Todos as mensagens anteriores a 7 de Janeiro de 2015 foram originalmente publicadas em www.samuraisdecristo.blogspot.com

terça-feira, 11 de agosto de 2020

Água não se nega nem a um cão...



 Nos últimos tempos a defesa dos animais, sobretudo dos cães, tem sido motivo de grande comoção social. Desde a petição em defesa de Zico, o cão que matou uma criança, ao escândalo à volta dos cães de João Moura, até mais recentemente à polémica sobre o canil de Santo Tirso onde vários cães morreram queimados.

 

A verdade é que o país se revolta constantemente em defesa dos cães. Aliás, aquando do recente incêndio em Santo Tirso, até o Primeiro-Ministro fez questão de intervir, falando em massacre diante da morte de cinquenta cães.

 

Esta comoção com os cães leva-me a pensar se não seria útil passar a qualificar os idosos como cães. Se antes isto poderia parecer um insulto, hoje seria claramente um upgrade na sua condição. Porque hoje abandonar um cão é crime, mas abandonar um velhinho dependente não o é. Hoje a família vai de férias e deixa o cão num hotel, mas a avó num hospital ou sozinha em casa. Sobretudo, hoje a morte de um cão queimado revolta um país, e a morte de um velho à sede deixa o país indiferente.

 

Desde o começo da pandemia que sabemos que não só a maior parte dos mortos são idosos, como parte considerável se encontravam em lares. Sabemos que boa parte destas mortes eram evitáveis, e se devem à falta de recursos dos lares e ao total desinteresse do Estado relativamente a estes.

 

Contudo, o caso do lar de Reguengos deixou a nu a total indiferença social diante de pessoas que não têm maneira de se proteger. Pela primeira vez houve uma investigação da Ordem dos Médicos que concluiu que, não só a DGS pouco ou nada fez, mas sobretudo revelou uma verdade terrível: os velhos que morreram não morreram de Covid, morreram desidratados! Morreram de sede! Não foi falta de remédios, não foi uma doença incurável, foi falta de água! Porque estavam presos numa cama e ninguém lhes deu água!

 

E a verdade é que é provavel que não seja a primeira vez que isto aconteceu nesta pandemia. Foi simplesmente a primeira vez que a Ordem dos Médicos investigou, em vez de confiar no que diz a DGS. E isto só é possível porque de facto a morte dos velhos pouco interessa à sociedade. Imaginemos o que seria se fosse descoberto que 18 cães tinham morrido à sede quando estavam aos cuidados do Estado!

 

Cinquenta cães mortos num fogo em Santo Tirso tornaram não apenas um escândalo social, com direito a vigília à porta da Câmara, tornou-se também num tema político. Centenas de velhinhos mortos em lares, mal chegam a noticia! Os mesmo partidos que tanta urgência tiveram em comentar a morte dos cãezinhos mantêm-se em silêncio diante da morte de pessoas por negligência do Estado.

 

Mas eu percebo, os velhinhos não dão votos e os cães dão. Basta ver que o número de famílias com animais em casa vai subindo, enquanto o número de velhos abandonados em lares e hospitais não para de crescer. Logo, é normal que os políticos prefiram falar de cães que as pessoas gostam, do que dos velhinhos que as pessoas abandonaram.

 

Por isso proponho que os idosos passem a ter estatuto de cão. Há esperança que venham a ser mais bem tratados. Sobretudo, provavelmente não morrem à sede, porque água não se nega nem a um cão, só aos velhotes em Portugal!

3 comentários:

  1. Comparar a Feira de Beja com o olho do cú dá nisto. Afinal se não me indignar com o que aconteceu em Santo Tirso quantos Velhos vitimas da covid 19 consigo salvar? E se me indignar com o que acontece aos velhos, quantos cães morrem por causa disso?. Já agora se não escrevesse estas asneiras quantas crianças deixariam de morree à fome em Africa?. Tenho pena que se tenha em tão fraca conta que ache que não se pode preocupar e ser sensível às duas coisas ao mesmo tempo.

    ResponderEliminar
  2. P Feijão, não disse que não se podia indignar com ambas as coisas. Disse que a maior parte das pessoas não o faz.

    ResponderEliminar
  3. 💯% de acordo com este artigo , e cada vez me deixa mais triste a forma como os nossos velhinhos são (des) tratados em Portugal 🇵🇹...Falo como filha de um velhinho, 92 anos, recentemente falecido de cancro 😓 mas que graças a Deus esteve apenas 3 meses num Lar Particular gerido por uma pessoas competente e com colaboradores competentíssimos 👏
    Obg Lar de Santa Rita das Avenidas em Lisboa

    ResponderEliminar