O ataque terrorista em Christchurch não pode deixar de nos interpelar. É verdade que nos nossos dias as notícias de atentados terroristas são cada vez mais frequentes e, infelizmente, perdemos alguma da nossa capacidade de nos chocar com estes dramas. Mas este ataque é diferente daquilo que temos sido testemunhas.
Não
vale a pena fingir que este é mais um ataque terrorista. Não é. Não se trata do
enésimo ataque de extremistas islâmicos, que só em 2018 mataram mais de 10 mil
pessoas. O que aconteceu em Christchurch foi diferente.
Diferente
porque foi o equivalente ao extremismo islâmico em versão ocidental. Já sabemos
que o Islão tem um problema com o terrorismo e com a violência. Dizer isto não
é um ataque ao Islão, mas o reconhecimento de um facto. É como dizer que os
Estados Unidos têm um problema com as armas ou o Brasil com a corrupção. Não
quer dizer que todos os islâmicos são terroristas, apenas que é evidente que 10
mil mortos por terroristas islâmicos são um problema.
Contudo
a sociedade ocidental não tem um problema com terrorismo. Este ataque a uma
mesquita, em defesa do ocidente contra uma suposta invasão islâmica é uma
novidade e um passo adiante daquilo que estávamos habituados.
Porque,
embora o acto em si seja isolado, a mentalidade que provocou este atentado está
cada vez mais disseminada. No meu feed
do Facebook apareceram mais do que uma pessoa a apoiar e a felicitar este
ataque. Assim como várias pessoas que, não apoiando o ataque, recordavam vários
ataques islâmicos a cristãos. Como se uma atentado na Nigéria contra cristãos
de alguma maneira servisse de contrapeso à morte destes muçulmanos na Nova
Zelândia. Como se de facto houvesse dois lados e fosse preciso escolher.
Este
atentado é por isso o evoluir desta mentalidade ideológica, que reduz uma
questão complexa a duas trincheiras diferentes (Ocidente vs Islão).
Uma redução ideológica que reduz o outro a uma abstracção, em vez de o
considerar uma pessoa como eu. E se é uma abstracção, se de facto não há um
outro, mas sim os islâmicos, se não há uma pessoa mas um inimigo, então em
última instância não só é possível eliminar essas pessoas, como até é um
dever!
E
não vale a pena falarem de Trump ou de Bolsonaro. O terrorista que matou 50
pessoas em Christchurch não era fã deles, nem era da alt-right. Era um fã da
China que se considerava eco-fascista. Nem vale a pena culpar as redes sociais
pela disseminação de fake news. Porque estamos num tempo em que os próprios órgão
de comunicação social não têm qualquer vergonha em divulgas notícias falsas:
pensemos que ainda há pouco mais de um mês a CNN (seguida por OCS de todo o
mundo) não hesitou em noticiar que um jovem apoiante de Trump tinha insultado
um ancião índio veterano de guerra, num caso que se veio a provar ser falso.
O
problema é a mentalidade que domina a sociedade ocidental. Uma mentalidade
relativista, onde a verdade e a realidade são substituídas pela narrativa. Onde
mais do que os factos, interessa a ideologia, que é sempre uma visão amputada
da realidade.
Esta
mentalidade, que não é gerada, mas gera fenómenos como o populismo e as fake news, demonstrou todo o seu
potencial de violência em Christchurch. Quando alguém passou de mensagens
iradas nas redes sociais aos actos. Onde a tal redução ideológica do outro a
uma abstracção que é o “Islão” levou um homem aparentemente normal a matar 50
inocentes e a fazer mais umas quantas dezenas de feridos.
Por
isso o ataque terrorista de Christchurch não pode deixar de nos interpelar. Não
podemos fingir que é apenas mais um acto de terror. Não é. Este acto
terroristas não é fruto de extremismo islâmico, não é o acto de um louco, não
nasce de um clima de tensão entre facções políticas opostas. É fruto desta
mentalidade que tem tomado a sociedade Ocidental. Esta mentalidade que abdicou
da razão e da Verdade, em nome da emoção e da ideologia.
Não
sabemos o que vai acontecer a seguir. Não sabemos se é um acto isolado, ou o princípio
de uma onda de terrorismo Ocidental contra os islâmicos. A única coisa que
sabemos é que o relativismo moral que domina a nossa mentalidade leva à desumanização do outro. E isso tem consequências, como teve em Christchurch.
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