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quarta-feira, 26 de agosto de 2020

A nova direita anti-sistema, o caso do Chega - Riccardo Marchi



Estou a ler o livro de Riccardo Marchi sobre o Chega que tanta polémica causou. Consigo perceber a desilusão daqueles que, vendo fascistas escondidos atrás de cada rocha, não encontraram no livro matéria para corroborar as suas teorias sobre o partido de André Ventura 

Por outro lado o livro de Marchi veio confirmar aquilo que sempre foi a minha opinião: Ventura não é fascista, nem sequer um nacionalista. O líder do Chega não é um ideólogo, é um político ambicioso, com boas capacidades de comunicação e de manipulação, e que encontrou um nicho de mercado para se promover. Alías, resulta claro do livro de Marchi, até das entrevistas com Ventura e com os fundadores do Chega, que o deputado sempre se afastou das questões ideológicas, tendo apenas interesse no sucesso eleitoral. De facto, para André Ventura a única coisa que interessa é alcançar o poder, e está disposto a fazer o que for necessário para lá chegar.

Por isso tem sempre o cuidado de chocar sem ir longe de mais. Faz declarações explosivas, para ter tempo de antena, mas ao mesmo tempo tenta não passar o risco, para poder sempre negar qualquer acusação de extrema-direita, de racismos ou de nacionalismo. Parte da estratégia de Ventura é precisamente esticar a corda o suficiente para ser acusado de tais vilanias, mas recuar sempre a tempo de se fazer de vítima do sistema (ao qual, como o livro tão bem explica, sempre pertenceu, até decidir fundar o seu partido, para se revoltar contra o tal sistema que o “criou”).

O livro deixa claro que o Chega é um partido de um homem só. É o projecto pessoal de poder de André Ventura, que acolhe desde sociais-democratas desiludidos até nacionalistas frustrados, sendo capaz de gerir todas estas sensibilidades com grande maestria.

Confesso que percebo a admiração pelas capacidade de comunicação e manipulação de Ventura. Desde o principio da sua aventura política tem demonstrado um instinto extraordinário, que lhe permitiu superar com sucesso todos os obstáculos que encontrou, manipulando magistralmente o descontamento social com a política actual. Mas por muito louvável que seja o instinto político de Ventura, o exercício da política pelo desejo de protagonismo não só não me atrai, como me causa alguma repugnância. De facto, Ventura tal como António Costa mais do que um grande político, é um grande ilusionista.

Mas se o livro de Marchi tem, sem dúvida, algum interesse, tem também alguns defeitos, graves para um professor universitário. Acontece várias vezes no livro serem narradas polémicas envolvendo várias partes, mas onde só a versão dos militantes do Chega é contada. Várias acusações, contra partidos, jornais e até contra a Igreja são feitas, sem qualquer contraditório ou sem que o autor se digne a verificar a credibilidade das acusações. Este descuido de Marchi já levou, em pelo menos um caso, a uma rectificação pública, no caso da oposição da dirigente do PPM Aline Gallasch-Hall de Beuvink à coligação do seu partido com o Chega para eleições europeias, que o autor atribuiu erradamente a pressões do CDS. É grave que um académico publique uma acusação pessoal e uma acusação a um partido, baseado apenas em testemunhos de uma das partes, sem sequer ouvir a outra. Este descuidos de Marchi (este caso não é o único), mancham a credibilidade de um livro que é extremamente interessante para compreender este fenómeno da política actual.

Não me parece que estes descuido sejam fruto de uma tentativa de Marchi de favorecer o Chega. Parece-me mais provável que sejam fruto de algum pressa em publicar e de, perante a novidade do fenómeno e a escassez de fontes, usar sempre como fonte preferencial o testemunho directo dos envolvidos na criação do Chega. Contudo, a ausência de contraditório assim como de verificação dos testemunhos, ferem a credibilidade do livro. E é pena, porque parece-me ser sem dúvida o retrato mais fiel da realidade do fenómeno André Ventura.

Vale a pena ler o livro para compreender o fenómeno. Mas infelizmente a falta de rigor de Marchi na verificação dos factos obrigam a uma constante reserva sobre os factos que apresenta

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