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quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

O diabo chegou e veio para ficar. - Revista Acção Católica Rural, Janeiro 2020



A actual constituição da Assembleia da República não pode deixar de inquietar um católico. O reforço da maioria de esquerda significa o reforço daqueles partidos que, mesmo quando utilizam palavras parecidas com as da Igreja, partem de uma ideologia contrária à visão cristã da sociedade. Para o cristão no centro da política está o Homem, em toda a sua dignidade. Para a esquerda está o Estado ou o Povo. Um cristão não partilha da visão da sociedade dividida em classes, ou numa versão mais de acordo com a esquerda moderna, em grupos identitários. Para um cristão cada pessoa é igual em dignidade. 

Esta visão ideológica, embora produza muitas vezes um discurso em defesa dos mais pobres e mais desprotegidos, acaba por produzir políticas que prejudicam sobretudo estes. Como se pôde ver na última legislatura que acabou com um SNS desfeito, uma escola pública sem recursos e com o número de pobres a aumentar.

Nesta legislatura podemos esperar antes de mais a imposição de mais medidas fracturantes: eutanásia, barrigas de aluguer, aumentos dos prazos do aborto legal. Ou seja, um ataque às pessoas mais frágeis, que irão ficar ainda mais desprotegidas pela nossa legislação.

Mas não é apenas nas medidas fracturantes que podemos esperar o pior. A ideologia estatista desta maioria irá continuar a atacar todas as instituições que, fazendo serviço público, não pertencem ao Estado. Sendo que a maioria destas pertencem à Igreja.

Depois de ter arrasado com as escolas com contrato de associação, obrigando assim crianças com poucos de recursos a percorrer diariamente dezenas de quilómetro para obter ensino de pior qualidade, depois de ter acabado os acordos com as Misericórdias, que permitiam diminuir drasticamente as listas de espera nos Hospitais Públicos, é provável que esta maioria de esquerda vire agora a sua atenção para as IPSS. Onde havia uma instituição que providencia bons cuidados aos mais necessitados da sua zona, passará a haver uma instituição do Estado, sub-orçamentada e com falta de pessoal que não terá capacidade de resposta para os problemas dos mais pobres e indefesos.
E toda esta fúria estatista continuará a ser alimentada pela mais alta carga fiscal de sempre. Sendo que essa carga fiscal, por motivos eleitoralistas, continuará a incidir sobretudo nos impostos indirectos, que afectam sobretudo os mais pobres. A diminuição do IRS pouco ou nada diz a boa parte da população que não paga este imposto. Mas o aumento do imposto sobre o combustível, que se repercute em toda a economia, assim como o aumento de taxas e taxinhas, que leva ao aumento geral dos preços tem um efeito dramático junto das pessoas, sobretudo para aquelas para quem cada euro conta.

Desta nova maioria podemos por isso esperar o pior. Uma política apostada no reforço do peso do Estado na sociedade e da economia, diminuindo assim o espaço de crescimento da sociedade. Teremos mais impostos, mais dívida, serviços públicos cada vez mais incapazes e uma sociedade civil cada vez menos capacitada a responder a estes desafios.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A escuridão de Auschwitz e a luz do Padre Kolbe




Celebramos há dias os 75 anos da libertação de Auschwitz. O mais famoso campo de concentração nazi ergue-se na nossa memória como um monumento aos monstruosos crimes do século XX, sobretudo os crimes cometidos pelos nacionais socialistas contra o povo judeu.

O Holocausto não se mede apenas pelos números. Foi um plano frio e racional de eliminar todo um povo. Não se tratou e um acto de uma turba irada, ou fruto de uma revolução. Foi uma decisão razoável, levada cabo por pessoas comuns, movidas por uma ideologia que ditava que os judeus eram culpados pelos males do mundo. A solução final foi de facto a última solução que os nazis encontraram para resolver o problema judeu: não tendo para onde os deportar só sobrava matá-los. A fria lógica do Holocausto, a maneira metódica, quase científica com que foi executado, torna-o ainda mais assustador. Este crime não foi fruto de loucos ou de sociopatas, foi fruto de corações empedernidos pela ideologia. Uma ameaça que parece estar ressurgir na nossa sociedade.

Mas se é importante não nos esquecermos de todo o mal de que Auschwitz é símbolo, também é importante recordar que no meio de todo aquele mal, quando toda a humanidade parecia embrutecida, animalizada, desfeita, houve pessoas que foram um testemunho de esperança no meio do desespero. Homens que brilharam como um farol no meio de uma noite escura.

Um desses homens é São Maximiliano Kolbe. Homem com uma grande obra, acabou preso em Auschwitz. Um dia, após a fuga de alguns prisioneiros, foram escolhidos dez homens para serem mortos em retaliação. O décimo escolhido gritou que tinha mulher e filhos. O Padre Kolbe avançou então em direcção aos soldados e pediu para morrer na sua vez.

Foi então preso com os restantes nove, numa cela sem qualquer alimento, deixados a morrer de fome e sede. Durante os dias do seu suplício o Padre Kolbe celebrou missa, cantou hinos e rezou o terço com os seus companheiros. No fim, quando só sobravam ele e dois companheiros, foram mortos para libertar o espaço. O padre Kolbe sorriu ao seu carrasco e estendeu-lhe o braço para receber a injecção letal. 

A morte de São Maximiliano Kolbe mostra que um homem pode ser livre até na maior opressão. Mesmo diante de todo o poder do mundo, aquele homem testemunhou a liberdade daqueles que tem os olhos posto s em Deus. Por isso abraçou sem medo a morte, sem ódio, só caridade. Todo o mal de Auschwitz, todo o terror Nazi não foi suficiente para o derrotar. A verdade é que o Padre Kolbe era mais livre que os seus carrasco. Preso e condenado a morrer à fome era mais livre que Hitler, líder de exércitos incontáveis e senhor de meia Europa.

É importante recordar Auschwitz, porque é importante relembrar até onde o mal pode conduzir aqueles que lhe cedem. Num tempo onde tantas vezes os meios parecem justificar os fins, que o mais importante parece ser o combate ao inimigo, convém não esquecer o exemplo de todos aqueles que acabaram a exterminar um povo em nome de uma suposta causa justa. 

Mas também é importante lembrar que nesses tempos de horror, onde toda a esperança e toda a bondade pareciam ter desaparecido, existiram homens como Maximiliano Kolbe. Homens que testemunham que temos sempre escolha entre o bem e o mal. Homens que testemunham que um coração que ama é mais livre que o mais poderoso dos exércitos.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Winston Churchill, o homem que nunca se rendeu.




Cumprem-se hoje 55 anos da morte de Winston Churchill. O antigo primeiro-ministro inglês morreu com 90 anos, tendo dedicado a maior parte da sua vida à política. Embora tenha sido soldado e jornalista (e em ambas as profissões demonstrou sempre a sua enorme coragem) Winston Churchill era acima de tudo um político com uma carreira de 60 anos. Na política foi tudo, desde deputado a primeiro-ministro. Dominou a política britânica durante décadas. Orador brilhante, irónico e sagaz, era seguramente dos tribunos mais temidos na Câmara dos Comuns.

Pessoalmente era uma pessoa bastante única: mimado, egoísta, egocêntrico. Tinha por hábito receber ministros na cama e ditar às secretárias que ouviam do lado de lá da porta enquanto tomava banho. Bebia e fumava muito, até o charuto se tornar a sua marca icónica. Monárquico ferrenho, aristocrata, imperialista, conservador. A verdade é que Churchill dificilmente teria sucesso na política moderna. Na melhor das hipóteses era considerado um populista, na pior um fascista.

Churchill foi sempre uma voz incómoda. Opôs-se aos termos do tratado de Versalhes, foi dos primeiros a denunciar o comunismo, foi durante muito tempo o único que apontou o perigo da ascensão de Hitler e, já depois da guerra, será ele a cunhar a expressão “cortina de ferro”. E esta é mais uma das razões pelas quais Churchill não teria sucesso na política actual: foi sempre um homem livre, com coragem para denunciar o que considerava errado.

Mas a verdade é que Churchill é hoje considerado, com justiça, um dos heróis do século XX. Naquela que foi de facto a hora mais negra do Reino Unido, foi a sua vontade que conseguiu manter a Inglaterra na guerra contra os nazis, sozinha desde a rendição de França até a Pearl Harbour. Sem Churchill é provável que a guerra acabasse antes de os americanos ponderassem entrar nela.

E foi nesse momento decisivo, quando se manteve firme contra Hitler, que Winston demonstrou ser o maior líder que o Reino Unido teve no século XX. 

Muitas vezes, demasiadas, resume-se os grandes líderes ao seu carisma, à sua oratória, ao seu génio. E isso sem dúvida é importante. Mas não é isso que faz um grande líder. A grandeza de Churchill não está nas suas qualidades retóricas. Um grande líder é aquele que convence o povo a caminhar pelo caminho certo, mesmo quando não quer. O grande líder não é aquele que vai para onde o povo quer ir, mas que leva o povo para onde este não quer. É aquele que com a sua vontade consegue manter um povo em luta pelo que está certo. O povo inglês não seguiu Churchill porque este falava bem, seguiu-o porque reconheceu nele a coragem, a liberdade e a vontade de lutar pelo que estava certo. Mesmo com sacrifício.

“Nós não nos renderemos” não tocou o coração dos ingleses por ser uma frase bonita, mas porque acreditaram que de facto Churchill nunca se renderia. Perceberam que a proclamação de que lutariam em França, nos mares e nos oceanos, nas ruas, nos campos e nas colinas, não era um mero artifício de retórica, mas a expressão da mais profunda convicção do primeiro-ministro.

Um grande líder não é aquele que fala bem, não é aquele que é capaz de produzir maravilhosas citações. O grande líder é aquele que com a força da sua convicção e da sua vontade consegue liderar um povo. E no século XX ninguém o fez como Winston Churchill. Ele nunca se rendeu, e a verdade é que ganhou e garantiu a liberdade inglesa.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Pedro e Giovani.


Na última semana de Dezembro o país ficou chocado com a notícia de um jovem estudante morto num assalto em plena Lisboa. Passado uma semana, nova morte de um jovem estudante, desta vez em Bragança, por um bando de delinquentes da noite.
Normalmente estas duas tragédias seriam sobre a dor das famílias e a necessidade de combater dois fenómenos: a insegurança junto da Cidade Universitária e a violência que tem vindo ao aumentar na “noite”.

E provavelmente assim seria se o primeiro jovem não fosse branco e o segundo negro. Rapidamente a morte destes dois rapazes enquanto tragédia foi esquecida, para se transformar numa batalha política.

É verdade que a politização começou logo com o primeiro crime, ainda que de forma marginal. Mas com a segunda morte a coisa rapidamente se descontrolou. O crime era um acto de racismo, a comunicação social não tinha dado a mesma cobertura aos dois, diziam os activistas anti-racismo. Em resposta, vieram logo aqueles que diziam que estas associações não se preocupavam com a morte do jovem branco e que tinham sido negros a matar o primeiro.

Entretanto foram marcadas várias acções contra o racismo por causa da segunda morte, mesma sem qualquer indicação que o crime tivesse relacionado com a cor do morto.
No meio surgiu o boato de que o jovem teria sido morto por ciganos. Nova ronda de acusações que culminou na manifestação anti-racismo onde o famoso activista Mamadou Ba quase agrediu o repórter António Abreu por lhe perguntar sobre os ciganos. De seguida as redes sociais tornaram-se num campo de batalha, com acusações de racismo, de fake news, de isto e daquilo de ambos os lados. 

Finalmente veio a notícia de que afinal o crime não tinha motivações racistas e não tinha sido executado por ciganos e a questão esmoreceu. Não havendo racismo, não havendo ciganos, aparentemente a morte de dois jovens estudantes começou a perder o interesse. 

E isto é talvez das coisas mais trágicas do nosso tempo. Vivemos numa mentalidade marxista, que impregna muitas vezes até aqueles que o dizem combater. Contrariando a ideia de da fraternidade cristã, de homens criado à imagem de Deus em igual dignidade, e a ideia clássica da sociedade como um corpo que tem que trabalhar em harmonia, o marxismo dividiu a sociedade em classes que lutam entre si. E se o marxismo se ficou pelo povo contra o capital, hoje os seus herdeiros desdobraram esta luta numa quantidade infinda de identidades. Infelizmente, muitos dos que se opões ao marxismo acabam a olhar para a sociedade da mesma forma, mas escolhendo o “outro”lado como bom. Também acreditam que o mundo se divide entre homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, brancos e negros, só que estão do lado dos homens, dos heterossexuais e dos brancos! 

E assim vivemos num tempo de trincheiras, onde a morte de dois jovens só tem interesse enquanto arma de arremesso contra o inimigo. Onde o que realmente importa é se essa morte permite acusar o inimigo de alguma coisa.

Esta mentalidade é trágica. Pedro e Giovani foram mortos por bandidos. Mas foram mortos segunda vez por todos aqueles que os quiseram reduzir a arma política.

sábado, 11 de janeiro de 2020

CDS: menos aparência, mais substância. - Observador, 11/01/20

A política é a tensão entre o ideal e o real. Ou seja, entre aquilo que se acredita ser o melhor para a sociedade e o que é possível fazer.

Assim começava o artigo que escrevi no Observador há dois anos, pouco antes do congresso do CDS em Lamego, quando muito se discutia se o CDS devia ser mais ideológico ou mais pragmático. Já na altura tinha a mesma posição que tenho hoje: pragmatismo e idealismo não são antagónicos, pelo contrário, são complementares.

O resultado do pragmatismo como estratégia política ficou à vista nos últimos dois anos: um partido sem rumo, a cavalgar todos os escândalos, sem um projecto para o país, perdido em estratégias de comunicação. A famosa fotografia dos deputados do CDS reunidos com os deputados da esquerda para aprovar a reposição do tempo dos professores que tanto dano causou na campanha, não foi fruto de um azar, foi fruto desta estratégia. Os últimos dois anos deixaram claro que o CDS era contra os socialistas, mas ninguém percebeu qual a alternativa que propunha.

O problema do CDS não se resolve, como tantos parecem achar, com um simples afinar do tiro ou com um estilo novo. Não basta uma nova agência de comunicação, renovar slogans ou fazer publicidade gira nas redes sociais. O problema do CDS é um problema de substância e isso não se resolve com triunfalismos gerados por vagas de fundo criadas por estruturas do partido.

Infelizmente, muitos parecem confundir substância com proclamação de princípios. Como se fosse suficiente afirmar aquilo em que acreditamos, sem um projecto realista para transformar a doutrina em propostas concretas para o país. A posição do idealista entrincheirado nos seus princípios serve para um partido de protesto, mas não é útil para um partido que queira realmente construir o bem comum.

Aquilo que o CDS precisa é de apresentar um projecto claro ao país. Retomar o ímpeto fundador, de ser não apenas oposição, mas uma alternativa real ao socialismo. É preciso que a defesa da Vida, a subsidiariedade, a economia social de mercado, a defesa das liberdades individuais, dos trabalhadores, do mundo rural, dos mais pobres, das pessoas deficientes, da cultura portuguesa, da Europa das nações e da portugalidade não sejam apenas palavras mortas, mas dêem origem a um verdadeiro programa de governo.

É isto que o CDS devia debater: como trazer para o século XXI estes princípios, os princípios da democracia cristã, os princípios que tornaram o CDS um partido realmente diferente e necessário na política portuguesa.

É isto que a moção Juntos pelo Futuro de Filipe Lobo d’Ávila tenta fazer. É uma moção longa (a maior das que foram apresentadas ao congresso), despida de truques de grafismo ou de comunicação. É verdadeiramente um programa de governo, que reafirma de maneira cristalina a doutrina do CDS e que faz propostas concretas para a sua aplicação.

Num tempo onde a aparência parece ser o mais importante na política, Filipe Lobo d’Ávia apostou na substância. Sem agências, sem truques de comunicação, sem o apoio de estruturas partidárias, apresentou um documento fruto da sua reflexão com o grupo que o tem acompanhado nos últimos anos.

Filipe Lobo d’Ávila não é príncipe herdeiro de uma dinastia decadente, nem um Dom Sebastião vindo de uma qualquer manhã de nevoeiro. É precisamente quem foi nos últimos anos: a voz que propôs um caminho diferente daquele que o CDS percorreu nos últimos tempos. Vai a Aveiro propor aquilo que propôs em Gondomar, quando se opôs à sucesão de Paulo Portas, e aquilo que propôs em Lamego, quando o CDS exultava com o resultado de Lisboa. Um projecto para trazer o CDS de volta à democracia cristã, um projecto para trazer os ideais do CDS para o século XXI. Penso que chegou a hora de o ouvir.

domingo, 5 de janeiro de 2020

A esquerda viu-se ao espelho e disse Chega!




É fascinante ler o artigo de Daniel Oliveira no Expresso, Flores de estufa com espinhos. Escreve a certa altura o comentador que “os mesmos que ao primeiro reparo se atiram para o chão num pranto, vítimas de ignóbil censura, lançam na lama quem se atreva a levantar-lhes a voz.” e mais à frente acrescenta “A degradação do espaço mediático e a banalização do escândalo tornou os cidadãos menos exigentes, não mais.” e ainda “não deixar que usem as redes sociais para a difamação.”

Um leitor mais distraído poderia pensar que Daniel Oliveira estava a praticar aquela tradição da esquerda que é a auto-critica. Finalmente tinha percebido o modus operandi da extrema-esquerda que sempre apoiou, e vinha agora corajosamente denuncia-lo.
Mas não, aparentemente Daniel Oliveira, e a maior parte da esquerda, não vê qualquer mal quando Marisa Matias manipula informação sobre uma votação no Parlamento Europeu para fazer uma campanha falsa contra Nuno Melo, não demonstra qualquer sobressalto quando Isabel Moreira chama bárbaros e outros insultos a quem dela discorda, até não se importa de partilhar memes mentirosos sobre Pedro Passos Coelho. Isto só os incomoda quando são os “fascistas” a fazerem-no.

A esquerda descobriu que dizer que o Governo era uma vergonha não era linguagem apropriada para o Parlamento. Pelos visto adequado é passar quatro anos a dizer que o governo rouba. Também descobriu o respeito institucional devido à segunda figura de Estado. Respeito esse que não estendem à primeira, visto que passaram dez anos a publicamente dizer tudo que havia para dizer sobre Cavaco Silva. Por fim, a esquerda agora acha execrável o vitimismo, e que se traga para o Parlamento as facturas dos polícias. Pena que nunca se tenha incomodado quando um doente com hepatite foi usado politicamente para atacar Paulo Macedo (para não falar dos amigos imaginários de Carlos César).

Nada no populismo de André Ventura é novo, tirando o facto de não ser de esquerda. Aquilo que o deputado do Chega e os seus apoiantes fazem hoje é igual ao que a esquerda tem feito nos últimos quarenta anos. Desde os berros de fascista na constituinte até as grandoladas no governo de Passos Coelho, a esquerda leva mais de quarenta anos a degradar o debate público e político. A esquerda pode achar Ventura um monstro, mas é um monstro que eles criaram.

A ascensão de André Ventura é a resposta a quarenta anos de demagogia e populismo. É a resposta da direita que se fartou da desonestidade da esquerda que responsabilizou Passos Coelho pelos mortos numa crise de gripe e olhou para o lado nos mortos de Pedrógão. É a resposta da direita farta de ser achincalhada e insultada como retrógrada e diagnosticada com um conjunto de fobias que a esquerda vai inventado ao longo do caminho. É a resposta da direita que vê tudo a ser permitido à esquerda, mas que é suposto manter-se em silêncio. André Ventura é fruto da frustração causada pelo populismo da esquerda.

Evidentemente, o populismo da esquerda não se combate com um populismo de direita. A desonestidade da esquerda não justifica a desonestidade da direita. Mas não vale a pena Daniel Oliveira e os seus camaradas virem agora escandalizar-se, quando foram cúmplices na degradação da democracia que trouxe ao parlamento André Ventura.

No fim do seu artigo, Daniel Oliveira deixa várias estratégias para combater o Chega. São todas inúteis. A única maneira eficaz de a esquerda combater o populismo de direita seria ela própria abandonar o populismo. Infelizmente não me parece que o venha a fazer, uma vez que deve o seu sucesso eleitoral à sua capacidade amoral de manipular os factos para obter apoio das massas. Para realmente combater o populismo da direita, a esquerda teria de olhar para o espelho e dizer: Chega! Mas não o faz, provavelmente com medo que o seu reflexo seja André Ventura.