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quinta-feira, 20 de junho de 2019

Miguel Duarte e os migrantes: um crime (infelizmente) necessário.



1- A guerra do Afeganistão, a guerra do Iraque, a Primavera Árabe, a guerra na Síria, a guerra da Líbia e o desaparecimento total de qualquer espécie de governo, a guerra do Iémen, a ascensão do Estado Islâmico que por sua vez levou ao recrudescimento do extremismo islâmico, mergulhou boa parte do norte de África e do Próximo Oriente no caos.

Essa caos levou à deslocação de centenas de milhares de pessoas. Algumas são refugiados de guerra, outra migrantes que fogem de uma vida miserável. O sonho da grande maioria dessas pessoas é chegar à Europa.

2 - Sempre houve migrantes a tentar atravessa o Mediterrâneo para entrar ilegalmente na Europa. Sempre houve redes de tráfico que exploraram essas pessoas. Contudo o drama actual fez aumentar muitíssimo a procura da Europa, o que, evidentemente, fez crescer muitíssimo as redes de tráfico.

Falamos de gente que explora miseravelmente pessoas que não têm nada, que os enfia em barcos miseráveis e os atira ao mar, pouco lhes importando se sobrevivem ou não. O único interesse destes redes é mesmo o dinheiro.

3 - O aumento de migrantes no Mediterrâneo tem levado a uma catástrofe humanitária. Nas costas da Europa têm morrido milhares de pessoas afogadas pelo crime de procurarem uma vida melhor.

E a resposta europeia tem sido fraca e insuficiente. A questão dos migrantes tem sido usada como arma de arremesso político.

De um lado temos os que defendem que a União Europeia deve estar aberta a todos, que se mostram indiferentes ao justo receio de alguns países pelo número de migrantes, que se mostram indiferentes ao facto de a integração destes migrantes estar a falhar, sobretudo que se mostram indiferentes ao facto de ser Itália quem de facto enfrenta a maior parte do problema. 

Por outro lado temos aqueles que demonizam os migrantes e que exploram o medo das populações do terrorismo e do extremismo islâmico. Para estes a Europa corre o risco de ver a sua cultura destruída por uma invasão vinda de África e do Próximo Oriente.

Esta divisão da questão dos migrante em duas trincheiras tem tornado impossível resolver o problema. A discussão, com acusações de parte a parte, é estéril. Ambas as partes invocam razões justas, mas são incapazes de qualquer abertura.

4 - Este problema é complexo. Por um lado existem refugiados que têm um estatuto jurídico próprio. Mas a grande maioria dos que entram na Europa pelo Mediterrâneo, mesmo vindo de países desfeitos, não são refugiados, mas sim migrantes económicos.

Se é de justiça que a Europa acolha refugiados de guerra, também é justo que não aceite migrantes económicos para lá do que é a sua capacidade. Não pode contudo simplesmente deixar morrer pessoas na sua costa só porque são imigrantes ilegais. A Europa está construída precisamente sobre a Dignidade Humana. Esse principio impede que sejamos indiferentes aqueles que morrem "ilegalmente" no "nosso" mar.

Por outro lado, não basta resgatar os que atravessam o Mediterrâneo (embora isto seja urgente) também é preciso acabar com as redes de tráfico que exploram aquela pobre gente. É preciso criar condições nos seus países para que possam regressar. É preciso combater este problema em toda a sua complexidade e não continuar apenas nas grandes declarações de princípios, sem qualquer efeito prático.

5 - A tragédia do Mediterrâneo fez aparecer uma conjunto de ONG's que tentam salvar as pessoas que fazem a travessia. Algumas delas têm barcos que patrulham o mar à procura de embarcações para acolher os migrantes e transporta-los para Itália.

O objectivo é nobre e, para além disso, necessário. Claro que a acção destas organizações, embora resolva uma urgência, acaba por agravar o problema geral. A sua existência é um incentivo não apenas aos migrantes, mas às próprias redes de tráfico.

A juntar a isto, nem todas as ONG's são iguais. Algumas tem uma agenda política, algumas provavelmente pouco mais são do que fachadas para negócios escuros com os traficantes.

Isto não retira o mérito de tantos voluntários que vão para o Mediterrâneo com o único propósito de ajudar gente desesperada. E se é verdade que ao salvar os migrantes de morrerem afogadas, ao tornar mais segura a travessia, incentivam a mesma, também não é menos verdade que a alternativa é simplesmente continuar a deixar morrer pessoas no mar até as redes de tráfico ficarem sem clientes (o que não parece que resulte).
  
O problema dos migrantes envolve muita política, muito dinheiro e muitos interesses. Mas sobretudo, envolve muitas vítimas que não podem ser deixadas ao abandono apenas porque são "ilegais".

6 - Não conheço Miguel Duarte de lado nenhum. Nem conheço ninguém que seja realmente amigo da mãe dele. Sei que não é verdade que ele esteja a ser acusado por ter salvo pessoas no Mediterrâneo. Está a ser acusado por as ter levado para Itália. E isso é de facto um crime. Um crime necessário uma vez que a alternativa é provavelmente deixar morrer muitas daquelas pessoas afogadas.

Vi em diversas partes escrito que ele os deveria levar de volta para a Líbia, porque aparentemente muitos dos salvamentos são feitos próximos do lado de lá do Mediterrâneo. Isso é pouco melhor do que os deixar morrer afogados. Levá-los de volta para a Líbia é levá-lo para um país sem lei, sem governo, dominado por senhores da guerra. É entrega-los de novos às redes de tráfico humano. É de facto matá-los mais lentamente. A alternativa é leva-los para Itália é deixa-los à morte, no mar ou em terra.

Miguel Duarte não é vítima do Estado Italiano, é vítima de uma Europa que deixou o problema dos migrantes transformar-se num jogo político e de interesses, que ninguém está realmente empenhado em resolver. O jovem português entrou num jogo que está muito acima dele.

Se é justo que Itália se tente defender da imigração ilegal, não é menos justo que o Estado Português e a sociedade portuguesa se empenhem em defender um jovem que se arriscou para salvar pessoas da morte. As acções de Miguel são um crime, mas são justas e necessárias. Necessárias pela inépcia da Europa em resolver esta tragédia.

7 - Tenho visto muitas vezes repetido nas redes sociais que Miguel aos salvar pessoas no Mediterrâneo estaria a compactuar e a incentivar redes de tráfico humano.

E é verdade. É verdade que essas redes de gente sem escrúpulos se aproveita desta fraqueza da Europa, herança do cristianismo, que é a misericórdia. Esta fraqueza de amar o próximo, mesmo que isso nos prejudique. A fraqueza de amar aqueles que nos odeiam.

Percebo que para alguns seja mais lógico que para combater as redes de tráfico, para combater o fluxo migratório, se deixe morrer pessoas afogadas. Assim como assim foram elas que decidiram correr esse risco e nós estamos apenas a defender a nossa terra. Aliás, esta teoria não é nova, já há dois mil anos Caifás dizia que mais valia morrer um só homem pelo povo.

Não percebo é que alguém o faça com a desculpa de defender o cristianismo, ou os valores cristãos. Deixar morrer pessoas afogadas pode ser até uma boa decisão política, mas é completamente contrária às palavras de Cristo. Jesus não nos mandou amar os bons, os justos, os que nos amam, mandou amar o próximo, mandou amar os inimigos, mandou amar os que nos odeiam. Pode-se justificar deixar morrer alguns no mar por questões políticas, mas poupem-me à conversa de que estão a defender o cristianismo. O cristianismo não se defender desobedecendo a Cristo.

8 - O problema dos migrantes é um problema complexo. A Europa não pode de facto estar de portas totalmente abertas à imigração. Tem mesmo que que ter uma política clara de combate à imigração ilegal, tem que combater o tráfico humano, tem que trabalhar com os países de origem destes migrantes para evitar que ele saiam de lá. Tudo isto é verdade.


Mas enquanto o faz e não o faz, enquanto o problemas se resolve e não se resolve, não pode continuar a deixar morrer pessoas no Mediterrâneo. A mim não me choca nada que um imigrante seja repatriado, desde que seja tirado do mar, agasalhado e alimentado.

sábado, 15 de junho de 2019

Do Marquês a Brandão Rodrigues: 250 anos da mesma luta - Observador

Aquando da expulsão dos Jesuítas em Portugal pelo Marquês de Pombal, estes tinham 30 colégios em Portugal com um número de alunos que só voltaria a ser alcançado no século XX. A estes somavam-se os mais de 50 colégios da Companhia espalhados pelo Império (cfr. Francisco Rodrigues, A Companhia de Jesus em Portugal e nas Missões).

Estes colégios eram verdadeiros pólos de divulgação científica e cultural ao mais alto nível. Sobre o assunto vale muito a pena ouvir e ler Henrique Leitão, prémio Pessoa e único português membro da Academia Internacional de História da Ciência.

A extinção das ordens religiosas pelo Mata-Frades será um novo golpe na educação em Portugal. O fim das ordens religiosas ditou também o fim dos seus colégios, incluindo o Colégio das Artes de Coimbra dos Jesuítas, que só se aguentou dois anos.

Os anos da monarquia liberal serão anos de avanços e recuos relativamente às ordens religiosas. Entre 1858 e 1906 os Jesuítas construíram nove Colégios em Portugal e 14 no Ultramar.
Mais uma vez, esses colégios destacam-se pela sua enorme qualidade pedagógica e científica. Sobre o tema vale a pena ler o artigo de Carlos Bobone, no Observador de 19 de Agosto de 2017, sobre o Colégio de São Fiel e sobretudo a obra de Francisco Malta Romeiras, que tem investigado o ensino dos Jesuítas nos séculos XIX e XX.

Mas essa reconstrução do trabalho educativo da Companhia de Jesus iria enfrentar mais uma vez a fúria ideológica do Estado. A República de Afonso Costa tratará de expulsar mais uma vez as ordens religiosas, tendo a Companhia direito a decreto de expulsão próprio.

Não é possível falar de educação em Portugal sem falar da Companhia de Jesus. Durante séculos, os Jesuítas foram os grandes educadores de Portugal e do Império. Os seus colégios foram centros de divulgação da cultura e da ciência que muito deram a Portugal, dos Descobrimentos ao prémio Nobel de Egas Moniz, aluno do Colégio de São Fiel.

O trabalho educativo dos Jesuítas é a prova de que a educação, enquanto serviço público, não tem que ser feita pela Estado. Ao Estado cabe, sem dúvida, garantir que todos têm acesso à melhor educação possível. Mas esta pode, sem perder nada de serviço público, ser feita por outras entidades que não o Estado. O critério se a educação é ou não serviço público é a sua qualidade e a sua acessibilidade, não se a escola pertence ou não ao Estado.

A fúria ideológica jacobina e anticlerical, que exigiu uma educação completamente dominada pelo Estado, trouxe danos imensos à educação em Portugal. Danos esses sentidos sobretudo pelos mais pobres, que sem essas instituições viram fechada qualquer hipótese de estudarem.

Este artigo vem a propósito da notícia de que o Colégio da Imaculada Conceição em Cernache, que pertence aos Jesuítas, vai encerrar. Ao fim de 64 anos de actividade, de 40 anos de contrato de associação, depois de educar mais de dez mil alunos, este colégio chega ao fim pela decisão arbitrária de Tiago Brandão Rodrigues relativamente aos contratos de associação.

Ninguém tem dúvidas que o CAICC prestava um verdadeiro serviço público. Que permitia a toda população envolvente acesso a uma educação de excelência. O seu único defeito era mesmo não ser do Estado!

Infelizmente, não é caso único. Será o décimo segundo colégio a encerrar desde a decisão de 2016 de reduzir ao máximo os contratos de associação. Uma decisão que ainda permanece inexplicável. Aparentemente, haveria escolas a mais em certas regiões. A lógica mandaria a procura de um critério razoável para escolher quais deveriam ser apoiadas: aquelas preferidas pelas comunidades, as que tinham melhores resultado escolares, até eventualmente, as que custavam menos dinheiro. Infelizmente, o único critério foi se pertenciam ou não ao Estado.

Assim, escolas que durantes décadas prestaram um serviço público inestimável, sobretudo em regiões mais isoladas, viram-se de um dia para outro expulsas da rede de escolas públicas. Apenas pela fúria ideológica da geringonça.

O fim dos contratos de associação em nada melhora o ensino Portugal, não serve as populações, não traz qualquer vantagem aos alunos do nosso país. É uma medida que apenas prejudica os alunos dessas escolas, sobretudo os alunos cujos pais não têm dinheiro para os enviar para um Colégio e que por isso irão estudar para longe de casa, provavelmente para uma escola pior do que aquela que frequentavam.

A perseguição ao ensino não-estatal em Portugal não tem nada de defesa da Escola Pública. Defender o ensino público é defender o acesso universal a uma educação de qualidade, é defender que todas as famílias tenham a possibilidade de educar os seus filhos, é defender o papel da educação como ascensor social. E isso faz-se independentemente da escola pertencer ou não ao Estado.
Infelizmente, para Tiago Brandão Rodrigues, como para o Marquês, para o Mata-Frades e para Afonso Costa, o importante não é a educação das crianças e dos jovens, o importante é mesmo garantir a autoridade do Estado sobre as escolas. O resultado está à vista!

terça-feira, 11 de junho de 2019

“Sabe, um dos maiores problemas do nosso tempo é que somos governados por pessoas que se preocupam mais com os sentimentos, do que com pensamentos e ideias”.




Numa das mais maravilhosas cenas do filme “A Dama de Ferro” um médico tenta perceber como Margaret Tatcher se sente. A Baronesa dá uma resposta longa sobre sentimentos e ideias. A certa altura diz “Sabe, um dos maiores problemas do nosso tempo é que somos governados por pessoas que se preocupam mais com os sentimentos, do que com pensamentos e ideias”.

A política é cada vez mais narrativa e comunicação e cada vez menos debate de ideias. Aos políticos parece interessar mais as sondagens, focus group e índices de popularidade do que propor um caminho para o país. Cada vez mais estudar o eleitorado à procura do tema ou soundbyte que permita ganhar votos e cada vez menos debater ideias para alcançar o bem comum.

Não é de estranhar por isso o desinteresse cada vez maior da das pessoas pela política. Se a política tem como fim adaptar o discurso e as ideias até encontrar aqueles que permitem o melhor resultado eleitoral, então de facto há poucas razões para ir às urnas.

É sempre bom que os políticos oiçam o que o povo diz, mas é ainda mais importante que tenham algo para dizer ao povo. Há poucas coisas mais ridículas na política moderna do que ver membros do governos e líderes partidário a “brincar” ao povo, com a única finalidade de passar a mensagem que ouvem a população.

É bom que os políticos andem de transportes públicos de vez em quando. Mas o que os utentes dos transportes públicos precisam mesmo não é de uma catrefada de ministros, mais a sua entourage a andar de autocarro, é mesmo que estes resolvam os problemas dos transportes públicos.

É bom ver políticos em trabalhos agrícolas. Mas o que os agricultores precisam mesmo é de uma política para a agricultura que lhes permita rentabilizar o seu trabalho.

Não é pior que algum político utilize de vez enquanto o Serviço Nacional de Saúde. Mas o que os seus utentes precisam mesmo, não é de olhar para o lado na sala de espera e dizer “estás a ver este senhor tão importante também vem aqui ao Centro de Saúde”, mas de uma política para a saúde que permite a todos acesso a bons cuidados médicos.

 Já não há paciência para o político que faz política de proximidade, arrastando consigo uma comitiva de notáveis locais mais meia dúzia de jornalistas. As pessoas não precisam de proximidade aos políticos, precisam é que eles governem.

E para governar bem é preciso ideias. Não um pragmatismo vazio, que quer resolver os “problemas reais”, que oscila entre o voluntarismo inútil e o eleitoralismo descarado. O país não precisa de resolver problemas avulso, conforme estes vão aparecendo nas televisões. Precisa de ideias de como governar de modo a termos um país mais justo.

Permito-me agora falar concretamente do CDS, partido do qual sou militante. O CDS não pode ser autista, fingir que o problema das Europeias foi Nuno Melo dizer que era de direita ou que o Vox não era de extrema-direita, ignorando que o resultado vem de encontro ao que têm sido as sondagens dos últimos tempos: sempre a descer. Fingir que o problema foi Nuno Melo e voltar ao mantra do último congresso, ditado por Adolfo Mesquita Nunes, do pragmatismo e das soluções concretas para problemas concretas é repetir a estratégia que conduziu o CDS ao seu estado actual.

É urgente daqui a Outubro não ir deixando cair medidas aqui e ali, sobre os temas que parecem mais “quentes”. É preciso apresentar uma ideia para o país e para os seus problemas. Não basta dizer que somos alternativa e depois apresentar ideias soltas. É preciso deixar claro para onde queremos caminhar.

E isso devia ser fácil, porque o CDS tem uma doutrina clara: 

- A defesa da dignidade humana de onde decorre a defesa da Vida em todas as circunstâncias, da Democracia, das liberdade individuais, a defesa da família enquanto célula base da sociedade, a rejeição de engenharias sociais promovidas pelo Estado. 
- Uma economia que respeita as liberdades individuais, sem medo da iniciativa privada, mas que tenha por fim o desenvolvimento social e não apenas o lucro. 

- Um Estado forte no combate à corrupção, ao nepotismo e à economia de compadrio que minam a nossa sociedade. Um Estado eficiente, desburocratizado, pensado do poder local para o poder central, aproximando os centros de decisão das pessoas.

- Um país aberto ao mundo, mas sem nunca esquecer a sua história e a sua cultura, sem nunca esquecer a sua ligação histórica centenária aos países lusófonos. Um país aberto, mas que não negoceia a sua história e a sua cultura em nome de um falso multiculturalismo.

A capacidade de um político mede-se pela sua capacidade aplicar as ideias em que acredita à realidade. O verdadeiro pragmatismo não é esquecer a doutrina em favor das circunstâncias, mas sim aplicar essa doutrina à realidade concreta.

Se o CDS quer crescer, não apenas nas próximas eleições, mas crescer no futuro, tem que começar já a propor com clareza aquilo que defende para o país. Parafraseando o professor Adriano Moreira, é tempo de plantar macieiras.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

As obras sem fé, a Fé e as obras - Encontro com as Equipas de Jovens de Nossa Senhora

Texto da minha intervenção no encontro com as Equipas de Jovens de Nossa Senhora sobre os cristãos no mundo. Aproveito para agradecer o convite.




Boa noite a todos. O meu nome é Zé Maria Seabra Duque, sou casado e pai de três filhos. Esta informação, que parece apenas um cliché de apresentação, é de facto o maior serviço que prestei a Portugal e à Europa até agora. Num tempo onde estamos tão ocupados a discutir o futuro da Igreja na Europa, esquecemo-nos tantas vezes que a maior ameaça que enfrentamos é os cristãos não terem filhos.
Profissionalmente devo fazer uma pequena correcção ao meu título: de facto não sou um ilustre advogado, como a minha colega oradora, sou apenas um pobre e mísero jurista.
Dito isto, e ainda antes de abordar o tema que me foi dado, gostaria ainda de dizer que é com muita alegria que neste preciso dia venho a esta Igreja.
Digo neste dia, porque faz hoje precisamente um ano que a eutanásia foi chumbada no Parlamento. Foi um belo dia, fruto do trabalho e do empenho de muita gente, por todo o país, muitos deles católicos (a começar nos bispos!).
E digo esta Igreja, porque esta é a Igreja da minha infância e princípio de juventude. Aqui fiz a catequese, aqui fui escuteiro e sobretudo aqui fui investido acólito. Os acólitos foram para mim uma grande escola: aprendi a amar mais os sacramentos e a liturgia. Mas sobretudo aprendi que não há maior glória do que servir a Deus. E que no serviço a Deus não há nada que esteja abaixo da nossa condição: qualquer que seja a tarefa é sempre um honra imerecida, nem que seja apenas segurar numa vela! Foi também nesta Igreja que me crismei: aqui, diante do Senhor Dom Tomás, que Deus tem na Sua Glória, proclamei que a Fé que recebi de meus pais tomava como coisa minha.
Por isso é sempre com comoção que aqui volto.

Sobre o tema vou dividir a minha intervenção em duas partes:
I.              As obras sem fé
II.            A fé e as obras.

I. As obras sem fé.
A primeira coisa que vos queria dizer é que a Europa é uma invenção do cristianismo.
A Europa não é um continente geográfico, de facto faz parte da eurásia. A fronteira dos Urais, ou do Bósforo, é cultural e civilizacional, não cientifica.
O que separa a Ásia e a Europa é o cristianismo.
O mundo grego e romano, que são duas das grandes influências da Europa, eram centradas no mediterrâneo. O leste e norte da Europa não estavam nesse mundo, ao contrário do próximo oriente ou do norte de África.
A Europa como a conhecemos hoje, do cabo de São Vicente aos Urais, do Mar do Norte ao Mediterrâneo a cultura que têm em comum é o cristianismo.
A Europa nasce da expansão do cristianismo na Idade Média.
É o tempo das catedrais, das cidades, da universidade, das feiras. É o tempo de Bernardo de Claraval, Francisco de Assis e Tomás de Aquino. É o tempo de Dante e de Giotto. É o tempo da razão, que, certa do desígnio de Deus sobre o mundo, procura incessantemente compreendê-lo.
A Idade Média é uma sociedade profundamente cristã. O poder da Igreja não era temporal (embora em alguns casos também o fosse) mas era um poder espiritual. E a Igreja lutou sempre pela sua independência do poder (e lutou literalmente, travou guerras pela sua independência do Imperador e dos reis). As obras da Idade Média não são fruto do poder, mas verdadeiramente da fé.
A Idade Moderna (fim do séc. XVI) assiste porém ao fim desta ordem. O reforço do poder real exigiu também um domínio do poder temporal sobre a Igreja, um garante da unidade nacional. A Fé passou a ser uma forma de afirmação política. Isso iria verificar-se com a reforma protestante, com todas as guerras que se lhe seguiram, até se chegar a formular que “em cada reino a religião do seu rei”.
Esta mudança de uma cultura cristã para um poder cristão, do cristianismo como acontecimento para o cristianismo como ideologia política, terá consequências dramáticas. Uma Igreja cada vez menos preocupada com a fé e mais preocupada com o poder. É o gérmen de uma mentalidade na qual a fé é reduzida a uma piedade, útil para o domínio mas sem relação com a realidade.
Ao mesmo tempo há uma cultura que começa a nascer, onde a razão se separa da fé. Uma razão que pretende ser o único critério para o conhecimento.
Esta mentalidade irá resultar no Iluminismo, um pensamento que rejeita qualquer relação da razão com a Fé. Isto tem um efeito dramático: é que se trata de uma razão amputada e diminuída. Porque se a razão elimina a Fé, elimina uma parte da realidade.
Por isso, quando chegamos à Revolução Francesa, que marca a entrada na chamada Idade Contemporânea, temos estas duas circunstâncias:
- Uma cultura onde a razão está amputada da fé;
- Uma organização social baseada nos valores cristãos como factor de regulação social, mas sem fé.
Evidentemente, nada disto é linear: acabei de resumir 1500 anos de história em três penadas. A Idade Média teve a sua quota parte de misérias e a Idade Moderna teve a sua quota parte de glória. O Concílio de Trento, o principio dos Jesuítas, muitos santos e santas. Contudo resumindo e simplificando, o resultado é este: as obras cristãs sem a fé.
A Revolução Francesa é fruto desta nova mentalidade, da razão que se considera o único critério para explicar a realidade.
Por isso, quando estala, revolta-se contra trono e o altar. Contra aquilo que considera impedir a liberdade do povo. Evidentemente esta mentalidade ideológica, fruto de um desejo justo de liberdade e de igualdade, resulta numa tirania trágica, com milhões de mortos (no Terror, nas guerras revolucionárias, na Vendeia, nas Guerras Napoleónicas).
A revolução acabará derrotada. Primeiro quando Napoleão assume o poder Imperial, mas sobretudo com a restauração de Luís XVIII. Contudo, se a revolução acaba derrotada enquanto projecto político, a sua mentalidade triunfa por toda a Europa.
Começa a triunfar esta cultura de uma razão todo-poderosa contra a superstição. E a verdade é a que resposta da Igreja foi, em grande parte, procurar manter as estruturas de poder, e não renovar a fé. Em Portugal, a Igreja foi reduzida a pouco mais de que um departamento do Estado, com os padre a serem nomeados pelo governo como qualquer outro funcionário público. Lembro que no séc. XIX boa parte dos bispos portugueses eram maçons!
É da Revolução Francesa que nascem as ideologias que hão de gerar a cultura moderna: o marxismo, que é a negação de Deus e do individuo em detrimento do Povo, o liberalismo, que é a negação do dignidade humana em detrimento do lucro e o nacionalismo, que é a negação da dignidade humana em favor da Nação.
Os últimos 200 anos têm sido marcados pelo recuo da cultura cristã. Até chegarmos ao Maio de 68, onde os filhos da burguesia se revoltam contra qualquer autoridade, contra qualquer moral. É o triunfo do homem “livre”, que no seu desejo de liberdade quebra todas as barreiras: com Deus, com a natureza, com a realidade.
A mentalidade actual é do homem que se basta a si próprio, que se define a si próprio. Por isso lhe é insuportável a Igreja. É-lhe insuportável que haja no mundo quem lhe lembre que não se basta a si mesmo. Que é criatura dependente do seu criador. Esta ideia é absolutamente insuportável à mentalidade moderna.
Mas a resposta não pode ser simplesmente a defesa dos valores cristãos. Não é seguramente a imposição ideológica de uma sociedade cristã de bons costumes. Porque essa sociedade, porque esses valores, sem a Fé, são verdadeiros e justos, mas não têm raízes.
Olhemos para Notre Dame como exemplo. Veio o fogo e consumiu parte da catedral. Mas o que foi realmente consumido? Os acrescentos feitos no tempo após a revolução, quando Notre Dame era um símbolo nacional e histórico. O que ficou de pé? As fundações de pedra, construídas pela fé do povo de Paris.
As obras sem Fé são secas. Caem perante a primeira ideologia que faz sobressaltar o coração. Se dizes a alguém “dois homens casarem é pecado” e outro diz “o amor não olha a géneros”, tu tens razão, tu dizes a coisa justa, mas o outro soa melhor, é mais atractivo!

II. A Fé e as obras.
Na sua primeira enciclica, Deus é amor, dizia Bento XVI: Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo.
A Fé é o encontro com Cristo, hoje como há dois mil anos.
Pensemos em João e André, na margem do lago, a ouvir João Baptista. Ao fundo passa um homem. João Baptista para e diz "Eis o Cordeiro de Deus". A multidão não liga, está habituado às excentricidades do profeta. Mas João e André vão atrás dele. A um certo ponto o homem vira-se e pergunta "Que quereis?". Eles respondem "Mestre onde moras?", "Vinde e vede".
João narra este encontro décadas depois do acontecimento. E contudo aquele momento continua a ser o momento decisivo da sua longa vida.
A Fé é este encontro com Jesus. Presente hoje na Igreja. O encontro com uma humanidade extraordinária, uma humanidade diferente, uma humanidade mais plena, mais autêntica. Um encontro que, como dizia Bento XVI, não tira nada, mas dá tudo.
Um encontro com a Presença que corresponde plenamente ao desejo de beleza, de justiça, de felicidade do nosso coração. O convite hoje, tal como há dois mil anos, é o mesmo: vinde e vede. Vinde e verificai.
Onde encontramos hoje a Presença de Cristo? Naqueles que o seguem. A promessa de Cristo, onde dois ou três estiverem eu estarei no meio deles, não é vã. Está viva na Igreja, hoje.
Diante deste encontro, diante desta presença, só há duas possibilidades: sim ou não. Se for sim, então é impossível que o encontro com Cristo não mude a nossa vida. Se encontramos aquele que é a Verdadeira Beleza, então queremos levar essa Beleza ao Mundo. Se encontramos aquele que é Verdadeira Justiça, então queremos levar essa justiça ao mundo. Se encontramos aquele que é a Verdadeira Caridade, então queremos levar essa caridade ao mundo.
As obras são o fruto natural da Fé. São o fruto natural do encontro com Cristo.
A Fé é o critério com que olhamos o mundo, com que ajuizamos a realidade.
Perguntam se o mundo precisa dos cristãos? Mais do que nunca, porque mais do que nunca precisa de Cristo. Porque vivemos num tempo onde a humanidade está de tal modo amesquinhada que reduziu o seu desejo à procura de sensações. Foge de qualquer incómodo, tenta preencher o vazio com todo o lixo que encontra. Por isso Cristo, o único capaz de responder verdadeiramente ao coração do homem, é urgente.
Por isso é urgente que os cristãos se empenhem no mundo. Que estejam na sociedade, na economia, na educação, na política. Não com um plano ideológico ou doutrinário, mas com o desejo de testemunharem aquilo que vivem.
Só isto permite estar de maneira verdadeiramente livre e orignal na política.
Eu há uns anos decidi empenhar-me na política. Quando tomei essa decisão fui falar com o Padre João Seabra, meu tio e director espiritual. Ele disse-me várias coisas, mas o mais importante foi isto: nunca te esqueças que és cidadão do céu e concidadão dos santos.
Isto foi essencial para me fazer perceber que a minha missão na política não é o triunfo da ordem cristã sobre a barbárie actual, mas sim testemunhar Cristo.
E isto faz-se, não com um discurso, não com reduzir a participação política aos temas "católicos", mas estando seriamente empenhado na política, com seriedade, fazendo política para o que ela realmente serve: não um projecto de poder, mas servir o bem comum. Um gestor católico o que faz? Gere. E um professor católico? Ensina. Então o que faz um político católico? Política. A diferença não é de discurso, mas de posição diante da tarefa que lhe é confiada.
Dou-vos um exemplo prático. Na semana passada deu muito que falar o ministro do interior italiano, que apareceu de terço na mão a consagrar-se ao Imaculado Coração de Maria, no mesmo comício em que declarava que nem mais um migrante entraria em Itália. Eu não vou aqui discutir política migratória seguramente, mas pode alguém para defender o Cristianismo desprezar aqueles que estão em perigo? Que cristianismo é este que não se sobressalta diante do grito do pobre, do oprimido? Mais uma vez digo, não quero discutir as migrações, é um problema complexo, com respostas complexas, do qual Itália tem sido vítima. Mas a questão é: pode alguém seguir a Cristo e ao mesmo tempo desprezar o próximo? Salvini evidentemente defende muitas coisas boas. E é bom que ele queira  defender o cristianismo. Mas a verdade é que o cristianismo também pode ser reduzido a um projecto de poder igual a qualquer outro, tão tirânico como qualquer outro.
O desafio é por isso estar na política (como na educação, ou na economia, ou na saúde) não para afirmar uma doutrina, mas para testemunhar um facto. Por isso lutamos contra o aborto, a eutanásia ou a ideologia de género: não para contrapôr um sistema melhor, mas porque o encontro com Cristo dá-nos a certeza de que toda a vida é amada e desejada por Deus.
O grande desafio do nosso tempo é conseguir comunicar este facto ao mundo. A um mundo que fala uma linguagem diferente, que é fruto de uma mentalidade diferente. O desafio dos cristãos na vida pública hoje é conseguir comunicar a experiência de Cristo.

E isto só é possível de uma maneira, se nos deixarmos de tal modo modificar por Cristo que ao olhar para nós o outro veja uma humanidade diferente, uma humanidade mais plena, uma humanidade que vale a pena conhecer.