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sábado, 24 de agosto de 2019

Isto não é sobre casas de banho - Observador, 24/08/19

O governo aproveitou o mês de Agosto, quando metade do país estava a banhos e a outra metade preocupada com o combustível para o carro, para publicar um despacho a regular a aplicação da lei de Identidade de Género nas escolas.

Apesar dos melhores esforços do governo para fazer passar este despacho entre os pingos da chuva, neste caso, entre os raios de sol, o caso acabou, por força da sociedade civil, por ocupar a agenda mediática. No momento em que escrevo, a petição pública que pede a suspensão deste despacho já vai em mais de 28 mil assinaturas.

A atenção mediática que surgiu à volta do despacho levou a mais uma acção de campanha do governo, com o Secretário de Estado João Costa a desdobrar a sua presença em qualquer meio de comunicação social disponível. Segundo o secretário de Estado garantiu em todos os microfones que apanhou à frente, este não é um despacho sobre casas de banho e não se trata de uma questão de ideologia, mas de crianças concretas.

Devo dizer que até concordo com estas duas afirmações. O problema não é de facto as casas de banho. Aliás, o problema nem sequer é o despacho: um arrazoado ideológico, vago e trapalhão, aberto a uma quantidade variada de interpretações, incluindo a possibilidade de termos rapazes de 17 anos a frequentar casas de banho com meninas de 12. Se é provável que aconteça? Talvez não, mas o despacho permite-o. E por muito que João Costa venha fazer interpretações bondosas do seu despacho, a verdade é que as suas palavras não têm qualquer força legal, ao a contrário do despacho que assinou e que parece desconhecer (na melhor das hipóteses, porque prefiro acreditar que quando afirma que o despacho só se aplica a crianças que já tenham começado o processo legal de mudança de género é simplesmente porque não sabe que o despacho que assinou fala apenas do género com que se identifica, e não porque esteja propositadamente a mentir).

Para além disso é verdade que o despacho trata de crianças reais, com dramas reais, muitos deles muito preocupantes (como afirmou um responsável da ILGA, a taxa de intenção de suicídio entre este jovens é de 50%).

O principal problema é que este despacho vem de facto implementar oficialmente em todas as escolas o que já tinha vindo a ser implementado pela porta do cavalo por este governo: a imposição da ideologia de género como doutrina oficial. E o problema é que de facto é a crianças reais que esta ideologia está a ser imposta. É sobretudo, a crianças reais, com dramas reais, que estão a ser usadas como bandeira política pelo secretário de Estado e pelo governo para impor a sua ideologia a todos alunos do país.

Já tínhamos os referenciais para a saúde na Educação para a Cidadania, que permitia ensinar às crianças que o género é uma construção social, que o sexo é biológico mas que cada um depois pode escolher o seu género. Agora, temos um despacho que obriga as escolas, em última instância, a denunciar os pais que se recusem a tratar como menina um rapaz de seis anos que diga que o quer ser.

Este é o real problema: o Estado impor ao país a teoria de que a biologia é indiferente para definir o sexo de uma pessoa, que cada um constrói o seu género independentemente dos seus cromossomas ou dos seus genitais.

Que o secretário de Estado acredite nesta teoria é problema dele, que a queira impor a todas as crianças desde o seis anos, é um problema de todos. É um problema sobretudo dos pais que têm filhos em idade escolar e que, quer queiram quer não queiram, têm os seus filhos doutrinados na ideologia perfilhada por João Costa.

As crianças têm direito a serem crianças. Num mundo hipersexualizado, as crianças têm direito a não serem expostas nas escolas, por obra e vontade do senhor secretário de Estado, à visão da sexualidade que este professa. Num mundo onde a sexualidade é um tema cada vez mais confuso, as crianças têm direito a não serem expostas a essa confusão. A escola deve ser um lugar seguro, onde as crianças podem crescer em segurança, não um laboratório de experiências sociais. As crianças não podem ser cobaias. Sobretudo as crianças que, por razões várias, já vivem precocemente dramas relacionados com a sua sexualidade, devem ser preservadas na sua inocência, deve-lhes ser permitido ser crianças. Obrigar as crianças a confrontarem-se com dramas de adultos é uma agressão que atinge sobretudo aqueles que o secretário de Estado jura querer defender.

Este despacho não é sobre casas de banho, é muito mais do que isto. É mais um passo para impor a ideologia de género nas escolas. É mais uma vez a instrumentalização das crianças para fins políticos. Se há adultos que acreditam que o género é uma mera construção social, que a sociologia se sobrepõe à biologia, que a ideologia se sobrepõe à ciência, têm liberdade para o fazer. Mas façam um favor: deixem as crianças em paz!

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Para tudo há um momento e um tempo (Ecl 3,1)



O livro do Eclesiastes diz que há um momento e um tempo para tudo: tempo para nascer e tempo para morrer, tempo para amar e tempo para odiar, um tempo para a paz e o tempo para a guerra. Diz também que há um tempo para falar e um tempo para calar.

Quem se empenha na política tem que ter sempre em primeiro lugar o bem comum. Na nossa organização do poder político a política faz-se sobretudo nos partidos. Quem milita num partido deve por isso ter em primeiro lugar o bem comum e só a seguir o partido. O partido é funcional, é um instrumento para a organização política. Se um político serve o partido antes do bem comum então está a servir-se a si mesmo e não a nação.

Por isso um partido deve ser um espaço de liberdade, com espaço para todos aqueles que , partilhando a mesma doutrina política, ou doutrinas políticas com pontos em comum, tem diferente opiniões e ideias sobre como trazê-las à prática.

Nada seria pior do que um partido monolítico, onde todos tivessem a mesma opinião. Pior ainda, um partido onde todos tivessem que concordar com o seu líder. As divergências, as diferenças de opinião, as criticas são não apenas justas, como também muitas vezes necessárias.

Contudo, como dizia ao principio, há um tempo e um momento para tudo. Faltam pouco mais de dois meses para as eleições legislativas. Eleições essas que parecem vir a ser desastrosas para o país: a vitória da esquerda é certa, a única discussão aparente é o tamanho dessa maioria.

Este resultado será sem dúvida muito por culpa da direita. E muito há a dizer e a criticar na política do PSD e do CDS nos últimos quatro anos. Em 2015 os dois juntos conseguiram 38.50% dos votos e 107 deputados. Em 2019 os dois juntos poderão não chegar aos 25% dos votos.

Não podemos ignorar o que se passou na direita nestes anos. Nada seria pior do que se, após as eleições, os militantes dos partidos de direita enterrassem a cabeça na areia, fingido que é tudo culpa da comunicação social e dos novos partidos que dispersam o voto.

Mas para tudo há um momento. E este momento é o de luta contra a esquerda, não o da guerra interna. Não é tempo de ajustes de contas, nem de posicionamentos para futuras lideranças.

Percebo perfeitamente os militantes que, discordando da direcção do seu partido, decidam não participar na campanha. Não percebo aqueles que vendo o abismo à sua frente empurram o seu partido nessa direcção, com constantes criticas nos jornais e guerrilhas nas redes sociais.

Nada é mais oco e vazio do que dizer que é tempo de união: se alguém não acredita num projecto é natural que não o apoie. Mas é sem dúvida tempo de silêncio. Em bom português, quem não quer ajudar que não o faça, mas saia da frente.

Se em última instância um militante discorda de tal maneira do seu partido que lhe parece melhor que outro partido tenha melhor resultado nas eleições, se de facto já não acredita no seu partido, então tem o dever moral de abandonar o partido. Se apesar de tudo, apesar de toda a discordância, continua a acreditar que o seu partido é a melhor opção para o país, então este é o tempo do silêncio.


A partir de 6 de Outubro haverá tempo para juízos, balanços, críticas. Até lá, o único inimigo deve ser a esquerda.

domingo, 4 de agosto de 2019

Sobre o especial do JN "Os portugeses e a religião"



O JN tem hoje como título na capa "Portugueses querem a Igreja afastada das questões política". Logo ao lado estão dois gráficos um sobre a opinião dos portugueses sobre a comunhão das pessoas que vivem em segunda união e outra sobre a Igreja celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.

A primeira ironia, que está na base do equivoco de todo o especial do JN, é que aparentemente os portugueses acham que a Igreja não deve ter opinião sobre a sociedade (que é de todos) mas todos querem ter opinião sobre o que a Igreja (que é daqueles que nela participam) deve fazer.

Escrevi há uns tempos, e mantenho, que a Igreja não deve fazer política. A missão da Igreja é salvar almas. Porém, para salvar as almas a Igreja tem que ter opinião sobre a vida pública. A Igreja não pode ser privada de ensinar sobre a organização da sociedade. Depois caberá aos cristãos fazer política.

A liberdade religiosa em nada impede a Igreja de ter uma opinião sobre a organização social. Muito pelo contrário, se a hierarquia da Igreja não pudesse exprimir a sua opinião sobre a política, isso queria dizer que os bispos e os sacerdotes estariam amputados nos seus direitos fundamentais. Seriam cidadãos de segunda. Significaria que todos em Portugal podiam ter opinião política, excepto a hierarquia da igreja.

Dizia ao principio que o inquérito do JN se baseia num grande equivoco: a visão de um Estado que é origem da sociedade e a quem tudo está submetido até a Igreja.

A verdade é a inversa, o Estado é apenas a organização política da sociedade, e tem origem nesta. É o Estado que tem que se submeter à sociedade e à sua organização.

Por isso o Estado tem que respeitar a liberdade da Igreja, deve-se abster de legislar sobre a Igreja excepto no reconhecimento do seu papel na sociedade. Já a Igreja, como parte da sociedade (e em Portugal, parte importante) tem não apenas o direito, mas o dever de se manifestar sobre o Estado. Deve denunciar quando o Estado abusa do seu poder, ou quando o Estado falha nos seus deveres. Deve ensinar a forma justa de organização da sociedade. Deve anunciar a moral e combater as leis que a violam.

Infelizmente em Portugal boa parte da sociedade tem uma visão estatista, que vê no Estado um ser supremo a quem todos devem prestar vassalagem. E por isso custa tanto aceitar qualquer manifestação social que não esteja submetida a autoridade do Estado. Isto é verdade para a Igreja, mas também para as escolas privadas, para as empresas, para as instituições sociais. Para boa parte dos portugueses tudo deve ser submetido ao Estado!

A Igreja contudo existe há dois mil anos. Sobreviveu ao Império Romano, aos bárbaros, ao Sacro Império, à Reforma, à Revolução Francesa, à unificação de Itália, às repúblicas maçónicas. Sobreviveu a tirania de um só homem e à tirania de vários homens. Não será por isso o fervor estatista dos portugueses que a acabará com Ela.

P.S.: Para além de tudo o que disse, convém ver com atenção a infografia do JN. O título é absolutamente abusador, só 10% dos inquiridos responderam especificamente que a Igreja não deve falar sobre política. A este o JN junta os 50% que responderam que apenas deve falar sobre assuntos religiosos e ignora os 35% que responderam que a Igreja deve falar sobre todos os assuntos, para ter uma capa sensacionalista.

P.S.S.: Interessante ver que 74% dos portugueses se diz católica, mas de facto só 17% a 21% parecem ter prática dominical.