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quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Legalizem a eutanásia que o SNS pode esperar.




São cada vez mais impressionantes as notícias que vão surgindo sobre o estado do Serviço Nacional de Saúde. Num país cada vez mais envelhecido e empobrecido a saúde vai-se tornando cada vez mais um direito de poucos.

As descrições que vamos lendo e ouvindo parecem-se cada vez mais com as de um qualquer país de terceiro mundo: operações canceladas por falta de materiais básicos, consultas adiadas por meses e meses, tempos de espera muitas vezes superiores a um ano (e mesmo assim raramente respeitados), urgências que fecham e obrigam as pessoas a deslocações de dezenas de quilómetros, aparelhos avariados sem qualquer horizonte de arranjo ou substituição que impedem a realização de exames essenciais, ambulâncias paradas por falta de manutenção, hospitais com camas inutilizadas por falta de pessoal médico ao mesmo tempo que há hospitais com falta de camas e de espaço.

Já não há maneira de escamotear a verdade: o Estado falhou! Não vale a pena tentar culpar os médicos, que trabalham muitas mais horas do que as exigíveis e que têm à sua responsabilidade milhares de doentes, ou os enfermeiros que tentar cuidar dos seus doentes sem terem materiais e mesmo remédios. O Sistema Nacional de Saúde falhou e falhou por causa do Estado que se demonstra incapaz de garantir este direito básico dos cidadãos.

Cada vez mais pessoas acabam por recorrer aos privados (e não, não apenas os ricos, ainda há pouco tempo saiu a noticia que são cada vez mais as pessoas de classe média e classe baixa a contratar seguros de saúde) que também vão perdendo capacidade de resposta.

Evidentemente que os que mais prejudicados nesta situação são aqueles que mais precisam do SNS: os idosos, os doentes crónicos, os doentes graves, que desesperam diante de um Estado incapaz de lhes dar uma resposta condigna aos seus problemas.

Infelizmente para a esquerda a urgência não passa por melhorar o SNS. Não passa por arranjar solução para aqueles que precisam de ser cuidados e a quem a sociedade não é capaz de dar resposta.

Num país onde esmagadora parte da população não tem a acesso a cuidados de saúde básicos (já nem falo de cuidados continuados ou de cuidados paliativos) a grande prioridade da esquerda é sobrecarregar o SNS com a morte a pedido.

Não há médicos nem enfermeiros suficientes para cuidar das pessoas, não há remédios, não há materiais para cirurgias, não há camas, não há macas, não há máquinas de diagnóstico, mas o primeiro projecto de lei que o Bloco apresenta no Parlamento é a da legalização da eutanásia!

Já é mau legalizar-se o homicídio a pedido da vítima num país com um sistema de saúde que funciona, como a Holanda ou o Luxemburgo. Mas num país como Portugal, onde há pacientes que morrem à espera de exames é simplesmente pornográfico.

Discutir a legalização da morte a pedido é discutir qual é a resposta do Estado diante de alguém que está em tal sofrimento que pede para morrer.  Cuidamos da pessoa? Damos-lhe os melhores cuidados de saúde possíveis? Arranjamos resposta sociais para que ela esteja acompanhada ou possa ser acompanhada pela sua família? Para o Bloco, e também para o PS e o PAN, já se percebeu que essa resposta é secundária. É indiferente o idoso abandonado numa maca no hospital, é indiferente o doente com cancro que espera uma infinidade pelo seu tratamento. O que realmente importante é o direito a “morrer com dignidade”, já quem em vida a dignidade dos doentes pouco lhes parece interessar!

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

O novo extremismo que ameaça a nossa democracia.



A manifestação dos polícias voltou a trazer o refrão da “ascensão” da extrema-direita. O número de André Ventura, de t-shirt e megafone em punho, aparentemente foi o suficiente para alertar jornalistas e comentadores. A tal ponto chegou a histeria que não houve jornal que não tenha feito uma reportagem sobre um suposto gesto da extrema-direita usada pelo Movimento Zero (gesto que depois se percebeu ter começado como uma graça, que gerou uma fake news, que levou alguns extremistas mais incautos a adoptarem-no, que levou ao histerismo dos media portugueses sobre um dos gestos de mão mais comuns, como a profusão de fotografias que invadiram as redes sociais comprovam).

O histerismo à volta do suposto extremismo de André Ventura é absurdo. No fundo é pouco mais do que uma narrativa que serve apenas para alarmar o povo e tentar trazer pontos à esquerda.

Contudo basta ler o programa do Chega para perceber que o partido de Ventura não é de extrema nenhuma. Tirando duas ou três medidas mais duras (mas que não incomuns noutros países democráticos), tudo espremido temos um partido liberal na economia e conservador nos costumes. Mesmo a sua reforma do sistema político não passa de um gaullismo requentado.

Depois temos o próprio André Ventura. O líder do Chega é um filho do nosso sistema que decidiu cavalgar a onda do populismo. Doutorado em Direito, funcionário público, professor universitário, comentador da Cofina, antiga estrela do PSD, a verdade é que André Ventura viveu e cresceu dentro do sistema. Não se lhe conhece qualquer actividade cívica, qualquer ligação a movimentos subversivos, nem qualquer interesse anterior pela agenda que agora defende ardorosamente (pelo contrário, só se conhece um tese de doutoramento bastante equilibrado sobre os direitos das minorias e sobre o abuso do poder judicial). 

O Chega não é um partido de extrema-direita, é um instrumento da ambição política de André Ventura. O novo deputado é um homem inteligente, um razoável orador e sobretudo um bom manipulador das massas. Tapada que estava a sua ascensão no PSD com a eleição de Rio, viu na criação de um partido populista uma boa oportunidade de chegar ao parlamento e aproveitou-a. E tem demonstrado que pode continuar a crescer, tal é a sua capacidade de se agarrar a qualquer movimento de contestação social que aí apareça. Seja a ideologia do género, seja os polícias, seja o mundo rural, de tudo se servirá para se apresentar como campeão do povo. Tudo isto enquanto vai trocando elogios e encontros com Rui Rio. O objectivo de Ventura não é mudar o sistema, mas substituir o CDS como eventual parceiro de coligações com o PSD.

Podemos discutir se um partido assim é útil ou não. Não vale é a pena berra extrema-direita só porque não gostamos do homem.

Sobretudo quando ao mesmo tempo se trata com toda a normalidade partidos anti-democráticos com assento parlamentar só porque se sentam do lado esquerdo do hemiciclo. Os comentadores que consideram uma ameaça ao Estado de Direito a posição de Ventura sobre os ciganos, são os mesmos que consideram normal o PCP continuar a louvar a revolução de Outubro ou a lamentar a queda do Muro de Berlim. Os jornalistas que chegam ao cúmulo de chamar ao 25 de Novembro um golpe militar só porque este ano o Chega decidiu festejá-lo, são os mesmos que não vêm qualquer problema no Bloco de Esquerda apoiar Maduro e Fidel Castro.

Perigo para a democracia não é André Ventura, mas partidos que abertamente atacam a liberdade educativa, a liberdade económica e até a liberdade religiosa. Perigo para a democracia são os partidos que apoiam todas as ditaduras de esquerda e apelidam de fascistas todos os governantes democraticamente eleitos de quem não gostam.

Mas sobretudo o maior perigo para a democracia, que infelizmente a maior parte dos jornalistas e comentadores teima em ignorar, é a aproximação do Partido Socialista a estes partidos.

Durante décadas mais clara do que a divisão entre direita e esquerda, era a divisão entre partidos democráticos e não democráticos. Entre os partidos que apoiavam o Ocidente, europeístas, e os partidos que apoiavam as ditaduras marxistas. Para Mário Soares nunca houve dúvidas de que lado do muro de Berlim estava. Por isso o PS governou com o PSD, com o CDS, mas nunca com o PC. Porque havia essa linha divisória, entre os que defensores da democracia e os defensores do autoritarismo marxista, que os socialistas nunca atravessaram. Isto até António Costa estar tão sedento de poder que fez o que nenhum dos seus antecessores se atreveu: aliar-se à esquerda não democrática para garantir o poder.

E agora vemos o PS refém da agenda da extrema-esquerda. Já não se trata apenas de aprovar leis fracturantes. Trata-se da imposição da agenda de género nas escolas e à sociedade, trata-se da destruição da economia, trata-se do animalismo primário. O Partido Socialista chegou ao ridículo de recusar condenar os crimes do estalinismo! Este PS já não é o de Mário Soares, de António Guterres ou de Jaime Gama. Este PS é pouco mais do um conjunto de bloquistas com mais ambição política.

A verdade é que a maior ameaça à democracia não é claramente André Ventura e o seu folclore populista. A grande ameaça à democracia é o Partido Socialista ter passado essa linha que separava os partidos democráticos dos partidos marxistas. 

Infelizmente para a nossa comunicação social, já há muito amansada e dominada pelos parente e amigos do Primeiro-Ministro, o que realmente importa não é ter um partido que partilha o poder com apoiantes de Castro e Maduro. O grave mesmo é André Ventura. Depois não se queixem.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Deixem Fatima jogar.



Mais uma semana, mais um escândalo para alimentar as redes sociais. Agora foi uma rapariga paquistanesa que foi impedida de jogar basquete porque se apresentou com uma t-shirt de mangas compridas debaixo do equipamento regulamentar. Os árbitros do jogo impediram-na de jogar evocando os regulamentos. A rapariga, Fatima de seu nome, recusou-se a tirar a t-shirt de mangas compridas evocando a sua fé. O problema foi rapidamente resolvido pela Federação Portuguesa de Basquete, que entregou a Fatima um equipamento para a prática de basquete que respeita os preceitos islâmicos. 

Não vivêssemos nós no tempo das redes sociais, onde qualquer pequeno problema local é ampliado a escândalo nacional, e todo este assunto estaria arrumado. Infelizmente passei o dia a ler no meu feed pessoas a debitar disparates sobre Fatima Habib e a sua fé.

Os argumentos em geral podem-se dividir em dois: “eles” aqui têm que cumprir as nossas regras e as nossas tradições e lá na terra “deles” também não deixam construir igrejas ou as mulheres andar de calções. Deixa-me sempre um pouco surpreendido que um assunto que de facto levanta questões sérias acabe sempre em dois argumentos tão idiotas como estes. 

Antes de mais fico sempre espantado como num país onde a esmagadora maioria das pessoas é incapaz de respeitar uma prioridade na estrada ou de apanhar o cocó dos cães no chão, de repente se começa a ter tanto respeito pela sacralidade das regras. Aparentemente cumprir à risca o regulamento da Federação Portuguesa de Basquete passou a ser uma questão civilizacional.
Depois, se é verdade que o tal regulamento é uma regra nossa, o direito à liberdade religiosa também o é. Com a diferença que um é feito por uma federação desportiva e o outro pela Assembleia Constituinte.

Por fim a questão da cultura e tradição é especialmente disparatada. A sério que raparigas de trezes anos jogarem basquete de calções e manga à cava faz parte da nossa tradição? Um desporto americano, que segue as regras de vestuário americanas, passou a fazer parte tão integral da nossa cultura, que qualquer desrespeito a estas regras chega para colocar em perigo a civilização? É como quando argumentam contra o burquini falando de tradição, como se o biquíni fosse mais tradicional que as mulheres da Nazaré na praia vestida dos pés à cabeça!

E já agora, para os mais esquecidos, relembro que a presença islâmica em Portugal é bastante mais antiga e bastante mais marcante na nossa cultura que o basquete feminino…
Já o argumento do lá na terra “deles” é também fraco, mas introduz um pensamento perigoso. O argumento é disparatado porque lembra um pouco as crianças que se portam mal nas aulas e usam como desculpa os amigos que também o fazem. Quase apetece responder “mas eu não sou pai do Paquistão!”. É evidente que o atropelo aos direitos humanos em países muçulmanos, sobretudo no que toca à liberdade religiosa e aos direitos das mulheres, não serve como argumento para fazermos o mesmo. Acusar o Paquistão de não deixar as mulheres usar calções para depois proibir as mulheres de se taparem é bastante contra-senso.

Mas este argumento é perigoso porque legitima o poder do Estado em interferir na liberdade religiosa. Quando afirmamos que Portugal deve restringir a liberdade religiosa porque outros países também o fazem, estamos a afirmar que a liberdade religiosa é um direito que, de alguma maneira, está à disposição do Estado. Que o Estado pode dar ou retirar.

Ora, a o direito à liberdade religiosa, ou seja de praticar a sua fé sem ser discriminado por ela, é um direito fundamental e inato à pessoa. Não é concedido pelo Estado, como de resto não o são nenhum dos direitos fundamentais, mas apenas reconhecido e protegido por este. Por isso permitir ao Estado que restrinja a liberdade religiosa de uma pessoa ou de um grupo é reconhecer ao Estado legitimidade para o fazer a qualquer pessoa ou grupo, como se esse direito emanasse dele e não fosse prévio a ele. 

Se reconhecemos ao Estado legitimidade para restringir a liberdade religiosa de uma muçulmana, reconhecemos que o Estado tem legitimidade para impor uma conduta íntima e moral aos cidadãos. Convém não esquecer que há cem anos em Portugal os sacerdotes não podiam andar de batina, nem os religiosos com os seus hábitos!

Evidentemente que a liberdade religiosa tem os seus limites, como qualquer outro direito fundamental. Para começar, a liberdade religiosa pode ceder a outros direitos fundamentais de maior valor: por exemplo a direito à segurança colectiva pode obrigar a que as mulheres não possam usar burca em locais públicos impedido assim a sua identificação. Para além disso a liberdade religiosa não pode impor á sociedade um sacrifício desproporcional: por exemplo o impedimento de os Adventistas trabalhar ao sábado não pode parar todo o país nesse dia. Por fim, a própria realidade restringe a liberdade religiosa: se uma religião não permitir a uma pessoa nadar, esta não pode ser nadadora olímpica.

Por isso aquilo que me parece razoável discutir no caso de Fátima Habib é se o regulamento de vestuário da Federação Portuguesa de basquete é mais importante que o direito de Fatima a jogar basquete sem desrespeitar a sua fé. A resposta não é simples, não é igual para todos os desportos e merece ser debatido. A mim parece-me que estiveram mal os árbitros que não a deixaram jogar, que houve alguma negligência por parte do clube e da família da jogadora ao não investigar para saber se havia maneira de conciliar as duas coisas (pelos vistos havia), e que esteve bem a Federação quando criou meios para que Fatima jogasse dentro dos regulamentos. Percebo que é possível defender outra posição. O que é absurdo são os disparates que se têm lido nas redes sociais e que parecem ter que chegado a alguns comentadores da comunicação social.

Muito se tem falado da guerra de culturas entre o Islão e o Ocidente. E é evidente que existe uma enorme diferença entre a nossa cultura, onde subsiste resquícios da herança cristã e a cultura islâmica. Desde logo no que diz respeito à liberdade religiosa e aos direitos das mulheres. Mas esta guerra não será ganha se rejeitarmos as bases sobre as quais o Ocidente foi construído. Não é possível ganhar uma guerra cultural se abdicamos da nossa cultura. Permitir que Fatima Habib jogue basquete com equipamento que respeite a sua fé não é uma cedência ao Islão, pelo contrário, é afirmar a diferença entre o Ocidente e o Islão. Defender a liberdade dos muçulmanos praticarem a sua fé sem serem discriminados é afirmar a dignidade de cada Homem, é defender a liberdade de cada pessoa, ou seja, é lutar pelas raízes e pelos ideais que permitiram construir aquilo a que chamamos a nossa cultura. Que uma rapariga muçulmana possa jogar basquete no Algarve não é um vitória do Islão, é uma vitória do Ocidente.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Menos redes sociais, mais humanidade - Observador, 14/11/19

Se é verdade que as redes sociais ajudaram a democratizar o debate público, não é menos verdade que têm contribuído para o empobrecer.

O debate nas redes sociais vive da sua imediatez, da sua capacidade de emocionar ou revoltar, vive de emoções e não de razões. Ao mesmo tempo, por ser impessoal, convida também à falta de empatia para com o outro. É fácil escrever num ecrã aquilo que jamais diríamos a alguém olhos nos olhos.
Por isso qualquer tema tem potencial para se transformar numa guerra, com facções entrincheiradas, trocando acusações inflamadas e insultos.      E quanto mais “escandaloso” for o tema, mas irracional e irado será o debate

Quem passar os olhos pelas redes sociais em Portugal nos últimos dias poderá imaginar que a nossa sociedade se divide neste momento entre aqueles que querem apedrejar a mulher que colocou o seu filho recém-nascido num ecoponto e os que consideram que essa mulher é apenas uma pobre vítima da sociedade. Como se estivéssemos diante de um problema simples, onde só se pode ser a favor ou contra.

A única coisa simples neste caso é a consciência de que abandonar um recém-nascido despido num ecoponto para morrer é monstruoso. Qualquer que seja a circunstância da mãe, condenar à morte uma criança inocente, acabada de nascer, é (e peço desculpa pela repetição, nas não há outra maneira de o dizer) monstruoso.

Mas uma pessoa não é definida apenas pelos seus actos. A monstruosidade de abandonar o filho à morte não transforma automaticamente aquela mulher num monstro. A condenação do acto não nos impede de olhar com misericórdia para uma humanidade de tal maneira desfeita e ferida que é capaz de um dos actos mais anti-naturais do mundo.

Pouco ou nada sabemos sobre a mãe desta criança. Cabo-verdiana, jovem, vivia na rua. Alguns jornais afirmam que vivia da prostituição, que não sabia quem era o pai da criança. Estes são os dados que possuímos. E nesses dados, e no seu crime, podemos entrever uma vida miserável.

Quer isto dizer que não deve ser julgada pelos seus actos? Evidentemente que deve. Mas caberá a um juiz apurar (e não lhe invejo a sorte) até que grau pode esta mulher ser responsabilizada pelo seu acto. E em última instância, caberá ao tribunal decidir se esta mulher deve ou não ser presa.

E este olhar de misericórdia também não significa desresponsabilizar a mãe pelo que fez. Culpar as circunstâncias ou a sociedade pelo seu acto é um insulto a todos os que vivem as mesmas circunstâncias sem praticar qualquer mal. É um insulto a Manuel Xavier, o sem abrigo que salvou aquele bebé.

Mas há uma diferença entre fazer desta mulher apenas uma vítima da sociedade e olhar para ela com compaixão pelo drama terrível que vive. Como disse antes, caberá ao tribunal decidir sobre a responsabilidade da mãe neste terrível acto. Penso que a nós nos cabe perceber o que pode ser feito para ajudar mulheres que vivem dramas como o desta rapariga.

Eu não consigo deixar de me sentir interpelado por saber que há em Portugal, no século XXI, mulheres que vivem na rua, que se prostituem para viver, que vivem toda uma gravidez sem qualquer apoio. Nada disto justifica que se tente matar um filho, mas um drama assim não nos pode deixar indiferentes.

É fácil para mim, sentado em casa, rodeado pela minha família, condenar o acto desta mulher. Mas eu nunca tive que dormir na rua, nunca fui abandonado pela minha família, nunca tive de vender o meu corpo e nunca, por razões evidentes, passei por uma gravidez, quanto mais sozinho e sem apoio. Não sei, nem sonho o que aquela mulher passou. E penso que a esmagadora maioria daqueles que hoje andam pelas redes sociais a pedir o seu apedrejamento, também não. Por isso choca-me o crime, espero que a justiça funcione, mas não deixo de sentir compaixão por aquela mãe. E espero que o tempo, e a justiça, sirvam para a sua recuperação e regeneração.

Quanto ao seu filho, milagrosamente salvo das garras da morte: que Deus o guarde e que nunca tenha de enfrentar as mesmas circunstâncias desesperadas de sua mãe.

domingo, 10 de novembro de 2019

Os 101 anos da guerra de Afonso Costa.



No dia 11 de Novembro cumprem-se 101 anos do armisticio que colocou fim à Iª Guerra Mundial. O armisticio foi assinado às 5 horas da manhã mas só entrou em vigor às 11 horas: durante esse intervalo morreram 2800 soldados, o último dos quais às 10h59. Foi o último dos mais de 15 milhões de mortos (uma média de 5 mil por dia) de uma guerra fútil, provocada pelo orgulho e irresponsabilidade dos líderes europeus.

De facto, não há nenhum grande motivo por trás desta guerra que não seja o militarismo e o desejo de influência das grandes potências europeias. Ao contrário do que tentam ensinar nos programas de história da escola, não havia qualquer divisão ideológica que explique esta guerra. A França Republicana e laica lutou lado a lado com a Rússia Imperial e ortodoxa, enquanto o a católica Aústria teve a Turquia como parceira.

E se o principio da guerra foi dramático o modo como acabou foi ainda pior. Já em 1917 tinha caído o império Russo, com a revolução bolchevique que tanto sofrimento haveria de impor à Europa e ao mundo. Mas pior ainda foi o tratado de Versalhes, assinado em 1919, que humilhou a Alemanha, destruiu o império Habsburgo e desfez a europa central numa miríade de pequenas nações. Sobre o tratado disse um dos heróis da guerra, Marechal Foch: "isto não é a paz, é um armistício por vinte anos". Infelizmente mostrou-se certeiro: o revanchismo dos aliados abriu as portas a Hitler e ao seu Reich, que não tinha nenhuma figura ou nação suficientemente poderosa nas redondezas para o travar.

Foi neste conflito tremendo, onde milhões de soldados eram sacrificados pelo orgulho desmedido dos seus chefes, que Portugal decidiu entrar de forma voluntária. Não havia qualquer razão para os portugueses lutarem na Flandres. Os aliados não o pediram, não tínhamos qualquer interesse estratégico em jogo, não existia qualquer conflito com a Àustria ou a Alemanha. A única razão para entrar na guerra foi a vontade de Afonso Costa e da sua camarilha do Partido Democrático.

Afonso Costa viu na Iª Grande Guerra uma possibilidade de criar um desígnio nacional em volta da república e, mais concretamente, em volta do seu partido. Viu também na guerra uma possibilidade de consolidar a república a nível internacional. Por isso desejou que Portugal entrasse na guerra. Mas não lhe bastava uma colaboração com os Aliados, ou uma mera guerra defensiva em África. Sonhava com uma gloriosa campanha nos campos da Flandres que permitisse criar uma epopeia republicana.

Para isso impôs aos Aliados a participação portuguesa na frente Ocidental, com um corpo de exército. Foram dezenas de milhares de jovens arrebanhados às suas aldeias ou aos bairros pobres das cidades, treinados com armas obsoletas, que foram despachados para a Flandres para passar fome e frio, sem qualquer possibilidade real de interferir no resultado da guerra. Tudo isto chefiados por oficiais políticos, incompetentes e incapazes, que preferiam a intriga política ao exercício das suas funções.

O resultado foi milhares de mortos, feridos e prisioneiros. Homens marcados para o resto das suas vidas, com lesões físicas e traumas psicológicos gravíssimos. A coragem dos soldados portugueses, louvada por aliados e inimigos, não foi capaz de competir com a frieza da guerra moderna.

A participação portuguesa na Iª Guerra Mundial foi um desastre. Os mortos e feridos na guerra foram o preço que Afonso Costa se demonstrou disposto a pagar para manter o seu poder e o da sua camarilha.

Infelizmente, os mártires da ambição do líder republicano raramente são recordados. O Estado Novo, na sua ânsia de agradar ao exército, glorificou sempre a participação portuguesa na guerra. A democracia, na sua ânsia de exaltar a Iª República, tentou sempre esquecê-la.


Na Commonwealth, dia 11 de Novembro é o dia em que se recordam todos os militares mortos em acção. É tradição em Novembro muitos ingleses usarem uma papoila na lapela, em recordação dos militares mortos, sobretudo os que morreram na Primeira Guerra. Por cá, infelizmente, prefere-se debater a escravatura e o museu de Salazar, a recordar os milhares de homens mortos para glória de Afonso Costa.