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domingo, 21 de outubro de 2018

A voz e o voto pró-vida em Portugal - Observador, 21/10/19

1. Todos os anos, desde 2012, a Federação Portuguesa Pela Vida organiza a Caminhada Pela Vida. São milhares de pessoas que descem à rua para se manifestar publicamente pela defesa da Vida desde o momento da concepção até à morte natural. No ano passado foram mais de 4 mil só em Lisboa, a juntar às centenas que caminharam em Aveiro e no Porto. Este ano a Caminhada Pela Vida irá realizar-se em mais duas cidades: Braga e Aveiro.

Na Caminhada pela Vida foi lançada a Iniciativa Legislativa de Cidadãos “Pelo Direito a Nascer” que recolheu mais de 50 mil assinaturas e resultou numa lei aprovada pelo parlamento e cuja revogação foi decidida pela “gerigonça” no primeiro dia da nova legislatura. Foi na Caminhada pela Vida que se lançou a petição “Toda a Vida tem Dignidade” que, após recolher quase quinze mil assinaturas, continua à espera de ser debatida no Parlamento. Foi na Caminhada pela Vida que começou a campanha contra a eutanásia que incluiu dezenas de sessões de esclarecimento, vigílias por todo o país e uma grande manifestação contra a eutanásia no dia 29 de Maio.

A Caminhada pela Vida é apenas a face mais visível do activismo cívico pró-vida em Portugal. Na última década a Federação Portuguesa Pela Vida, assim como outras associações e grupos cívicos, têm mantido uma enérgica actividade na defesa dos seus ideais. Conferências, petições, sessões de esclarecimento, seminários, estudos. Num país onde escasseia o activismo cívico, a causa da defesa da vida tem demonstrado uma rara vivacidade.

2. Infelizmente esta actividade tem sido invisível para a maior parte dos portugueses.  Invisível porque ignorado pela esmagadora maioria da comunicação social. Mesmo num país onde o activismo cívico é raro, a comunicação social parece nunca reparar quando um grupo de cidadãos se organiza para defender o valor da Vida Humana. Na comunicação social portuguesa parece não haver espaço para a política para além da partidária. De facto, as iniciativas pró-vida só são parcamente noticiadas quando acontecem durante um debate iniciado pelos partidos.

E para provar o que afirmo não preciso de ir muito longe, basta referir três acontecimentos do último ano.

O primeiro: a Caminhada pela Vida, já acima descrita, que apesar de juntar milhares de pessoas, de se realizar em várias cidades do país, de acontecer no contexto do debate da eutanásia, conseguiu ser ignorada pela esmagadora maioria da comunicação social.

O segundo: o congresso sobre a eutanásia organizado pela Universidade Católica, a Rádio Renascença e a Federação Portuguesa Pela Vida, que contou com a presença de grandes académicos portugueses como o Professor Germano de Sousa ou o Professor Miguel Oliveira e Silva e com o especialista holandês Professor Theo Boer. Organizado um mês antes da discussão da legalização da morte a pedido no parlamento não mereceu qualquer tipo de cobertura da comunicação social.
Por fim, a cobertura após a derrota da legalização da morte a pedido. Os telejornais dessa noite limitaram-se a cinco minutos sobre o tema, preenchidos quase totalmente com declarações dos partidos derrotados, aparentemente sem espaço para os movimentos cívicos que realizaram uma grande campanha nacional em defesa da Vida.

3. Mas mais grave do que o silêncio da comunicação social é a falta de representatividade política do movimento pró-vida nos partidos.

Nos últimos 20 anos o Bloco de Esquerda tem dominado a agenda dos chamados “temas fracturantes” em Portugal. O Bloco faz uma política baseada num activismo cívico que tem dominado completamente a agenda do parlamento no que respeita às questões da Vida e da Família. Nestes mesmos vinte anos os partidos de centro esquerda e centro direita (com honrosas excepções no CDS) varia entre uma vaga defesa dos valores da Vida e da Família e uma verdadeira rendição à agenda do Bloco.

E repare-se que não estou a acusar o Bloco de nada: eles têm uma agenda pública, defendem-na sem medo e sem problema algum de utilizar os meios ao seu alcance para a levar por diante.
O problema é mesmo o PS e o PSD que se tornaram reféns desta agenda. O PS simplesmente cedeu à agenda fracturante, tornando-se refém de Isabel Moreira, Pedro Delgado Alves e seus companheiros. Em questões fracturantes já nada hoje distingue o PS do Bloco.

O PSD tem-se mantido mais neutro, mas incapaz de combater esta agenda. Basta lembra que a adopção por pessoas do mesmo sexo foi aprovada com 19 votos do PSD e que as barrigas de aluguer tiveram direito a uma proposta de lei desse partido. Se já no PS é claro que há uma separação entre os eleitores mais conservadores nos costumes e o seu grupo parlamentar, no PSD é cada vez mais evidente que entre as bases e o grupo parlamentar existe uma separação cada vez maior nestes temas.

4. Muito se tem discutido sobre os populismos no nosso tempo. Fenómenos como Trump nos Estado Unidos ou, mais recentemente, Bolsonaro no Brasil têm apanhado de surpresa a maior parte dos jornalistas, comentadores e políticos. Não admira. É sinal evidente que existe uma separação cada vez maior entre estas elites e o povo.

Parte desta separação está na população pró-vida, que (não apenas em Portugal) é ignorada e desprezada pela comunicação social e pelos políticos. De tal modo que muitos dos apoiantes desta causa, frustrados pela invisibilidade do seu trabalho, acabam lá fora por aderir a líderes demagogos que, por ideal ou conveniência (maioritariamente por conveniência) juntam os temas pró-vida a um discurso de revolta contra as elites. De tal modo que conseguem chamar a si, apesar das suas contradições e fraquezas, boa parte daqueles que activamente defendem as causas da vida.

Os movimentos pró-vida em Portugal não têm até agora sido submetidos a essa tentação. Para nós é claro que a dignidade da Vida Humana é um bem não apenas no seu inicio e no seu fim, mas também em todas as fases do seu desenvolvimento. Não aderimos por isso a discursos que defendem a Vida por nascer, mas não o fazem depois do nascimento. Contudo sentimos e notamos entre nós uma frustração crescente pela constante invisibilidade a que o nosso trabalho é votado pela comunicação social e pelos políticos.

5. Vamos entrar em ano de eleições. Primeiro europeias, depois legislativas. Para garantir que o povo pró-vida não volta a ver as suas perspectivas iludidas pelos partidos que supostamente partilham dos nossos ideais para conseguir os votos, mas que os renegam depois na Assembleia da República, a Federação Portuguesa pela Vida vai lançar um questionário a todos os partidos e cabeças de listas que concorrerem às duas eleições. Nesse questionário será perguntado de maneira clara qual a sua posição sobre os temas que movem os movimentos pró-vida.

Assim saberemos com clareza quem de facto defende a causa da Vida na política, assim saberemos com o que contamos quando formos votar. Aquando da discussão da eutanásia o Professor Cavaco Silva falou em duas armas: a voz e o voto. A nossa voz temo-la usado muitas vezes nos últimos anos e somos das poucas forças políticas e cívicas em Portugal que não receia descer à rua. O nosso voto iremos usá-lo no próximo ano denunciando aqueles que promovem a cultura da morte e apoiando aqueles que se comprometeram a colocar a Vida em primeiro lugar.

Membro da direcção da Federação Portuguesa pela Vida.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Acabar com a "cultura do abuso": educar no amor.





Vivemos num tempo em que a sexualidade se tornou vulgar. Aquilo que era da intimidade dos casais passou a ser público. Em qualquer rua é possível encontrar anúncios com mulheres seminuas; a qualquer hora na televisão vemos cenas (mais ou menos explícitas) de sexo; livros de perversões sexuais ganharam um ar respeitável e são best sellers nas livrarias; as crianças, adolescentes e jovens, são constantemente convidados a explorar a sua sexualidade; os jornais fazem notícias com qualquer mulher que esteja disposta a publicar uma fotografia “sensual” em troca de uns likes.

Aquilo que devia ser íntimo e privado passou a ser tratado como coisa pública. O corpo passou a objecto de negócio. A virgindade e a pureza são hoje objecto de curiosidade mas sobretudo de gozo.

Ora, é evidente que esta vulgarização do sexo, esta objectivação do corpo, esta redução da sexualidade a uma mera necessidade animal tem consequências. Muito se tem discutido sobre a “cultura do abuso”. Mas aparentemente ninguém parece querer reparar na evidente relação entre a hiper-sexulização da sociedade e a tal cultura.

É evidente que num mundo onde é normal e natural exibir o corpo e glorificar a partilha da sexualidade (e não, não estou a exagerar, pensem que a fama de Kim Kardashian se deve a uma sex tape) seja cada vez mais banal impor-se sexualmente ao outro.

Se o corpo deixou de ser visto como um templo, se a sexualidade deixou de ser um assunto íntimo, se a relação entre duas pessoas perdeu todo o seu carácter sagrado, também é evidente que as ofensas contra a sexualidade perderam a sua relevância.

Não é possível ao mesmo tempo educar para o respeito pela intimidade, quando esta é vendida nas capas de revistas e nos sites. Não é possível dizer ao mesmo tempo que é normal e saudável ver pornografia e que é preciso respeitar a intimidade dos outros. Ora, se afirmámos que não há problema em vender a intimidade, que é absolutamente respeitável usar o corpo de outro como objecto, não podemos ficar espantados que haja quem de facto o faça.

Na raiz da “cultura do abuso” está a mentalidade de que o outro é um objecto para usarmos ao nosso prazer. Ora é essa a mesma mentalidade imposta pela “revolução sexual” que hoje vivemos.

Podemos tentar procurar soluções para os abusos sexuais nos beijinhos aos avós, ou nas mudanças de fralda não consentidas. Mas se o fizermos ao mesmo tempo que publicámos fotografias de mulheres seminuas e amarradas estamos a passar uma mensagem contraditória.

Se queremos de facto acabar com os abusos sexuais é urgente voltar a educar para a intimidade (aquela que não se vende), para o respeito pelo corpo (que não é um objecto, nem o meu nem o dos outros), mas sobretudo, é preciso de facto educar para uma sexualidade que é sinal de amor e não uma mera necessidade fisiológica. 

Se assim não for ainda acabamos numa sociedade onde é proibido dar um beijinho a uma criança, mas é legal ver fotografias suas nua.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Brasil: entre o autoritário conservador e o autoritário corrupto.






Muito se tem dito sobre as eleições no Brasil. Ficou-me sobretudo um artigo de João Miguel Tavares (provavelmente dos poucos cronistas de direita em Portugal) a sua ideia de que Haddad era preferível a Bolsonaro porque é preferível um democrata corrupto a um fascista honesto.

Parece-me contudo que João Miguel Tavares comete dois erros de análise. Primeiro é a afirmação de que Bolsonaro é fascista, que é o tema central do seu artigo. Bolsonaro é sem dúvida um homem que entre as liberdades individuais e a ordem pública escolhe a ordem pública. Isso tem evidentemente como consequência que em última instância o capitão na reserva prefere um Estado autoritário que controle aquilo que ele considera ser os males do país (a criminalidade, a corrupção, etc) a um Estado livre. E é evidente que esta linha de pensamento é perigosa e pode por em causa a democracia. Mas não transforma Bolsonaro num fascista.

Por outro lado, João Miguel Tavares considera Hadadd um “corrupto democrático”. Antes demais é sempre discutível se um corrupto é democrático. Por natureza um corrupto é alguém que acredita que o seu bem estar pessoal está acima do bem público. Um corrupto é alguém que usa o Estado não para servir mas para se servir. Por isso um corrupto nunca é verdadeiramente democrático.

Ainda mais um corrupto que pertence a um partido que de facto procurou usar os bens do Estado com o único objectivo de se manter no poder (operação da qual Sócrates, tão denunciado por João Miguel Tavares, é aprendiz). Aliás, convém não esquecer que por trás de Haddad está Lula, o preso que procura usar o poder para fugir à prisão. Não haja dúvida que Haddad no poder significa o fim da operação Lava Jato, significa provavelmente o fim da autonomia judicial. Mais ainda, convém relembrar que um dos pontos da campanha de Hadadd é precisamente diminuir os poderes parlamentares e aumentar os poderes do Presidente, à imagem da Venezuela de Maduro.

O que me leva ao meu último ponto sobre a democraticidade de Haddad: pertence ao partido que apoia e celebra Cuba e a Venezuela de Maduro. Bolsonaro, com todos os seus defeitos, tem sempre mostrado preferir as democracias às ditaduras. Já o PT prefere qualquer ditadura socialista às democracias capitalistas.

Resumindo, não estamos diante de um embate entre um fascistas e um democrata corrupto. Estamos num embate entre um conservador autoritário e um corrupto autoritário. Nenhum me enche as medidas. Mas se tivesse que escolher, provavelmente escolhias o autoritário conservador que faz campanha em favor da ordem e da honestidade ao autoritário corrupto, que é pouco mais do que uma marioneta de um homem que continuamente procura dominar o poder para fugir à justiça.