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sábado, 28 de março de 2020

Um Homem - Observador, 28/03/20

Há algo de extraordinário em Pedro Passos Coelho. Poucos políticos suscitam tanto respeito, tanta admiração e, ao mesmo tempo, tanto ódio. Embora só tenha governado quatro anos, a verdade é que PPC marcou a política portuguesa como poucos.
É difícil descrever o que há de extraordinário no antigo primeiro-ministro. Se olharmos para o seu mandato não veremos nada fora do comum. Governou com o memorando da troika, aplicando um pacote de “austeridade” imposto por terceiros e acordado por terceiros. É verdade que o fez sem nunca se desviar do objectivo. Também é verdade que foi sempre honesto e corajoso na aplicação das políticas que lhe foram impostas. Cumpriu as suas responsabilidades. Aliás, talvez a sua frase mais memorável seja “eu não abandono o meu país” aquando da crise Vítor Gaspar/Paulo Portas. Fez política de forma educada, elevando o nível do debate político que tinha descido à lama nos tempos de Sócrates. Nunca fugiu do contacto com o povo, nem na altura de maior contestação social. Não procurou dominar a imprensa, a justiça ou a banca. Respondeu sempre diante do Parlamento e não da comunicação social. Governou para o bem do país sem pensar nas eleições. Tudo somado, fez aquilo que é suposto um Primeiro-Ministro fazer. E, apesar de no seu mandato o país ter enfrentado uma das suas maiores crises, entregou um país bastante melhor do que aquele que encontrou e assim ganhou eleições.
Nada do que fez como primeiro-ministro aparenta ser extraordinário. Mas a verdade é que o foi, ainda que não seja fácil explicar porquê. Confesso que só percebi realmente a excepcionalidade de Pedro Passos Coelho quando morreu Laura Ferreira, sua mulher.
Pouco sabemos da vida pessoal de Passos Coelho. Ele sempre foi discreto e a sua mulher ainda mais. Sabíamos que vivia em Massamá, que passava férias no Algarve. Que é um pai dedicado (segunda uma entrevista de Laura, foi uma das razões pelas quais ele a atraiu). Bom filho, bom irmão. Mas foi a doença da sua mulher que demonstrou quem realmente é Pedro Passos Coelho.
Nestes quase cinco anos nunca ouvimos Pedro Passos Coelho queixar-se da doença da sua mulher. Nunca o vimos a usar a doença da mulher, nunca se deixou fotografar no Hospital ao seu lado. Nunca permitiu que fosse ele, a sua dor, o seu cansaço o protagonista da doença de Laura. Sabemos que esteve sempre a seu lado. Que dormia no Hospital. Que recusou sempre sair do seu lado. E sabemos isto, não porque ele o tenha contado, mas porque se foram lendo e ouvido relatos de pessoas que testemunharam a sua inabalável fidelidade à mulher amada.
A doença de Laura Ferreira e a forma como PPC a acompanhou fazem luz sobre o que há de extraordinário neste homem: é que é um homem! Um homem a sério. Alguém que é honesto, integro, corajoso, mas sobretudo, alguém que cumpre o seu dever. E que o faz, não por notoriedade ou recompensa, mas porque é o seu dever. Um homem para quem o dever está acima de estados de alma e vontades pessoais.
Dizia G.K. Chesterton “The most extraordinary thing in the world is an ordinary man and an ordinary woman and their ordinary children.” Neste tempo, onde a política tantas vezes se confunde com negócios, onde vida familiar tantas se confunde com um amontoado de caprichos egoístas, um homem que coloca o dever acima do seu interesse é de facto extraordinário.
Pedro Passos Coelho faz falta. Faz falta na vida política, faz falta na vida social. Faz falta para nos mostrar que ainda há homens na vida pública. Faz falta sobretudo para lembrar a todos os homens o que é um Homem.

quarta-feira, 25 de março de 2020

O dia da destruição do anel.




Qualquer dia é um bom dia para escrever sobre O Senhor dos Anéis, mas hoje é um dia especialmente bom. Dia 25 de Março é o dia em que foi destruído o anel! O dia em que “Sauron caiu e em que vocês foram salvos do fogo e devolvidos ao rei”.

Tolkien não gostava de alegorias e quando escreveu O Senhor dos Anéis tinha como objectivo apenas escrever um livro de aventuras. Muitas vezes oiço perguntar sobre o que é este livro. A resposta é simples: é sobre a guerra do anel, ou seja a guerra entre os povos livres da Terra Média e Sauron por causa do anel do poder!

Como qualquer livro de aventuras o objectivo d’O Senhor dos Anéis é contar uma história. Não é um tratado de moral ou teologia, nem sequer uma alegoria sobre virtudes. Não vale a pena procurar significados obscuros ou tentar aplicar teorias psicológicas. O livro é mesmo sobre uma guerra imaginária!

Dito isto, é evidente que é possível identificar neste livro muitas das coisas que são queridas a Tolkien. Ele não se limita a escrever uma história, escreve uma história que gosta. Como dizem os elfos “Nós pomos o pensamento de tudo aquilo que amamos em tudo aquilo que fazemos”. Por isso em O Senhor dos Anéis está presente a paixão do autor pela línguas, pelos mitos, pela Inglaterra rural. Até o seu gosto em fumar cachimbo! Evidentemente também a fé de Tolkien está presente neste livro.

Um dos pormenores mais evidentes, e onde é mais possível identificar a fé do professor é nesta coincidência da destruição do anel ser no dia 25 de Março. E torna-se evidente que esta data é propositada, quando se percebe que a viagem da Irmandade do Anel começou a 25 de Dezembro. Ou seja, a viagem do Anel, desde Rivendell até ser destruído dá-se entre o Natal e a Anunciação. Sendo que nos princípios da Igreja a data da anunciação era considerada como a data da Crucifixão de Nosso Senhoa. Ou seja, toda a viagem do anel dá-se entre o nascimento e a morte de Jesus.

E isto introduz-nos num ponto central d’O Senhor dos Anéis. Como apesar de todo o esforço e sacrifício a força dos homens não é suficiente para derrotar o mal. No último momento Frodo falha e não destrói o anel. O homem, por muito bom que seja, não é capaz de se salvar sozinho. Só a intervenção misteriosa da providência é que permite a destruição do mal.

Este é para mim talvez das coisas mais belas de O Senhor dos Anéis. A consciência que a realidade tem um Criador, que intervém e que actua. E que se por um lado o esforço das criaturas não é suficiente para derrotar o mal, o Criador usa o esforço delas, e até as suas falhas, para redimir o mundo. A consciência de que “acima de todas as sombras ergue-se o sol”.

Muito mais haveria para dizer sobre o Senhor dos Anéis. Mas penso que para este tempo de pandemia, para este dia da Anunciação, vale a pena ler ou reler este livro nem que seja só para nos relembrar que Deus é verdadeiramente Senhor da História e não abandona o homem ao seu limite e à sua fraqueza.

quarta-feira, 18 de março de 2020

O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude - Charles Péguy




Nestes dias de isolamento fiz o propósito de evitar ao máximo escrever sobre a pandemia ou sobre política. Sobre estes temas já há por estes dias demasiado ruído, quando me parece que o necessário é serenidade. Não prometo ser capaz de cumprir este meu bom propósito, mas pelo menos irei tentar.

Em vez disso decidi ir escrevendo algumas sugestões de livros e filmes que gosto e que penso que podem ser de ajuda para estes dias.

Começo pel’O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude, de Charles Péguy. Não se trata de uma crítica ou recensão ou livro, algo que estaria muito para além das minhas capacidades literárias ou teológicas. Péguy é um génio, e este grande poema sobre a esperança é das coisas mais belas que algum vez li.

O autor não fala da esperança como pensamento positivo, uma sensação quase mágica e irrazoável de que tudo correrá bem. Fala da esperança enquanto Graça. A pequena esperança, a improvável esperança, que nasce da Graça. “Para esperar, ó minha filha é preciso ser bem feliz, é preciso ter obtido, recebido uma grande graça”.

E falando da esperança, fala também da Fé e da Caridade. E de Nossa Senhora e de Jesus. Da Paixão. E do sono e da morte. Tudo isto se vai desenvolvendo no poema, brotando de forma ininterrupta e bela.

 Neste tempo de incerteza, onde a pandemia veio por a nu a fragilidade da nossa Fé, onde o desespero e o medo vão tomando conta da nossa sociedade, vale a pena ler Péguy a falar sobre a Esperança, essa pequena criança que arrasta as suas irmãs mais velhas: a Fé e a Caridade. A Fé que crê que no que é, a Caridade que ama o que é, a Esperança que crê e ama aquilo que virá. A Esperança, nascida da Fé e da Caridade.

O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude é um poema, mas é também um tratado sobre a Esperança. Escrito de maneira bela, apaixonada e apaixonante. É sem dúvida uma belíssima leitura para este dias, de Quaresma e de quarentena.

P.S.: Em Português há das edições. Uma mais recente, das Paulina, que é fácil encontrar. Outra, mais antiga, da Grifo, difícil de encontrar, mas com tradução do grande mestre Henrique Barrilaro Ruas (que faz uma pequena nota) e apresentação do Padre João Seabra. O livro vale sempre a pena, mas quem tiver oportunidade de ler a edição da Grifo não deixe de o fazer.

sábado, 14 de março de 2020

À espera do Ressuscitado

A suspensão das missas comunitária por parte da Conferência Episcopal trouxe-me à mente a frase de Paul Claudel em O Anúncio a Maria: Para quê atormentar-nos se é tão fácil obedecer? Evidentemente que todo temos a nossa opinião sobre o assunto. E claro que todos temos liberdade de a dar. Mas pergunto-me: isso é útil? A verdade é que o Espírito Santo não escolheu bloggers católicos ou opinadores do Facebook para governar a Igreja. Escolheu os bispos.

Diante desta decisão, mais do que opiniões, parece-me que o mais útil é reflectir sobre este sacrifício a que o Senhor nos chama nesta Quaresma. Também a nós nos é pedido que nos retiremos do mundo durante um tempo. É evidente que não vamos para o deserto como Jesus. Hoje, mesmo fechados em casa, podemos estar em contacto com o resto do mundo. Para além disso temos o que comer e o que beber. Mas estes dias de recolhimento podem ser úteis para estar mais a sós com o Senhor.

Estes dias também são úteis para reavivar em nós a sede da Eucaristia. Falo por mim: a facilidade com que em Lisboa posso ir à missa leva-me tantas vezes a não lhe dar o devido valor. Quantas vezes trato a missa como uma maçada ou um inconveniente. Quantas vezes tento encaixar a missa entre os planos de Domingo. Quantas vezes chego a ter a ousadia de me chatear porque numa cidade onde há missa a quase todas as horas não haver nenhuma no horário que me era mais conveniente. Quando soube da decisão de suspender as missas públicas de repente senti-me privado de algo essencial na minha vida. E suponho que o tempo que levar até que volte a poder ir à Santa Missa só vai aumentar esse sentimento. Espero por isso que esta “ausência” sirva para  crescer na consciência da graça que é poder ir à missa e comungar o Corpo de Cristo.

Para além disso reparo que nestes dois dias desde que a decisão da CEP foi tomada começo a rezar mais e com mais intensidade. Como se a ausência da missa aumentasse em mim a urgência de estar com Deus. Aumentasse a minha dependência de Deus. Neste tempo de incerteza é bom reavivar esta consciência de que somos criatura de Deus, que dele estamos dependentes. Mas sobretudo, a consciência de que só Ele É.

Por fim penso que misericórdia que é para nós vivermos este sacrifício na Quaresma. Nesta Quaresma a espera pelo ressuscitado torna-se mais carnal. Também nós, como os apóstolos depois da crucifição, estamos fechados em casa com medo. Também para nós o Senhor está escondido. A suspensão das missas públicas é como a pedra à porta do sepulcro. E nós agora  iremos atravessar um logo Sábado Santo. Até ao dia em que esta suspensão seja levantada. E aí poderemos correr à Eucaristia, como Pedro e João para o Sepulcro. Poderemos cair de joelhos como Tomé diante do Corpo de Cristo e exclamar “Meu Senhor e meu Deus”.

Em Deus querendo haveremos de voltar-nos a encontrar na Igreja. Voltaremos a adorar a Deus feito Carne num pedaço de Pão. Voltaremos a comungar o Sangue de Cristo. Que este tempo de espera aumente em nós o desejo pela Eucaristia e a consciência da Graça que Deus nos concede de cada vez que nela participamos. Sobretudo, não desesperemos. Como diz São Paulo:

Se Deus está por nós, quem pode estar contra nós? Ele, que nem sequer poupou o seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não havia de nos oferecer tudo juntamente com Ele?

Jesus Cristo, aquele que morreu, mas que ressuscitou, que está à direita de Deus é quem intercede por nós. Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada? Em tudo isso somos vencedores, graças àquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus que está em Cristo Jesus.



quarta-feira, 11 de março de 2020

Sem histerismo nem facilitismo: a serenidade da Fé.








Confesso que tenho estado perante este surto do Covid-19 com uma sensação mista de incredulidade e algum desânimo. Ao contrário de tanta gente que leio nas redes sociais, não consigo ter grandes certezas sobre o tema. Não sei se as escolas deviam ou não fechar, se o país devia ser posto em quarentena. Não alinho no histerismo, mas também não partilho da opinião de que isto é tudo culpa da comunicação social.

É evidente que estamos diante de algo grave, quanto mais não seja pelo pouco que se sabe sobre este vírus. E se o histerismo não nos leva a lado algum, é importante a prudência. Se de facto não for assim tão grave, só teremos perdido alguns dias com constrangimentos. Se o caso for realmente grave, então provavelmente daremos esses constrangimentos por bem empregues.

Também tenho assistido a muita zanga com este tema. Zanga com o Governo, com a DGS, com as pessoas que vão à praia, com as pessoas que compram demasiado papel higiénico. Também não consigo partilhar dessa zanga. Toda esta situação é demasiado nova, demasiado desconhecida, tem demasiadas variáveis. É normal que haja desorientação nos governantes. É normal que as pessoas não saibam reagir. E se este vírus vai sem dúvida afectar a vida social (já ninguém se atreve a abraçar amigos, quanto mais um desconhecido), acrescentar a esse afastamento zangas e acusações não me parece útil. Sim, também vi as fotografias das praias cheias. E sim, também acho inconsciência. Mas sejamos honestos: quantos de nós temos levado completamente a sério todas as indicações médicas contra a propagação do Convid19? Eu confesso que só há dois dias é que comecei a lavar as mãos mais vezes do que o costume.

Sobre este tema não tenho qualquer opinião ou conselho para dar que seja útil. E a verdade é que a maior parte das pessoas que dá opiniões sobre o tema também não. Há esta necessidade de ter e exprimir opinião sobre todos os assuntos. Parece-me que nesta crise tal necessidade só tem trazido confusão. A opinião que conta, e que devemos seguir, é a dos especialistas.

A verdade é que estamos impotentes diante desta ameaça. Pouco ou nada podemos fazer para a travar. Resta-nos por isso o supremo acto de humildade que é pedir. Pedir Àquele que tudo pode. Pedir para que ilumine os nossos Governantes. Para que dê forças aos nossos médicos e enfermeiros que estão à beira de uma batalha imprevisível. Pedir pelo nosso país. Pedir pelos que estão doentes e pela alma dos que já morreram.  E virar o olhar para Maria Santíssima, Consoladora dos Aflitos, Saúde dos Enfermos, Auxílio do Povo Cristão.

Poucas orações me consolam tanto como a oração de São Bernardo de Claraval a Nossa Senhora. Que a certeza da Fé nos ajude e sustente neste tempo de tribulação a não ceder ao medo e ao desespero.

Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria,
que nunca se ouviu dizer
que algum daqueles
que têm recorrido à vossa protecção,
implorado a vossa assistência,
e reclamado o vosso socorro,
fosse por Vós desamparado.
Animado eu, pois, de igual confiança,
a Vós, Virgem entre todas singular,
como a Mãe recorro,
de Vós me valho e,
gemendo sob o peso dos meus pecados,
me prostro aos Vossos pés.
Não desprezeis as minhas súplicas,
ó Mãe do Filho de Deus humanado,
mas dignai-Vos
de as ouvir propícia
e de me alcançar o que Vos rogo.

segunda-feira, 9 de março de 2020

Prendam Rui Pinto



Imaginemos que alguém todos os dias abria a nossa caixa do correio e lia toda a nossa correspondência. Imaginemos que essa pessoa todos os dias entrava no nosso escritório e vasculhava todos os nossos arquivos. Lia, copiava e guardava, tudo: desde assuntos profissionais até assunto íntimos. Imaginemos que para além disso sabíamos que o fazia com centenas de outras pessoas, sem saber quantas. Imaginemos que não sabemos nada dos seus objectivos. A única coisa sabemos é que tem um arquivo gigantesco que vai revelando conforme lhe apetece, sem qualquer controle.

Foi isto que Rui Pinto fez. Só quem em vez de arrombar caixas de correio e invadir escritórios, fê-lo com um computador. Não sabemos a quem ele o fez, nem com que critério. Sabemos apenas que usou os seus conhecimentos informáticos para obter informações privadas de pessoas e empresas, que vai revelando conforme lhe apetece e como lhe apetece.

Podemos tentar dizer que é um justiceiro, que busca apenas a justiça (embora o facto de já ter tentado obter dinheiro em troca dessas informações tornem difícil esta defesa). Mas a verdade é que o fez invadido a privacidade de centenas de pessoas, pelos simples facto que o consegue fazer. E depois, no meio de mails pessoais, de informações de negócios confidenciais, de revelações feita em confidência a advogados, decidiu revelar o que lhe pareceu bem.

Rui Pinto não é um herói, é um criminoso. Um criminoso que usa a informação que descobriu ilegalmente, como moeda de troca para servir os seus propósitos. O facto dos seus propósitos se poderem cruzar com o interesse público (ou com os interesses clubisticos) não o transformam num herói. Libertar Rui Pinto porque ele pode dar informações importante para a justiça é acabar com o direito á privacidade. É afirmar que qualquer um pode vasculhar privacidade de outra pessoa desde que consiga entregar provas de um qualquer acto ilícito.

Num tempo em que há tanta preocupação com a violação da privacidade por parte do Estado, parece haver pessoas, como Ana Gomes, que estão dispostos a entregar a privados o poder que (e bem) recusam ao Estado.

Para que o Estado faça uma revista, uma busca ou uma escuta, exigimos um conjunto de protocolos que asseguram o direito dos cidadãos à sua privacidade. Mas pelos visto existe quem queira dar esse poder, sem qualquer controle, a um pirata informático.

Os fins não justificam os meios. No dia em que o Estado passar por cima dos direitos dos cidadãos para perseguir criminosos, é o dia em que a Justiça morre. É o dia em que damos ao Estado o poder de decidir quem tem direitos e quem não os tem. É o dia em que retiramos ao Poder as algemas colocadas pelo Direito para garantir a Justiça.

Claro que me preocupa muito que o Estado não consiga prender um criminoso. Mas preocupa-me muito mais que o Estado venha a ter poder de perseguir inocentes. Preocupa-me o justicialismo. Preocupa-me que se dê poderes a um cidadão de vasculhar a vida de todos para satisfazer a sede de sangue do populismo.

O Estado não é pessoa de bem. Por isso o seu poder deve estar restrito pelo Direito. Dizia Benjamin Franklin “Those who would give up Essential Liberty to purchase a little Temporary Safety, deserve neither Liberty nor Safety”.

Rui Pinto não merece qualquer medalha, e ainda menos qualquer poder. Por mim, as informações que recolheu, por muitas interessantes que sejam, devem ser apagadas, inutilizadas, incendiadas. E quanto a ele deve-lhe acontecer o mesmo que aqueles que roubam o que não é seu: ser preso.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Opus Dei: um segredo muitissimo mal guardado.




Vi que está a ser discutido na Assembleia da República um projecto de lei do PAN que quer obrigar os titulares de cargos público a declarar se pertencem a alguma sociedade secreta ou discreta. Entre os exemplos apontados no tal projecto de lei está o Opus Dei. 

Ante de mais, não posso deixar de comentar a total incompetência e inépcia dos deputados do PAN. Escrevem leis como quem manda postas de pescadas no Facebook, incapazes de distinguir entre um legislador e um comentador das redes sociais. O PAN é verdadeiramente o partido anti-sistema: não tem qualquer noção de leis, de direito, de política. Têm por junto uma agenda que querem impor a qualquer custo sem pensar nas consequências. E o pior é que tem conseguido, às vezes com consequências desastrosas, como no caso da proibição dos canis de abate.

Mas a incompetência do PAN é todo outro artigo. A mim o que me espanta neste projecto de lei é a insistência nesta lenda negra sobre o Opus Dei ser secreto, ou mesmo discreto. É digno de quem vai buscar as suas informações ao Google ou ao Dan Brown.

Eu não sou, nem nunca fui, do Opus Dei. Contudo tenho bastantes parentes que pertencem à Obra. Para além disso ao longo da vida conheci muitas pessoas ligadas a esta prelatura. Sacerdotes, numerários, supra-numerários, alunos e professores dos colégios da Fomento, miúdos que participam nas actividades dos clubes, adultos que frequentam os meios de formação, nas recolecções, nos retiros. Já estive em várias casas, centros e colégio do Opus Dei. E há uma coisa que posso garantir: ali não há nada de secreto.

Sempre ouvi falar de maneira completamente livre sobre a vida do Opus Dei. Sempre ouvi falar daquilo que era ensinado, dos livros de São Josemaria, dos acampamentos, das actividades para os miúdos. Aliás, uma experiência que tenho é que é sempre arriscado visitar um centro do Opus Dei quando se está com pouco tempo, porque inevitavelmente teremos direito a uma vista guiado e detalhada a todo centro. Ainda há poucos meses fui fazer uma conferência a uma cidade fora de Lisboa, onde conheci um numerário do Opus Dei, que mesmo tendo acabado de me conhecer fez questão de me levar ao centro onde morava e mostrar (com orgulho evidente) a casa toda assim como explicar-me todas as actividades que lá faziam.

Se há algum segredo no Opus Dei então escondem-no muito mal. Aliás, esta teoria de uma associação secreta, fechada, é absolutamente contrária ao carisma da Obra. São Josemaria sempre pregou a santidade quotidiana, no dia-a-dia. É do carisma do Opus Dei estar no mundo, não fugir ou esconder-se do mundo.

E há outro erro grave que o PAN comete, o de achar que por pertencerem ao Opus Dei os políticos de alguma maneira tem uma obediência qualquer. É absurdo e é desconhecer completamente a história política do país. Basta pensar em Adelino Amaro da Costa e João Mota Amaral, ambos famosos membros da Obra que nem por isso estavam politicamente alinhados. Aliás, conheço pessoas do Opus Dei com as mais variadas posições políticas.

Dada a lenda negra que se tentou criar à volta de um suposto secretismo do Opus Dei a verdade é que há poucas realidades da Igreja tão abertas e tão escrutinadas como esta prelatura. Mais ou menos toda a informação sobre a Obra pode ser encontrada no seu próprio site. Para além disso na última década foram publicadas dezenas de entrevistas de membros do Opus Dei que responderam sem qualquer problema a todas as perguntas que lhes foram feitas, desde os sacrifícios pessoais até aos bens da prelatura.

Esta tentativa de incluir o Opus Dei numa suposta lista de associações secretas ou discretas é absurda. É fruto ou da ignorância (que abunda no PAN) ou da má vontade.

Deixo uma última questão: espero que Ferro Rodrigues, que ainda recentemente deu provas de grande preocupação com a Constituição, não se esqueça de informar os senhores do PAN do número 3 do artigo 41º da CRP: Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder. Eu bem sei que o PAN acha que o Estado tudo pode, desde decidir que espectáculos os portugueses devem ver até que comida devem comer. Felizmente ainda há a Constituição para travar estes déspotas animalistas.

P.S.: Não é o tema do artigo, mas não gostava de acabar este artigo sem dizer uma coisa: como disse conheço muitas pessoas do Opus Dei. Sempre me impressionou a sua Fé, a sua disciplina, a sua simpatia e disponibilidade. A sociedade estaria bastante melhor não só se houvesse mais gente no Opus Dei, mas se mais deles se dedicassem à política.

terça-feira, 3 de março de 2020

Discurso manifestação "Sim à Vida" - 20 de Fevereiro 2020





Amigos,
Estamos de volta a esta praça. Somos muitos mais uma vez! E não é de espantar porque nós prometemos que viríamos aqui as vezes necessárias para travar esta lei iníqua: dissemo-lo logo na Caminhada pela Vida de 2016! E na de 2017, na grande manifestação em Maio de 2018 e depois novamente em Outubro desse ano. E ainda há quatro meses aqui estivemos a lutar contra esta lei! E aqui estamos outra vez e aqui voltaremos as vezes que forem precisas até que os deputados percebam que há um povo que rejeita a falsa piedade da injecção letal, a falsa misericórdia da morte a pedido! Um povo que quer uma sociedade que ama, que acompanha. Um povo que quer uma sociedade que não mata, que quer uma sociedadade que cuida! 

Infelizmente alguns deputados recusam-se ouvir. Não ouvem o povo porque dizem que é um assunto complexo, que é preciso ouvir os especialistas mas que depois também não ouvem os especialistas: a Ordem dos Advogados tem dúvidas, o Conselho Superior de Magistratura tem dúvidas, a Ordem dos Médicos é contra, a Ordem dos Enfermeiro é contra, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida é contra! Mas mesmo assim insistem e ainda acusam os que pedem o referendo de fazer jogos políticos.

Não, o referendo não é um jogo político. Jogo político é recusar ouvir os especialistas. Jogo político é perder uma votação e nem passados dois anos repetir a votação. Jogo político é não debater o assunto em campanha e depois, na primeira oportunidade, propor a legalização da morte a pedido no parlamento!

O referendo não é um jogo político! O referendo é a última linha de defesa contra esta lei injusta!  A última linha de defesa contra a tirania dos deputados que se recusam a ouvir os especialistas, que se recusam a ouvir a sociedade. A ultima linha de defesa contra os deputados que se julgam acima da Constituição e dos Direitos fundamentais. 

Não pedimos o referende porque achamos que é preciso muito debate e consenso. Pedimos o referendo porque os deputados não nos deixaram nenhuma outra opção para defender a Vida!

E para isso estamos a recolher assinaturas. Eu bem sei que muitos dizem que não vale a pena. Que alguns tentam passar a ideia de que isto é deste ou daquele partido, ou uma coisa da Igreja. Meus amigos a mentira e a manipulação são a arma típica dos tiranos, é a arma de quem teme o povo! Eles vão fazer o que poderem para nos travar, a nós cabe-nos fazer o que devemos para travar esta lei.

Hoje não é o fim, hoje é o princípio deste processo legislativo. E nós vamos continuar a lutar. Vamos continuar a recolher assinaturas em casa, no trabalho, na rua, na Universidade, na nossa comunidade, e sim, também à porta das Igrejas. Eu bem sei que não é suposto falar de Igrejas, mas a verdade é que da última vez que li a Constituição não vi lá que um cristão tinha menos direitos políticos ou que uma assinatura à porta de uma Igreja valia menos do que uma assinatura à porta da sede do Bloco!

E depois havemos de cá voltar, com dezenas e dezenas de milhares de assinaturas! E aí veremos. Veremos se tem a coragem de silenciar o povo. Porque meu amigos, se é verdade que há deputados que querem fazer da Casa da Democracia a Casa da Morte, nós faremos desta praça a Praça da Vida!

Amigos, não sabemos como isto vai acabar. Era mais fácil vir aqui dizer que vamos ganhar, mas a verdade é que não sabemos. Mas como pude dizer aqui mesmo em Outubro: Só os cobardes exigem no início da batalha o cálculo das probabilidades da vitória. Os fortes e os constantes não pensam em perguntar com que dureza ou por quanto tempo, mas sim como e onde têm que combater. Continuemos por isso a combater pela defesa da Vida, contra a cultura da morte e do descarte! Continuemos a lutar por uma sociedade onde toda a Vida têm dignidade! Viva a Vida!

Que Deus vos guarde e que Deus guarde Portugal!