porque é imensamente imerecida. De facto tive a vida muito facilitada, nunca tive que procurar mestres, bastou-me seguir. Bem sei quem nem todos têm a mesma sorte.


Nestes tempos tão confusos aquilo que mais falta são mestres para quem olhar. Faz falta pessoas cuja a vida seja de tal forma atractiva que valha a pena seguir. Por isso o mais razoável é quando encontramos alguém assim só há uma atitude verdadeiramente razoável: segui-lo! E foi assim que acabei monárquico! 


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

A carta dos idiotas úteis.

 


Anda por aí a circular uma carta de uns católicos a ralhar com o Patriarca de Lisboa e o Bispo de Aveiro por terem a ousadia de defender a liberdade educação.

Os signatários são os idiotas úteis de sempre, que em qualquer debate público aparecem a atacar a posição da Igreja, possibilitando aos media fazer parangonas como “católicos a favor do aborto”, “católicos a favor da ordenação das mulheres” ou “católicos a favor da educação para a cidadania”. De facto, parece que estas pessoas só usam o título de católicos para que os seus ataques à Igreja tenham alguma relevância.

Felizmente são cada vez menos, uma vez que tendo todos ficado congelados em 68, a grupeta dos católico contra o catolicismo tem vindo a diminuir com a marcha inexorável do tempo. Por isso é que o único tema onde ficam calados é a eutanásia: ao contrário do aborto e da educação sexual, a eutanásia ainda lhes pode tocar!

Para este grupinho a Doutrina Católica pode e deve ser desprezada, já a Doutrina da 5 de Outubro deve ser obrigatória para todas as crianças. Não sabemos se acreditam realmente no que a Igreja ensina, mas sabemos que crêem com fervor no catecismo de Simone de Beauvoir.

E como bons progressistas que são, este grupo de resistentes (ao tempo), são incapazes de lidar com a liberdade de quem deles discorda. Não suportam que existam pais que fazem questão de educar os seus filhos. Não são capazes de começar a imaginar uma cidadania que vai para além dos estreitos limites da sua imaginação formatada pelo marxismo dos anos 60.

Felizmente existem bispos livres como o Patriarca de Lisboa e como o  bispo de Aveiro. Homens que defendem a liberdade do seu rebanho em educar os seus filhos longe dos devaneios dos órfãos de 68 e dos Torquemadas da 5 de Outubro. Bispos que não se sujeitam ao poder.

Não, os nossos bispos não estão ser instrumentalizados pela Direita. Simplesmente não se deixam instrumentalizar pela esquerda, como sonham estes “católicos”.

Contudo, não deixa de ser impressionante ver como a comunicação social, que raramente dá conta do que os católicos fazem, dê tanta cobertura a um grupinho de católicos, cuja única notoriedade é dizer mal dos bispos. Percebe-se bem quem está a ser instrumentalizado nesta questão. É irónico que quem faz de peão de brega do Ministro da Educação tenha a lata de falar em instrumentalização!

Mas não nos preocupemos, que o povo cristão não se confunde. Sobretudo não se confunde com estes falsos profetas, que se arrogam a porta-vozes de um povo que desconhecem, que apregoam uma fé que não praticam e que falam de uma doutrina que ignoram. E a prova é que eles são sempre os mesmos, há cinquenta anos que são os mesmos, apenas com mais rugas e menos vergonha.

domingo, 30 de agosto de 2020

O clubismo jornalistico, um perigo para a democracia.




É bastante interessante comparar as reacções do nossos orgãos de comunicação social à publicação de uma conversa em off de António Costa com o director do Expresso e a publicação de conversas gravadas em segredo da irmã de Donald Trump. Ambas as conversas têm interesse político, nenhum tem interesse suficiente que justifique a sua publicação.

 

Mas se a publicação da conversa entre o primeiro-ministro e um jornalista provocou a censura da maior parte dos jornalistas, aparentemente nenhum orgão de comunicação social teve qualquer problema em publicar conversas gravadas em segredo sobre o Presidente americano. Pelos vistos o primeiro-ministro tem direito a conversas privadas com jornalistas (e bem a meu ver) mas a irmã do presidente americano não tem direito a ter uma conversa privada com a sobrinha.

 

Evidentemente que esta disparidade de critérios não é exclusiva da comunicação social. A mentalidade de que a gravidade de uma acção depende do seu autor é bastante comum no debate público. Basta ver como um escândalo de corrupção causa reacções diferentes conforme o seu protagonista seja Bannon ou Iglesias. Os mesmo que juram a cabala contra Bannon pedem a prisão de Iglesias, e os que usam Banonn como exemplo da corrupção de Trump fingem que as noticias que chegam de Espanha sobre o Podemos não existem. Os factos e a razão estão cada vez mais afastados do debate público. O que conta é o “clube”, o que torna qualquer debate extremamente difícil.

 

Contudo, esta disparidade de critérios quando utilizada pela comunicação social é mais grave. Os jornalistas tem um papel essencial para a democracia. Uma comunicação social livre e independente é essencial para o escrutínio do poder público, é um garante da transparência numa democracia.

 

Por isso é grave quando o critério é um para António Costa e outro para Donald Trump. E infelizmente exemplos não faltam. Veja-se a diferença de cobertura entre a gestão desastrosa do governo Espanhol da pandemia da Covid-19 e a de Bolsonaro. Ou das manifestações do movimento BLM nos Estados Unidos e dos coletes amarelos em França. Ou a diferença entre a cobertura dada a António Costa e que foi dada a Passos Coelho. Infelizmente a dualidade de critérios na comunicação social é demasiado evidente.

 

E isso descredibiliza a própria comunicação social. Não acho que os jornalistas em geral mintam quando dão noticias. Mas são parciais. E sendo parciais acabam por retratar a realidade à luz da sua parcialidade. Ora quando um jornalista deixa de retratar a realidade e passa a ser um activista político, é evidente que se torna impossível confiar no seu trabalho.

E assim a imprensa, que deve ser um arbitro do debate público, dando a conhecer os factos, torna-se em mais um jogador. E perde aquilo que é mais importante para um orgão de comunicação social, a credibilidade. A parcialidade dos jornalistas (mesmo que não sejam todos como é evidente) levou a sua descredibilização. De tal modo que a maioria das pessoas já não acredita na imprensa.

 

Esta descredibilização tem duas grandes consequências. Primeiro pontencia as notícias falsas. A partir do momento em que um jornal deixa de ter credibilidade, é normal ir procurar outra fonte de informação. E normalmente procuro uma fonte de informação que confirme o que eu penso. Por isso se um jornal ataca gratuitamente as minhas ideias é normal que eu procure uma fonte que as defenda. E assim florescem as notícias falsas, entres os cacos da credibilidade dos jornalismo.

 

O segundo efeito, é que fortalecem precisamente aqueles que atacam. De cada vez que um órgão de comunicação social publica uma noticia tendenciosa sobre Trump ou Bolsonaro, dá crédito à teoria de que são perseguidos. É fácil: “estão a ver x que é falso? É a prova que todas as acusações contra mim são falsas”. E como o populismo cresce sobretudo pela desconfiança das pessoas para com as elites, é fácil explorar a teoria da perseguição de cada vez que um jornal publica uma noticia falsa sobre um líder populista.

 

O jornalista cruzado em defesa da democracia acaba por se transformar num dos seus carrascos. Se os jornalistas querem realmente servir a democracia e combater as notícias falsas tem uma boa solução: cumpram o seu papel. Informem com objectividade, com verdade, com imparcialidade. Não tentem educar o povo, mas confiem que este há de saber ajuizar os factos. Assim prestam sem dúvida um grande serviço à sociedade.

quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A nova direita anti-sistema, o caso do Chega - Riccardo Marchi



Estou a ler o livro de Riccardo Marchi sobre o Chega que tanta polémica causou. Consigo perceber a desilusão daqueles que, vendo fascistas escondidos atrás de cada rocha, não encontraram no livro matéria para corroborar as suas teorias sobre o partido de André Ventura 

Por outro lado o livro de Marchi veio confirmar aquilo que sempre foi a minha opinião: Ventura não é fascista, nem sequer um nacionalista. O líder do Chega não é um ideólogo, é um político ambicioso, com boas capacidades de comunicação e de manipulação, e que encontrou um nicho de mercado para se promover. Alías, resulta claro do livro de Marchi, até das entrevistas com Ventura e com os fundadores do Chega, que o deputado sempre se afastou das questões ideológicas, tendo apenas interesse no sucesso eleitoral. De facto, para André Ventura a única coisa que interessa é alcançar o poder, e está disposto a fazer o que for necessário para lá chegar.

Por isso tem sempre o cuidado de chocar sem ir longe de mais. Faz declarações explosivas, para ter tempo de antena, mas ao mesmo tempo tenta não passar o risco, para poder sempre negar qualquer acusação de extrema-direita, de racismos ou de nacionalismo. Parte da estratégia de Ventura é precisamente esticar a corda o suficiente para ser acusado de tais vilanias, mas recuar sempre a tempo de se fazer de vítima do sistema (ao qual, como o livro tão bem explica, sempre pertenceu, até decidir fundar o seu partido, para se revoltar contra o tal sistema que o “criou”).

O livro deixa claro que o Chega é um partido de um homem só. É o projecto pessoal de poder de André Ventura, que acolhe desde sociais-democratas desiludidos até nacionalistas frustrados, sendo capaz de gerir todas estas sensibilidades com grande maestria.

Confesso que percebo a admiração pelas capacidade de comunicação e manipulação de Ventura. Desde o principio da sua aventura política tem demonstrado um instinto extraordinário, que lhe permitiu superar com sucesso todos os obstáculos que encontrou, manipulando magistralmente o descontamento social com a política actual. Mas por muito louvável que seja o instinto político de Ventura, o exercício da política pelo desejo de protagonismo não só não me atrai, como me causa alguma repugnância. De facto, Ventura tal como António Costa mais do que um grande político, é um grande ilusionista.

Mas se o livro de Marchi tem, sem dúvida, algum interesse, tem também alguns defeitos, graves para um professor universitário. Acontece várias vezes no livro serem narradas polémicas envolvendo várias partes, mas onde só a versão dos militantes do Chega é contada. Várias acusações, contra partidos, jornais e até contra a Igreja são feitas, sem qualquer contraditório ou sem que o autor se digne a verificar a credibilidade das acusações. Este descuido de Marchi já levou, em pelo menos um caso, a uma rectificação pública, no caso da oposição da dirigente do PPM Aline Gallasch-Hall de Beuvink à coligação do seu partido com o Chega para eleições europeias, que o autor atribuiu erradamente a pressões do CDS. É grave que um académico publique uma acusação pessoal e uma acusação a um partido, baseado apenas em testemunhos de uma das partes, sem sequer ouvir a outra. Este descuidos de Marchi (este caso não é o único), mancham a credibilidade de um livro que é extremamente interessante para compreender este fenómeno da política actual.

Não me parece que estes descuido sejam fruto de uma tentativa de Marchi de favorecer o Chega. Parece-me mais provável que sejam fruto de algum pressa em publicar e de, perante a novidade do fenómeno e a escassez de fontes, usar sempre como fonte preferencial o testemunho directo dos envolvidos na criação do Chega. Contudo, a ausência de contraditório assim como de verificação dos testemunhos, ferem a credibilidade do livro. E é pena, porque parece-me ser sem dúvida o retrato mais fiel da realidade do fenómeno André Ventura.

Vale a pena ler o livro para compreender o fenómeno. Mas infelizmente a falta de rigor de Marchi na verificação dos factos obrigam a uma constante reserva sobre os factos que apresenta