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sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

Porque não apoio André Ventura


Tenho pensado bastante sobre escrever ou não sobre André Ventura. Durante muito tempo decidi não o fazer. Não me apetecia perder tempo com a turba que rodeia Ventura. É verdade que há lá gente muito pouco recomendável, que vive do insulto, do confronto, e vários que raiam, para ser simpático, a extrema-direita. Mas isto não era suficiente para me dar ao trabalho de escrever sobre o homem. Num país onde quase 40% vota em António Costa, e  20% (agora provavelmente menos) vota na extrema-esquerda, os seguidores do Chega estão longe de ser o principal problema.

Mas o que me tem preocupado ultimamente é ver gente que estimo a apoiar André Ventura. Pessoas boas, que eu sei que pensam e desejam, se não o mesmo que eu, pelos menos muito próximo, vibrar com o Chega. E muitos destes, que partilham comigo a frustração pelo avanço de um mentalidade anti-cristã, dizem-me (alguns até zangadas comigo) que não percebem porque razão eu não apoio Ventura. Ou porque razão eu o critico, quando o inimigo é a esquerda. Já não sei quantas vezes ouvi nas últimas semanas a teoria da frente comum da Direita contra a Esquerda. E são esses, amigos e parentes, que me levaram finalmente a escrever seriamente sobre o líder do Chega.

Evidentemente há questões de estilo que me desagradam em Ventura. A agressividade, o insulto, a relação ténue com a verdade. Mas isso não é exclusivo dele como tantas vezes me relembram. Há 45 anos que a esquerda o faz impunemente. E essa é uma das razões pelas quais eu critico habitualmente a esquerda. Não vejo razão para começar a gostar do estilo, só porque agora vem da Direita.

Mas isto não é o mais importante. Se o problema fosse André Ventura ser um trauliteiro, com isso poderia bem. Sobretudo, porque dá um certo gozo ver a esquerda a provar do seu próprio veneno. Mas eu tenho uma discordância de fundo com o deputado do Chega.

Embora seja dificil no meio do discurso populista de AV descortinar uma doutrina ou ideologia (qualquer cruzamento entre o que ele diz e o que está no programa do partido é pura coicidência), há uma ideia que é constante, e que se resume na frase que tem sido um dos slogans da sua campanha presidencial: vou ser presidente dos Portugueses de bem. Não serei presidente dos bandidos, nem dos subsidiodependentes, nem dos corruptos, mas dos cidadãos de bem. E é aqui que está o cerne da minha aversão a Ventura: esta ideia que há pessoas não dignas. Pessoas que pelos seus actos devem ser excluidas da sociedade. Já nem falo das suas tiradas sobre ciganos e refugiados, sempre no fio da navalha, cinico o suficiente para poder recuar. Falo desta ideia clara no discurso de Ventura que há as pessoas de bem, que ele representa e as pessoas más.

E o meu problema com isso é que eu sou daquela religião que venera São Dimas, que era ladrão e Zaqueu que era corrupto. Eu sou daqueles que acredita que todo o Homem é criado à imagem e semelhança de Deus e por isso é sempre digno, mesmo quando pratica o mais indigno dos actos. Quando eu digo que toda a Vida tem dignidade é mesmo isso que quero dizer: Toda! Até aqueles a quem Ventura chama monstros.

Isto quer dizer que não acredito na justiça? Claro que acredito. A justiça é boa e necessária e não há caridade sem justiça. E quem infrige a lei deve ser punido (Dimas na cruz diz que a sua pena é justa e Nosso Senhor não lhe comutou a pena, só lhe abriu as portas do Céu). Mas a justiça tem como fim redimir o homem, não despi-lo da sua humanidade.

A mim pouco me interessa a direita e a esquerda. A mim interessa-me uma politica ao serviço do Homem e da sua dignidade. Uma politica que tenha no centro a dignidade de cada Homem e não apenas daqueles que o líder considera de bem.

Esta visão de Ventura, sobre a sociedade das pessoas boas que tem ser protegida dos maus, não é diferente da mentalidade comunista do proletariado oprimido pelos capitalistas, ou do marxismo cultural das minorias oprimidas pela maioria. Só mudam os nomes.

Por isso André Ventura até pode coincidir em algumas posições comigo. De resto nos últimos anos isto já me aconteceu diversas vezes com o Partido Comunista. Mas a sua visão de fundo é diametralmente oposta à minha. Alías, e digo-o sem reserva, diametralmente oposta à visão da Igreja sobre o mundo. Porque a Igreja é a primeira a proclamar esta dignidade que nos advêm de sermos criaturas de Deus. O Chega, ao proclamar que há uns cidadãos de bem e outros que não, proclama que a dignidade humana vem da obediência ao Código Penal.

No liceu tive a graça de ter um professor de Religião que me levou muitas vezes ao Casalinho da Ajuda (um bairro, para usar a expressão de Ventura, de banditagem). Este meu professor, e grande amigo, era padrinho de uma quantidade enorme de jovens naquele bairro. Alguns estavam presos, alguns era criminosos com cadastro. A todos eles o meu amigo abraçava com o mesmo olhar de misercórdia. Esta recordação não me permite apoiar um homem que diz não será presidente destas pessoas.

Dirão que isto é uma questão de Fé e estamos a falar de política. Mas se a Fé não muda o meu olhar sobre a política, se a Fé não muda o meu olhar sobre o mundo, então a minha Fé seria apenas um pietismo ou uma solidariedade social.

A mim não me separa de Ventura apenas uma questão de estilo, ou umas pequenas discordâncias ideológicas. A mim separa-me toda uma visão sobre o Homem. A dignidade do Homem para mim é inata à sua condição humana, para Ventura está dependente da sua obediência ao Código Penal.

E por isso por muitas fotografias que tire ajoelhado nas Igrejas deste país, por muitas vezes que se proclame enviado de Deus, enquanto continuar a desejar ser presidente dos Portugueses de bem, não só não terá o meu apoio, como pode contar com o meu veemente repúdio.


P.S.: Embora a minha questão com Ventura seja de fundo, há outra razão que dificulta muito a minha relação com ele. "Este Papa tem prestado um mau serviço ao cristianismo" disse ele ao DN. Dificilmente votaria num politico que criticasse o Papa. Seguramente não voto num deputado, membro de um órgão de soberania, que acha que tem que dar opiniões sobre o governo da Igreja. Não percebo que haja católicos que defendam alegremente quem assim ataca o sucessor de Pedro e afronta a liberdade da Igreja.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Covid-19: Quando a ideologia mata.


O mais assustador nesta (ou em qualquer) pandemia, é a sua inevitabilidade. Sem vacina, poderemos fazer mais ou menos para evitar o seu crescimento, mas ravar a pandemia está bastante para além das nossas capacidades.

Claro que há medidas preventivas que podem impedir os contágios. Diminuir os contactos, o uso de máscara, desinfectar as mãos, etc, são medidas razoáveis. Mas a verdade é que nunca será possível reduzir de tal formas os contactos que se possa controlar a pandemia. O preço a pagar por um confinamento total, como alguns têm defendido, não só é demasiado elevado (infelizmente, não é apenas a Covid-19 que mata), como provavelmente não obteria o resultado pretendido.

Uma pandemia é o que é, desde o principio dos tempos. O homem tem pouco controlo sobre isso. Contudo, o que é possível controlar é a resposta que damos à pandemia. E aí é que o falhanço, em Portugal, tem sido total.

O problema não são as pessoas, que têm que trabalhar, que têm filhos, que têm de fazer compras e que têm que têm de acompanhar a família. O problema é a falta total de preparação das autoridades para responder a um acontecimento que era expectável.

Se em Março a falta de preparação era desculpável, passado 10 meses é incompreensível. A falta de meios no SNS continua a ser assustadora. E não é que estas lacunas fossem desconhecidas. Já anteriormente tinha acontecido, em épocas de gripe, os hospitais quase colapsarem. Seria expectável que o mesmo acontecesse numa nova vaga desta pandemia.

Mas o mais escandaloso, é perceber que, mesmo sabendo das limitações do SNS, mesmo sabendo que os hospitais públicos estão próximos da ruptura, mesmo sabendo que há doentes a morrer de outras doenças por falta de resposta, mesmo sabendo que neste momento os médicos já têm que escolher de entre os doentes de Covid quais tratam primeiro, o Governo continue a não aproveitar todos os recursos que há para combater esta crise.

A cegueira ideológica do Governo é tal que continua a recusar-se a incluir os hospitais privados no combate a actual crise. Seja a receber doentes com outras patologias à quais o SNS não consegue dar resposta, quer seja a receber doentes Covid.

Qualquer pessoas normal, diante daquilo que temos vivido neste dias, diria que se devia aproveitar todos os recursos do país. Sobretudo, quando há pessoas a morrer por falta de resposta. Mas para o nosso Governo, e para a esquerda, o importante é mesmo “defender” o SNS (mesmo que isso signifique rebentar com o mesmo).

A esquerda afirmar muitas vezes que os privados lucram com a saúde das pessoas. Pelos vistos a esquerda prefere a morte das pessoas só para dar prejuízo aos privados!

Parte da situação que vivemos é culpa da impreparação do Governo. Mas não nos esqueçamos que não é apenas incompetência. Há uma decisão ideológica da esquerda de não incluir os Hospitais privados no combate à pandemia. E essas decisão ideológica custa vidas.