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terça-feira, 12 de março de 2024

O Inverno (e a Primavera, o Verão e o Outono) do nosso descontentamento



Olhando para as reacões às eleições de Domingo parece-me que o centro-direita não percebeu o que aconteceu. Continuo a ver a AD a afirmar que ganhou as eleições, quando a verdade é que o máximo que pode afirmar é que não perdeu. Neste momento tem apenas mais 2 deputados que o PS (sendo que, embora seja pouco provável, ainda pode empatar, ou até ficar com menos) e menos deputados do que a esquerda unida. A verdade é que a AD teve um dos piores resultados de sempre do centro-direita, pouco acima de há dois anos e que precisa que ou o PS ou Chega no mínimo se abstenham para aprovar qualquer coisa no Parlamento. Seja isto o que for, não é uma vitória.

Mas, ao contrário do que tinha acontecido até agora quando o centro-direita tinha um mau resultado, a verdade é que o PS tem um resultado ainda pior. Perde mais de 40 deputados e mais de 500 mil votos. O país mostrou muito claramente que está farto do PS e que não o quer no poder, nem sequer em conjunto com a esquerda.

Mas quem derrotou o PS não foi a AD, que repete mais ou menos o resultado de há dois anos quando o PS teve maioria absoluta. Quem derrotou a o PS foi o Chega. Com mais de um milhão de votos e quase cinquenta deputados, confirma-se não apenas como o terceiro partido, como se torna também no terceiro partido com maior grupo parlamentar na democracia portuguesa. Ignorar que os portugueses quiseram tirar o PS do poder e que expressaram esse desejo sobretudo através do voto no Chega é um erro que podemos vir a pagar caro.

Estas eleições vieram por a nu algo que já era evidente há anos, mas que o refúgio da abstenção sempre permitiu disfarçar. Hoje há um total divórcio entre a política e todos os seus protagonistas (partidos, políticos, comentadores, etc) com a sociedade. As eleições, que nenhum dos dois grande partidos ganhou, e que viram crescer o partido que se afirma como anti-sistema deixaram claro que boa parte do povo não tem qualquer interesse nesta elite.

A elite política vive hoje cada vez mais em circuito fechado. Transitam directamente das juventudes partidárias para uma qualquer avença e daí para o Parlamento ou um espaço de comentário. Vivem fechado no seu círculo, alimentados pela bolha do Twitter, perdidos em tricas que não interessam a ninguém a não ser aos que vivem nessa bolha. Debitam discursos redondo sobre os temas que os comentadores (que vivem na mesma bolha) garantem ser essenciais, mas que nada dizem à população. Pregam com ar douto, sempre com a pretensão de ensinar ao povo sobre o que se deve preocupar, como deve vota, quais as grandes causas civilizacionais. Sobretudo ignoram totalmente o dia-a-dia dos portugueses,  tratando com desprezo qualquer preocupação que vá contra a sua narrativa.

Do outro lado vivem os eleitores, com trabalhos que no topo da carreira pagam o mesmo que ganha um qualquer assessor de 20 anos, que andam de transportes públicos, que tem os filhos na escola do Estado, que tem de utilizar o SNS. Os eleitores que vivem em casas cada vez mais caras, que vêm os filhos a viver pior que a sua geração, sem qualquer esperança de conseguir melhorar a sua qualidade de vida.

Do outro lado estão também as associações da sociedade civil, sem qualquer ligação partidária, que fazem trabalho político, trabalho cultural, trabalho social, sem qualquer apoio ou sequer consideração da parte do poder.

É evidente que num país cada vez mais envelhecido, mais pobre, com serviços públicos mais degradados, sem opções profissionais, e em que os políticos vivem fechados sobre si mesmos, o descontentamento só podia aumentar. E isto era evidente nos últimos anos, com o aumento constante da abstenção. Não é agora que as pessoas não confiam nos políticos, é há anos. A grande diferença é que nesta eleição houve um partido que soube manipular esses descontentamento.

Não tenho dúvida que Chega não é solução. A única coisa que sabe fazer é amplificar os problemas da população sem propor qualquer solução exequível para eles. Estou convencido que a melhor forma de esvaziar o Chega seria dar-lhes responsabilidades no Governo. No instante em que tivessem que resolver qualquer problema, ficaria claro a sua inutilidade. Mas o facto de o Chega não ser solução, não significa que os problemas de que fala não existam. Menorizar as pessoas que votam no Chega trata-la como tontas, como analfabetas, com paternalismo, é meio caminho andando para continuar a dar mais força a Ventura. O Chega não é a causa da crise do sistema, é a consequência.

Se o PSD quer realmente voltar a ser um grande partido tem que começar por tirar a cabeça da areia. Tem de levar a sério esta separação entre o seu partido e a população. Tem de ir conhecer os problemas reais dos portugueses e propor caminhos claros para os resolver. Sobretudo tem que romper a bolha em que vivem os políticos. Uma bolha de impunidade, onde carreiras se constroem apenas com base em apoiar os candidatos certos, onde centenas de pessoas vivem de avenças ou contratos públicos, onde para se ter sucesso nos negócios não é necessário qualquer jeito, apenas os contactos certos.

Tem de abandonar a agenda ideológica dos comentadores e dos lobbys, e ouvir aqueles que durante décadas foram o seu eleitorado. Ligar menos à estrutura partidária e mais à sociedade civil. Tem de deixar cair barões e caciques, com cadastros dúbios. Tem de estar juntos das populações, não apenas nas eleições, mas todo o ano.  Tem de saber ser um partido popular, sem ser populista.

Sobretudo, tem de ter um rumo claro, uma ideia para o país, um conjunto de ideias que defende. As pessoas tem de olhar para o PSD e saber para onde quer ir e como tenciona lá chegar. Como vai reformar a justiça para que esta seja célere e igual para ricos e pobres? Como vai reforma o ensino para que as famílias possam educar em liberdade os seus filhos? Como vai reformar a saúde para todos tenham acesso a ela? Como vai reformar o Estado para que este seja eficiente? Que visão tem para a habitação, os transportes, a economia? Veja-se quão ridículo perder o tempo a discutir o TGV quando há um país inteiro que nem uma camioneta tem para ir de casa para o trabalho!

Portugal atravessa uma clara fase de descontentamento geral. Hoje há uma total falta de fé na política e as pessoas não têm qualquer esperança de que a situação vá melhorar, seja o governo PS ou PSD. Se o cenro-direito quer esvaziar o populismo só tem um caminho: tirar a cabeça da areia, romper a bolha que hoje envolve os partidos, e fazer política no verdadeiro sentido do termo: servir a coisa pública.

segunda-feira, 11 de março de 2024

Algumas notas sobre as eleições


1.Luís Montenegro fez um boa campanha, com uma estratégia corajosa, apostando tudo no “não é não” ao Chega. Partiu em desvantagem, com as sondagens todas a dar vantagem ao PS. Ganhou as eleições, mas não tem condições para governar. A estratégia foi clara e não resultou.
2.Quem derrotou o PS foi o Chega. A AD ganhou apenas 200 mil votos relativamente a 2022, o Chega pode quadruplicar o seu grupo eleitoral. Para mim a fragilidade da estratégia do “não é não” é que quem traça linhas vermelhas são os eleitores e os eleitores claramente não traçaram nenhuma em relação ao Chega.
3.O Chega é o grande vencedor da noite. Podem ficar todos chocados, acusar os eleitores disto e daquilo, que em nada muda o facto de mais de um milhão de portugueses ter votado no Chega. Este resultado é a prova da separação entre os partidos, a comunicações social, os comentadores e o povo. Enquanto o PSD não perceber que tem de falar para as pessoas e não para os comentadores, o Chega irá continuar a crescer.
4.O PS tem uma grande derrota. Nem o facto de ficar quase empatado com a AD altera esse facto. Os socialistas tinha uma maioria absoluta e agora não chegam aos 80 deputados. Usar a incapacidade da AD de explorar esta frustração para maquilhar a derrota do PS é ridículo.
5.A IL prova mais uma vez a sua inutilidade. Tem uns ditos giros, manda umas larachas engraçadas, mas só serve para encurtar a derrota do PS. Passou a campanha toda indecisa entre namorar a AD e ataca-la, para depois ficar com os mesmo deputados e não ter força para garantir qualquer solução governativa. A soberba da IL não convence e cheira-me que a queda não está longe.
6.À esquerda o BE não é capaz de aproveitar o desabamento do PS, o PC continua a extinguir-se, só o Livre cresce. O país, mesmo à esquerda, está farto da hipocrisia do BE e mostrou que prefere o tom sensato de Rui Tavares. Nas propostas não serão muito diferentes, mas na forma o crescimento do Livre à custa do BE é boa notícia.
7.É muito provável que o resultado do ADN se deva à parecença das siglas, mas não se despreze o apoio da comunidade brasileira evangélica a este partido. O Bruno Fialho tem uma estratégia e apesar da coincidência das siglas ter ajudado seguramente, não me parece que seja de desprezar o resultado. Sobretudo, não se despreze o que pode fazer agora com subvenção pública.
8. O PAN é como os parasitas, custa a morrer. Ainda não foi desta que nos livramos deles. Mas reparo que começa a ficar claro o extremismo à esquerda, quando ouvimos a histeria sobre o regresso do CDS, que o PAN apelida de extrema-direita, ao Parlamento.
9.O CDS volta ao Parlamento e isso é uma boa notícia. Mas, passadas as eleições, não posso deixar de dizer que neste momento somos os Verdes do PSD. O regresso a São Bento devemos ao PSD mais do que ao nosso trabalho. É por isso urgente não desperdiçar esta oportunidade de mostrar a utilidade do CDS, como partido da Direita Social, firme na defesa da nossa doutrina. De outra forma ficaremos para sempre diluídos no PSD.
10.O país está ingovernável. Oitenta deputados, o máximo que a AD pode alcançar, não é suficiente para governar. Admiro Montenegro pela coragem que demonstrou na campanha, mas devia ter-se demitido. Apostou corajosamente, falhou, saia com honra. Temo que a confusão dos próximos meses venha a conduzir-nos a uma maioria de esquerda no parlamento. Aí vamos ter saudades de Costa.
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sexta-feira, 8 de março de 2024

Vencido, mas não convencido, vou votar na AD

 


Votar é um acto de puro realismo. Raramente temos a oportunidade de votar em quem realmente queremos, ou mesmo em candidatos que gostemos. Em toda a minha vida de eleitor, lembro-me de ter votado convencido em 2 ou 3 eleições.

Quando vamos votar escolhemos entre os candidatos que existem aquele ou aqueles que nos parecem ser mais capazes de servir o bem comum. Infelizmente, no Domingo essa tarefa não é fácil.

Para mim é evidente que o voto à esquerda, em projetos baseado numa visão coletivista da sociedade, que são contrários à família e a uma sociedade civil forte, que impõem engenharias sociais, que atacam o direito à vida de forma cada vez mais agressiva, está fora de questão.

Também o individualismo egoísta da IL, que confunde egoísmo com liberdade, que ao mesmo tempo que grita contra o Estado, acha que este deve impor a sua visão cultural da sociedade, que endeusa o mercado, esquecendo aqueles que não têm condições ou capacidade de ser valer por si próprios, está para mim fora de questão.

No Chega também não voto. Antes de mais não entrego o meu voto a quem, num ataque à Liberdade da Igreja inaudito desde a Iª República, chama ao Parlamento o Patriarca de Lisboa e o Presidente da CEP. Só isto chegaria para não votar nesse partido. Mas para além disso, embora reconheça que no seu programa há uns pozinhos de causas boas, vem tudo misturado, à imagem do próprio partido, que quer agradar a todos os descontentes do sistema, mesmo que para isso tenha de defender tudo e o seu contrário. Para além disso, para mim em política a forma conta. Nunca gostei do populismo ordinário do Bloco, não passei a gostar só porque agora é praticado à direita.

Sobra a AD. O que até deveria ser um voto fácil. Tem alguns candidatos de qualidade, como o Paulo Núncio, a Isabel Galriça Neto ou o Alexandre Homem Cristo. Mas tem um programa que desanima qualquer pessoa. Um conjunto de banalidades, sem qualquer ideia política ou cultural de fundo para o país. O PSD continua a querer ser a governanta do país, que mantém a casa arrumada. Por isso só governa quando o PS deixa a casa desarrumada. Não duvidemos que se o candidato do PS fosse da ala de António Costa, com um discurso e um percurso ao centro, os números das sondagens seriam outros.

Mas tudo somado, voto na AD. Porque a realidade é aquela que é, e neste momento é urgente tirar a esquerda do poder, e a única forma de isso acontecer é a vitória da AD. E é preciso estabilidade, e a única forma de isso acontecer é que a AD tenha força. Sobretudo, porque fazem falta bons deputados ao país, e fazem falta católicos empenhados na política, e o meu voto será um voto em Paulo Núncio e em Isabel Galriça Neto (que se tudo correr bem, também poderá ser eleita). Por isso, vencido pela realidade, mas não convencido pela timidez do programa, irei votar sem dúvida ou sobressalto na AD.

terça-feira, 5 de março de 2024

Um boa razão para votar na AD


 Vi a Iniciativa Liberal comparar candidatos da AD com os seus. Em Lisboa, faz a comparação entre Bernardo Blanco e o Paulo Núncio. Ora, Blanco é um jovem sem qualquer actividade conhecida que não seja mandar bocas no twittter e dois anos como deputado, onde a sua coroa de glória foi levar um YouTuber para insultar o Governo na tribuna do Parlamento.

Já Paulo Núncio é um dos fiscalistas de maior sucesso em Portugal, que abandonou um dos maiores escritórios de advogados do país para se candidatar ao Parlamento. Já antes tinha feito o mesmo para ser Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, onde promoveu uma extraordinária reforma do IRS, num tempo de especial dificuldade para o país. Antes disso, tinha estado empenhado durante anos em várias causas políticas, incluindo a defesa da Vida.

Paulo Núncio é um caso raro na política nacional. Não subiu através das juventudes partidárias, tem toda uma vida fora da política e vai para o Parlamento (como aliás foi para o Governo) perder dinheiro e tempo. Ele não precisa para nada da política, ao contrário de tantos (incluindo Bernardo Blanco) para quem a política é a única forma de sustento conhecida.  

Sei bem porque razão a IL escolheu Paulo Núncio para alvo, porque ele teve coragem de dizer aquilo em que acredita. Porque é assim que a IL faz política, ridicularizando quem deles discorda. E sabemos bem que hoje ser contra o aborto tornou-se crime público; e, para liberais em toda a linha, quem discorda deles é para ser automaticamente cancelado.

Mas fico agradecido por este momento da IL, porque me recorda bem porque vou votar na AD. Porque apesar de todos os seus defeitos, tem pessoas como Paulo Núncio. Pessoas que largam uma vida confortável para servir o país, com coragem para defender aquilo em que acreditam, mesmo quando não é trending no Twiiter, com provas dadas na vida profissional e política. Quanto à IL, fica claro o que é: um partido de cassete como o Partido Comunista, mas com uma comunicação mais actual.

segunda-feira, 4 de março de 2024

A falsa narrativa da Esquerda e a cobardia da Direita.


 

1. A Federação Portuguesa pela Vida (FPPV) produziu o manifesto O Valor do Outro que procura ser um contributo sobre a política actual. No âmbito da promoção do manifesto organizou duas sessões públicas (ambas disponíveis no canal da FPPV no YouTube): uma com o Prof. César das Neves e a Prof. Patrícia Fernandes e um encontro para o qual convidou todos os partidos com assento parlamentar.

Antes de falar sobre o encontro com os partidos faço só uma pequena introdução sobre o trabalho da FPPV. Só desde 2015 esta associação apresentou a Iniciativa de Cidadãos pelo Direito a Nascer, que reunião mais de 48 mil assinaturas e foi aprovada no Parlamento. Produziu a petição Toda a Vida tem Dignidade que recolheu 16 mil assinaturas. Fez uma extraordinária campanha contra a eutanásia, onde se destaca a Iniciativa Popular de Referendo que recolheu 95 mil assinaturas. Para além disso tem realizado anualmente a Caminhada pela Vida que este ano acontecerá em 13 cidades do país e que todos os anos traz à rua mais de 10 mil pessoas. Isto são apenas os eventos maiores, já que também organizou dezenas de conferências, coordenou várias campanhas de comunicação e mantém uma presença activa na política. Tudo isto baseado quase exclusivamente em trabalho voluntário, sem qualquer financiamento público (ao contrário das associações que tantas vezes nos opõem), numa história que conta já com mais de vinte anos. Ou seja, a FPPV é uma caso ímpar de política cívica, nascida e sustentada pelo empenho da sociedade civil.

Seria de esperar que os partidos, mesmo o que de nós discordam, tivessem respeito por todo este trabalho cívico. Dos partidos convidados, só três reponderam. O Partido Socialista, dos seus 230 candidatos à Assembleia da República, não encontrou nenhum com disponibilidade para conversar connosco. A Aliança Democrática enviou o Paulo Núncio (e convém aqui sublinhar que foi a AD que escolheu o seu representante) e o Chega Pedro enviou Pedro Frazão.

2.  Durante o encontro foram feitas várias perguntas aos dois candidatos a deputados, sobre os vários temas do manifesto O Valor do Outro. O papel de moderador foi assegurado por mim, que tentei não condicionar nenhuma resposta, confiando na capacidade de quem assistia em ajuizar sobre as repostas que ouvia.

É verdade que Paulo Núncio afirmou ali estar como representante da AD, mas também é verdade que várias vezes explicou qual era a sua opinião pessoal, qual era a posição do CDS e qual era a posição do PSD, deixando claro que, depois das eleições haverá dois grupos parlamentares, com visões diferentes sobre estes temas. Respostas esta que levaram até a ser contestado por algumas das pessoas que assistiam ao encontro.

Em momento algum Paulo Núncio propôs um novo referendo sobre o aborto ou afirmou qualquer intenção de a AD o fazer. Aquilo que disse, e que pode ser ouvido, é que a única forma de reverter a actual lei, que foi aprovado por referendo, é com um novo referendo.

3.  A tentativa de usar as declarações de Paulo Núncio como um anúncio de uma qualquer intenção escondida da AD são absurdas e abusivas, e tratam-se da especialidade da esquerda (a mesma que ignora os cidadãos que os convidam para conversar) de inventar uma narrativa que lhes favoreça.

Infelizmente, e de forma cobarde, ninguém à direita teve coragem para denunciar a falsidade desta narrativa. A AD preferiu simplesmente deixar cair um homem corajoso que afirma aquilo em que acredita, com medo de enfrentar a esquerda, deixando-se assim mais uma vez condicionar pela narrativa cultural da esquerda, erro que continua a pagar caro. É esta razão que leva a que a direita só governe em crise: a ausência de coragem em defender qualquer posição que vá para além da economia.

4. Não é verdade que tenha sido Paulo Núncio, ou sequer a FPPV, a introduzir o tema do aborto na campanha eleitoral. Ele está presente no programa do Livre, do Bloco e do PS. Estes partidos defendem antes de mais o alargamento dos prazos do aborto legal, desrespeitando assim o referendo que legalizou o aborto. Talvez ainda mais grave, propõem “regular” a objecção de consciência, um direito fundamental, que a esquerda quer condicionar.

A esquerda continua afirmar que o aborto é um direito, o que é falso. O aborto é um crime previsto no Código Penal (e nenhuma partido veio defender que assim o deixe de ser), que admite (infelizmente) excepções. Quem defende que o aborto é um direito, defende que um acto seja, ao mesmo tempo, um direito fundamental e um crime. Se for às nove semanas, ninguém pode contestar, se for às 11 (ou às 13, ou às 16 conforme os projetos de cada partido) é um crime que deve ser punido. Um absurdo só possível pelo facto de a lógica ser hoje um velharia substituída pelas sensações.

5.  Infelizmente e de forma cobarde, a direita embarcou na narrativa da esquerda e recusou denunciar a sua narrativa, assim como o ataque ao direito dos médicos a não ser prejudicados por questões de consciência. Preferiram todos fingir ser grave Paulo Núncio vir falar com uma associação cívica com um trabalho político único, fingir que ele tinha proposto o que não tinha e ignorar as propostas da esquerda sobre o tema. Não perceberam que mais uma vez alinharam numa tentativa de silenciar uma parte da população, cívica e politicamente activa, que neste momento não se sente representada em qualquer partido.

6.  Toda esta polémica teve duas grandes vantagens. Primeiro, trazer à luz as propostas que a esquerda tem sobre o aborto. Ao contrário do que é habitual, desta vez ninguém pode dizer que não sabia ao que eles vinham. Infelizmente, o debate neste campo foi ganho por falta de comparência.

A segunda grande vantagem foi que deixou claro que hoje a narrativa é de tal forma dominada pela esquerda, que é impossível falar em defesa da vida por nascer. Em nome da ideologia, ignora-se a realidade biológica, para que todos fiquem de consciência tranquila.

Só pode afirmar que o aborto é um tema pacificada quem desconhece totalmente os dramas do terreno. A FPPV, através das suas associadas no terreno que anualmente apoiam centenas de mulheres, sabe bem como o aborto hoje é usado como coacção por companheiros e patrões, como a maior causa do aborto é a pobreza, a ausência total de respostas do Estado para as grávidas em dificuldade, a ausência de respostas sociais para as mulheres que não querem abortar. Só para quem vive na Torre de Marfim da política e vê a realidade através da bolha das redes sociais ou dos comentadores, é que pode afirmar que a questão do aborto está pacificada.

7.  Por isso é mais urgente que nunca dar testemunho da beleza e da dignidade de cada Vida. O aborto já não é uma batalha política, é uma batalha cultural. Pela reafirmação do valor da vida por nascer, pela proteção da maternidade, pela liberdade de afirmar a ciência em detrimento da ideologia. É isso que o movimento pró-vida tem feito em Portugal nas últimas década, é isso que iremos continuar a fazer, apesar das falsas narrativas da esquerda e da cobardia da direita.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Felizmente Houve Bom Senso.

 


Prevaleceu o bom senso. Paulo Núncio tinha tido a ideia de, num encontro sobre a defesa da vida, respondendo a uma pergunta (por acaso feita por mim) sobre o aborto, dizer que a lei actual só pode ser revertida por um referendo. Pior, teve a ideia peregrina de dizer que o aborto é uma coisa má e que deve ser limitado.

Mas felizmente o bom senso prevaleceu. Nuno Melo já veio dizer que o CDS não mudou de posição, mas nesta legislatura não se pensava em referendo (nem o Paulo Núncio disse tal coisa). Montenegro foi mais longe e prometeu que não mudaria a lei. Rui Rocha rapidamente veio assegurar que o aborto é um progresso. Ventura, não querendo ficar atrás, lá veio fazer juras de que nesta lei do aborto ninguém toca. E assim, juntamente com um balde de tinta verde, o assunto morreu.

Prevaleceu o bom senso e ninguém permitiu que a campanha ficasse refém de assuntos menores, como a dignidade da Vida Humana, as grávidas abandonadas ou a subida da taxa de aborto (1 em cada 5 gravidezes termina em aborto), e podemos continuar a discutir o que realmente importa como linhas vermelhas, cortes nos impostos ou qualquer que seja o assunto que os comentadores declaram essencial.

E como prevaleceu o bom senso, a esquerda irá continuar a discutir o alargamento dos prazos do aborto legal e o fim da objecção de consciência, enquanto a direita se preocupa com o que realmente importa, ganhar lugares em São Bento e garantir o poder que lhe escapa há nove anos.

E assim, cheia de bom senso, os líderes da direita abdicaram de qualquer tentação de liderar o debate público, de defender uma qualquer ideia, e mantêm-se firmes no propósito de continuar apenas a dizer aquilo que acham que lhe dará melhor imprensa.

A mim infelizmente falta bom senso e por isso continuarei, juntamente com os meus amigos da Federação pela Vida, a publicamente defender ideias insensatas, mas verdadeiras, como fazemos no Manifesto O Valor do Outro, que esteve na origem deste pequeno escândalo, de um político de direita dizer sem rodeios aquilo em que acredita.

Por isso, peço que me perdoem a falta de bom senso, e diga com toda a clareza: a vida começa na concepção e o seu valor não depende em nada do seu grau de desenvolvimento; o aborto não é um direito, mas a morte de um bebé e deve ser ilegal; não quero mulheres presas, pelo contrário, quero que nenhuma mulher aborte porque não encontrou quem a apoie; reverter a lei do aborto livre não é um retrocesso, mas um progresso para uma sociedade mais justa.

Fico feliz que o bom senso tenha regressado. A pobreza continuará a ser a maior causa do aborto, os patrões e os companheiros irão continuar a pressionar as mulheres a abortar, o seio da mãe irá continuar a ser o lugar onde um bebé tem menos protecção legal. Mas ao felizmente houve bom senso.


sábado, 10 de fevereiro de 2024

Nos dez anos da morte do meu irmão



Faz hoje dez anos que o morreu o meu irmão Luís. A morte do Luís apanhou-nos de surpresa, mas não foi um choque.

O Luís e eu sempre fomos diferentes, e nem sempre nos demos bem, mas estivemos sempre juntos no essencial. Também por isso partilhámos muitas coisas juntos, não apenas os factos típicos da vida familiar, mas também empenhos e responsabilidades.  Estivemos juntos na luta pela defesa da Vida, fomos ambos responsáveis dos Liceus de Comunhão e Libertação, e demos catequeses (embora nunca juntos) a jovens mais ou menos da mesma idade. Em todas estas realidades mantivemos sempre as nossas diferenças (que de vez em vez descambavam em discussão), mas unidos no essencial.

Quando o Luís ficou doente, uma doença misteriosa, aparentemente mais incomodativa que perigosa, impressionou-me a docilidade com que aceitou a doença. Ele nunca foi pessoa de resmungar ou amargurar com a vida, pelo contrário. Mas mesmo assim, diante de uma doença que muitas vezes o impedia de fazer aquilo que mais amava, a sua resposta foi sempre dócil. Conforme o tempo ia passando viamo-lo crescer em piedade verdadeira, em entrega ao Senhor.

O Luís sempre foi um bom católico, de missa frequente, sempre ao serviço no canto, catequista e educador. Mas nesses meses viamo-lo cada vez mais a viver diante do Mistério de Cristo: na adoração ao Santíssimo, na missa, na oração. O tempo ia passando, e parecia que quanto mais a doença o impedia de fazer aquilo em que sempre se tinha distinguido, mais tranquilo ele vivia. Vivia cada vez mais identificado com Cristo. E isso via-se. Por isso se a sua morte me surpreendeu, não me chocou.

No dia antes seguiu a sua rotina: adorou o Santíssimo na Igreja do Loreto, rezou o terço na Igreja da Encarnação, assistiu à missa e comungou. Foi para casa, despediu-se e acordou no Céu. Surpreendente, mas não chocante. Porque de alguma forma era a conclusão evidente de uma vida tão ardentemente oferecida ao Senhor. De alguém que foi oferecendo tudo a Cristo, até o Seu Senhor o vir buscar.

Neste dez anos tive muitas vezes saudades. E penso muitas vezes nele, sobretudo quando vejo os meus filhos a fazer qualquer coisa que sei que o ia divertir (eles têm mania dos teatros e dos musicais, e não consigo deixar de pensar que produções fariam em conjunto!). Mas a morte do meu irmão nunca me pareceu uma injustiça ou um desperdício. Pelo contrário, sempre foi para mim evidência de que o Senhor cumpre aquilo que promete: “E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também”.

O Luís precedeu no Céu muitos dos que amo e que neste dez anos se foram juntar a ele. E estou certo de que no Céu acolheu cada um deles, como sempre fez aqui na terra. “E cada um que parte, torna-me o Céu mais confortável. Torna-me o Céu mais habitado” (Padre João Seabra, Missa de 7º Dia de sua mãe).