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domingo, 30 de agosto de 2020

O clubismo jornalistico, um perigo para a democracia.




É bastante interessante comparar as reacções do nossos orgãos de comunicação social à publicação de uma conversa em off de António Costa com o director do Expresso e a publicação de conversas gravadas em segredo da irmã de Donald Trump. Ambas as conversas têm interesse político, nenhum tem interesse suficiente que justifique a sua publicação.

 

Mas se a publicação da conversa entre o primeiro-ministro e um jornalista provocou a censura da maior parte dos jornalistas, aparentemente nenhum orgão de comunicação social teve qualquer problema em publicar conversas gravadas em segredo sobre o Presidente americano. Pelos vistos o primeiro-ministro tem direito a conversas privadas com jornalistas (e bem a meu ver) mas a irmã do presidente americano não tem direito a ter uma conversa privada com a sobrinha.

 

Evidentemente que esta disparidade de critérios não é exclusiva da comunicação social. A mentalidade de que a gravidade de uma acção depende do seu autor é bastante comum no debate público. Basta ver como um escândalo de corrupção causa reacções diferentes conforme o seu protagonista seja Bannon ou Iglesias. Os mesmo que juram a cabala contra Bannon pedem a prisão de Iglesias, e os que usam Banonn como exemplo da corrupção de Trump fingem que as noticias que chegam de Espanha sobre o Podemos não existem. Os factos e a razão estão cada vez mais afastados do debate público. O que conta é o “clube”, o que torna qualquer debate extremamente difícil.

 

Contudo, esta disparidade de critérios quando utilizada pela comunicação social é mais grave. Os jornalistas tem um papel essencial para a democracia. Uma comunicação social livre e independente é essencial para o escrutínio do poder público, é um garante da transparência numa democracia.

 

Por isso é grave quando o critério é um para António Costa e outro para Donald Trump. E infelizmente exemplos não faltam. Veja-se a diferença de cobertura entre a gestão desastrosa do governo Espanhol da pandemia da Covid-19 e a de Bolsonaro. Ou das manifestações do movimento BLM nos Estados Unidos e dos coletes amarelos em França. Ou a diferença entre a cobertura dada a António Costa e que foi dada a Passos Coelho. Infelizmente a dualidade de critérios na comunicação social é demasiado evidente.

 

E isso descredibiliza a própria comunicação social. Não acho que os jornalistas em geral mintam quando dão noticias. Mas são parciais. E sendo parciais acabam por retratar a realidade à luz da sua parcialidade. Ora quando um jornalista deixa de retratar a realidade e passa a ser um activista político, é evidente que se torna impossível confiar no seu trabalho.

E assim a imprensa, que deve ser um arbitro do debate público, dando a conhecer os factos, torna-se em mais um jogador. E perde aquilo que é mais importante para um orgão de comunicação social, a credibilidade. A parcialidade dos jornalistas (mesmo que não sejam todos como é evidente) levou a sua descredibilização. De tal modo que a maioria das pessoas já não acredita na imprensa.

 

Esta descredibilização tem duas grandes consequências. Primeiro pontencia as notícias falsas. A partir do momento em que um jornal deixa de ter credibilidade, é normal ir procurar outra fonte de informação. E normalmente procuro uma fonte de informação que confirme o que eu penso. Por isso se um jornal ataca gratuitamente as minhas ideias é normal que eu procure uma fonte que as defenda. E assim florescem as notícias falsas, entres os cacos da credibilidade dos jornalismo.

 

O segundo efeito, é que fortalecem precisamente aqueles que atacam. De cada vez que um órgão de comunicação social publica uma noticia tendenciosa sobre Trump ou Bolsonaro, dá crédito à teoria de que são perseguidos. É fácil: “estão a ver x que é falso? É a prova que todas as acusações contra mim são falsas”. E como o populismo cresce sobretudo pela desconfiança das pessoas para com as elites, é fácil explorar a teoria da perseguição de cada vez que um jornal publica uma noticia falsa sobre um líder populista.

 

O jornalista cruzado em defesa da democracia acaba por se transformar num dos seus carrascos. Se os jornalistas querem realmente servir a democracia e combater as notícias falsas tem uma boa solução: cumpram o seu papel. Informem com objectividade, com verdade, com imparcialidade. Não tentem educar o povo, mas confiem que este há de saber ajuizar os factos. Assim prestam sem dúvida um grande serviço à sociedade.

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