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terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Salas de Chuto: os guetos higiénicos.





Vi hoje a notícia de que finalmente, ao fim de mais de um década, vão mesmo avançar as salas de chuto em Lisboa, ou no linguarejo tão do agrado da esquerda, as salas de consumo assistido. Aparentemente esta medida faz parte da geringonçacinha que Medina montou para governar Lisboa a seu bel-prazer.

Aliás, já se percebeu que a geringonçacinha vai funcionar como a gerigonça original: o Partido Socialista dá carta-branca ao Bloco em medidas fracturantes para disfarça o apoio que este dá às políticas que sempre combateu. Assim o Bloco continua a parecer revolucionário, em vez de se assumir como o partido burguês de poder em que se transformou, e os socialistas podem governar continuando a fingir que são de esquerda.

Voltando às salas de chuto, não é possível deixar de admitir que estas constituem um enorme contributo para a paz social em Lisboa. Em vez de termos toxicodependentes a drogar-se nas ruas, concentramo-los todos nuns pré-fabricados em bairros pobres onde se podem injectar longe da vista dos bons cidadãos. Mais ainda, para além de os escondermos da vista, também lhes damos seringas limpinhas, para evitar que os toxicodependentes apanhem doenças. Mais um ponto para a paz social: assim morrem apenas da droga e escusam de frequentar os hospitais públicos por causas das doenças que apanham com seringas partilhadas. Melhor ainda só mesmo se criássemos, nas tais salas de consumo assistido, umas bancas de traficantes de droga, onde estes podiam vender os seus produtos. Assim poupava-se à polícia a maçada de os perseguir, acabava-se com mais uma actividade criminal na rua, e os toxicodependentes podiam ficar sempre bem escondidos da vista, a comprar e consumir droga até morrerem de overdoses higiénicas. Tudo longe da vista dos restantes cidadãos. Infelizmente, vender droga é crime e por isso esta última parte não é possível (claro que a gerigonça podia fazer o favor à gerigonçacinha de legalizar o tráfico de droga na salas de consumo assistido e assim se resolvia o problema, tudo em família).

Infelizmente esta solução só resolve o problema social da droga, não resolve o problema humano. O problema de um toxicodependente não é injectar-se no meio da rua, nem sequer fazê-lo com seringas nojentas (embora não ajude). O problema do toxicodependente é ser viciado em drogas. E esse problema não se resolve criando melhores condições para ele as consumir, mas sim criando condições para que ele não as consuma. 

Criar salas de chuto é o equivalente a pintar por cima de uma parede com humidade. Dá para enganar as visitas, mas a parede acaba por cair. As salas de chuto podem tirar os toxicodependentes da rua, mas não resolve os seus problemas, nem o das suas famílias. Podem não se ver, mas aquelas pessoas continuarão a existir. A sua dignidade continua a ser igual à nossa. Continuam a ter o mesmo desejo de felicidade, de justiça, de beleza que nós. Tudo isto numa humanidade ferida por uma dependência que não conseguem vencer e que os impede de viver a sua vida. Também eles têm famílias, pais, irmãos, mulher, marido, filhos. Famílias para quem aquela pessoa destroçada pelo vício não é apenas um problema social, mas alguém que amam e por quem sofrem.

A resposta da sociedade a este drama não pode ser higienizar o consumo de droga. A responsabilidade do Estado, enquanto poder social organizado, não se esgota no simples garante da ordem e da paz pública. Criar pequenos guetos onde se concentram os toxicodependentes é ignorar a o seu direito à dignidade e o nosso dever social de os ajudarmos. Uma sociedade que permite que se criem salas de chuto, ou seja, uma sociedade que desistiu de realmente ajudar quem consome drogas, falhou. Não por ter no seio toxicodependentes, mas precisamente por desistir deles.